Boteco: 13 países, 13 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma nova sequencia de países pelos Estados Unidos com mais uma Founders, desta vez a Lizard of Koz, uma Russian Imperial Stout que recebe adição de mirtilos frescos do Michigan, chocolate e baunilha além de descansar um tempo em barricas que antes maturaram Bourbon. O resultado é uma cerveja de coloração marrom bastante escura, quase preta, de creme bege escuro espesso de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura acentuada sugerindo baunilha, cacau, chocolate e caramelo além de ameixa em calda e blueberrys sobre uma base suave, quase que discreta, de madeira e Bourbon. Na boca, uma pancada de doçura no primeiro toque que se abre ainda mais doce (difícil imaginar beber uma garrafa de 750 ml em apenas duas pessoas) e remete a vinho do Porto, mas com Bourbon no final da secura do vinho. A textura é sedosa e o final, adocicado, com notas marcantes de blueberry que retornam pungentes no retrogosto, caprichado. Interessante.

Da EUA para a Dinamarca com a To Øl Liquid Confidential Sherry BA Imperial Chili Stout, ou seja, uma Russian Imperial Stout com adição de três pimentas (Ancho, Guajillo e Chipotle) e cereja que é maturada em barris que antes maturaram Xerez. Na taça, o resultado é uma cerveja marrom bastante escura com creme bege de excelente formação e média alta retenção. No nariz, bastante chocolate ao leite, defumado beeeeem suave, quase nada de percepção de pimenta e cereja, mas um dedinho de Xerez marca presença. Na boca, a textura é levemente licorosa e picante (mais de álcool do que de pimenta). O primeiro toque oferece doçura de chocolate que no segundo seguinte é embebida em álcool e Xerez. Esqueça amargor e atenha-se aos 12.3% de álcool, que dão as caras aqui e ali, sutilmente. Já a cereja e as três pimentas não se apresentam num conjunto, ainda assim, incrível. O final é mais doce do que alcoólico enquanto o retrogosto é mais alcoólico, ainda que suave, do que doce. Delicia.

Da Dinamarca para a Bélgica com mais uma cerveja da Brasserie Honsebrouck, que já passou por aqui com as ótimas Kasteel e Bacchus, e agora retorna com a St. Louis Premium Gueuze, uma Gueuze produzida através do blend de Lambics jovens (mais ariscas) com envelhecidas (mais densas). De coloração âmbar caramelada com creme bege claro de boa formação e retenção, a St. Louis Premium Gueuze exibe um aroma com doçura no comando sugerindo caramelo e pêssego em calda com leve, mas muito leve percepção de acidez e quase nada de azedume. Na boca, doçura intensa acompanhada de leve acidez logo no primeiro toque. Quem espera mais acidez e, quiça, azedume, ficará esperando, já que a doçura tomara as rédeas do conjunto (tal qual faz no aroma), deixando qualquer outra percepção para segundo plano. A textura é até picante no começo, mas assim que a língua se acostuma vira um melado só. Nem se preocupe com amargor, pois ele não existe aqui. A acidez, discreta, faz o contraste com a doçura intensa até o final, menos melado do que se espera. No retrogosto, pêssego, caramelo e acidez suave.

Da Bélgica para ali do lado, na Alemanha, mais precisamente Bamberg, casa da Schlenkerla, mítica cervejaria mundial especial em cerveja de malte defumado (o trio de ouro da casa já passou por aqui). Esta Aecht Schlenkerla Helles Lagerbier é uma Munich Helles que traz como diferencial ser fervida nas mesmas panelas de cobre onde anteriormente foram fermentadas as Smoke Beer da casa. De coloração âmbar alaranjada com creme branco de boa formação e retenção, a Aecht Schlenkerla Helles Lagerbier exibe um aroma… defumado, ou seja, mesmo sem uso de malte defumado na receita, há percepção de defumação aqui advinda das panelas. Há ainda percepção de cereais em segundo plano sugerindo pão e biscoito. Na boca, doçura de cereais no primeiro toque seguido logo depois por defumação, suave, mas apaixonante. A textura é leve com suave picante. Dai pra frente surge um conjunto que oferece o melhor das lagers alemãs com acréscimo da defumação suave adquirida na panela. O final é levemente herbal e defumado. No retrogosto, cereais, defumação, herbal e alegria. Que bela cerveja.

De Bamberg para Curitiba com mais uma Bodebrown a passar por aqui, desta vez com uma receita criada em 2009 pelo cervejeiro artesanal Paulo Meller, aluno da primeira turma de cervejeiros da Bodebrown. Trata-se da Obscena Hopin-Up, uma Old American IPA de coloração âmbar caramelada com creme bege clarinho de boa formação e média retenção. No nariz, uma combinação de notas cítricas e herbais se destacam (maracujá, grapefruit e pinho) sobre uma base bastante perceptível de caramelo. Na boca, doçura cítrica logo no primeiro toque seguido por suavidade herbal e amargor nada obsceno (dizem que tem 81 IBUs, dizem. Parece ter 18). A textura é levemente picante. O conjunto todo replica o de uma American IPA antiga, mas a sensação é de que todas as características do estilo surgem suavizadas aqui. No final, doçura e amarguinho. No retrogosto, caramelo e grapefruit suaves.

De Curitiba para Humpolec, uma cidadezinha de 10 mil habitantes na fronteira da Bélgica com a França, casa da Bernard Family Brewery, que já havia passado por aqui em suas versões Dark, Amber e Celebration, e retorna agora com a Bohemian Lager 12, uma Bohemian Pilsener não filtrada que apresenta uma coloração dourada com traços âmbar e creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, notas doces sugerindo bastante caramelo e também pão, biscoito e surpreendentemente… banana. Na boca, doçura caramelada suave no primeiro toque seguida de herbal suave, novamente banana e amargor comportado, mas presente. A textura é suave e dai pra frente surge um conjunto bastante correto, sem muitas surpresas, nem decepções, uma Pilsener tcheca tradicional e saborosa. No final, doçura suave. Já o retrogosto oferece cereais, banana e leve herbal. Gostosa.

Da República Tcheca para a pequena Warkworth, na Nova Zelandia, com a sexta cerveja da 8 Wired a passar por aqui, sendo a primeira Russian Imperial Stout (as outras cinco foram todas IPAs), iStout, uma cerveja de coloração marrom bastante escura (praticamente preta) com creme bege de excelente formação e retenção a se perder de vista. No nariz, as derivações da torra do malte chamam a atenção sugerindo café, fumaça e leve defumado além de incríveis notas achocolatadas (tanto chocolate ao leite quanto chocolate amargo), tudo combinando de maneira maravilhosa. Na boca, a perfeição reúne no primeiro toque café bastante suave e chocolate bem presente seguidos de uma picadinha dos 10% de álcool e suave defumado. A textura é menos sedosa do que se espera – dá até pra dizer que é cremosa com álcool picando. O amargor é equilibrado assim como todo o conjunto, balizado entre café, chocolates e álcool até o final, que acrescenta um leve defumadinho. No retrogosto, amor (e chocolate, café e leve defumado). Sensacional.

Da Nova Zelandia para Fiorenzuola d’Arda, na Emília Romana italiana, casa do Birrificio del Ducato, que retorna ao Scream & Yell com sua 12ª cerveja, Mademoiselle, uma Vienna Lager de coloração âmbar avermelhada, meio rubi, e creme bege clarinho de boa formação e média retenção, a Del Ducato Mademoiselle exibe um aroma notadamente maltado com predomínio de dulçor de caramelo e frescor de pão. Há, ainda, leve herbal. Na boca, doçura muito menos acentuada do que se espera no primeiro toque (o que é bom) e herbal suave na sequencia. A textura é sedosa e levemente picante (até um tiquinho metálica). O amargor (apenas 20 IBUs), apesar de baixo, é perceptível e mostra personalidade em um conjunto maltado que abre alas para notas que sugeres nozes, caramelo e pão fresco. O final é maltado e amarguinho. No retrogosto, caramelo, nozes e um terroso leve. Uma boa Vienna Lager.

Da Itália para Montreal, no Canadá, com a sétima representante da cervejaria Dieu du Ciel a passar por aqui (confira algumas das anteriores neste post): Solstice d’Hiver, uma American Barley Wine sazonal que é produzida apenas uma vez por ano sendo envelhecida de quatro a cinco meses e engarrafada em dezembro (sendo que dois barris de 50 litros são guardados para maturar mais um ano e um ano e meio, respectivamente). Na taça, a Dieu du Ciel Solstice d’Hiver exibe uma coloração âmbar acastanhada com creme bege de média formação e retenção. No nariz, notas que oferecem doçura de açúcar mascavo e caramelo com leve percepção de baunilha, tudo isso embebedo em 10.2% de álcool, facilmente destacáveis. Na boca, doçura caramelada (um tiquinho tostada) no primeiro toque abraçada por álcool logo na sequencia. A textura é quase licorosa, com álcool passeando sobre a língua. O álcool também confunde a sensação de amargor, que é potente, mas não exagerada num conjunto que respeita o estilo. O final é… alcoólico. No retrogosto, álcool, caramelo e leve frutado.

Na décima da série saímos do Canadá e atravessamos o Atlântico em direção a capital sueca Estocolmo, casa da Nya Carnegiebryggeriet (New Carnegie Brewery), cervejaria fundada em 2011 de investimentos das poderosas Carlsberg Sweden e Brooklyn Brewery. Esta J.A.C.K. é uma Session IPA com maltes Maris Otter e Crystal e lúpulos Willamette (amargor) e Admiral e Bravo (aroma) mais levedura da Brooklyn Brewery. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a J.A.C.K. exibe um aroma puxado mais para o cítrico, mas com suavidade, oferecendo ainda algo de herbal. Na boca, a textura é seca e levemente frisante. O primeiro toque traz mais doçura (caramelo) do que amargor (que é baixinho) num conjunto leve que prima pela refrescância com um leve sabor agregado, cítrico e herbal bem saborosos com uma doçura que combina com o conjunto. No final, leve herbal e secura. Já o retrogosto traz mais herbal e refrescância. Boa no que se propõe.

Da Suécia para um país estreante no Scream & Yell: eis a primeira cerveja do Panamá na área, e trata-se da Casa Bruja, cervejaria fundada no final de 2013 na Cidade do Panamá que marca presença aqui com a Talingo, uma Chocolate Milk Stout com aveia, nibs de cacau orgânico fornecido por produtores indígenas da região de Bocas del Toro e, ainda, lactose. De coloração marrom na base, mas praticamente preta, Casa Bruja Talingo exibe um aroma com chocolate (muito mais ao leite do que amargo) em destaque, mas permitindo percepção leve de café e baunilha. Na boca, doçura de chocolate (mais equilibrada do que no aroma) no primeiro toque com um rápido defumado seguido de café, baunilha e amargor, médio (55 IBUs). A textura é suave, quase sedosa, mas menos do que se espera de uma cerveja com lactose. Dai pra frente, o conjunto segue aconchegante, com chocolate, lactose e baunilha mais presentes até o final, macio. No retrogosto, café mínimo, chocolate, lactose e baunilha máximos. Boa.

Da Suécia para a Estônia com mais uma Pöhjala na área, desta vez a Hooaeg, uma Dry-Hopped Saison com maltes Pale e Cara Pale, flocos de trigo e de trigo espelta, trigo mais sementes de coentro, raspas de laranja e três lúpulos: Magnum, HBC 431 e El Dorado. O resultado é uma cerveja dourada levemente turva com creme branco de excelente formação e alta retenção. No nariz, uma paleta aromática bastante agradável com cítrico (limão), acidez, mineral, trigo, pimenta do reino e coentro. Na boca, doçura de trigo suave com leve acidez no primeiro toque se abrindo de forma encantadora logo na sequencia para exibir frutado cítrico (mais laranja do que limão aqui), semente de coentro, acidez suave e leve picância apimentada. A textura é picante e frisante, como era de esperar, mas o amargor é baixinho (25 IBUs). Dai pra frente, uma cerveja bem gostosa, arisquinha, doce e levemente condimentada. O final é picantezinho e doce. No retrogosto, adstringência baixa, mineral e especiarias. Delícia.

Na última cerveja da série, saímos da Estônia para a Holanda com mais uma Brouwerij Kees, que já havia passado por aqui com a boa Double Rye IPA e a ótima Export Porter 1750, e agora retorna com a American Barley Wine da casa, uma cerveja de 80 IBUs e 11.5% de graduação alcóolica. De coloração âmbar acobreada com creme bege de excelente formação e média alta retenção, a Kees American Barley Wine exibe um aroma intensamente doce, uma pancada de caramelo com sutis notas que remetem a frutas secas e leve toffee. Na boca, doçura e toffee dominam o primeiro toque com caramelo se sobrepondo na sequencia. A textura é licorosa, com picância bem menor do que se espera, o que faz questionar os 80 IBUs numa cerveja cuja doçura caramelada é o maior destaque, ainda que um traço amarguinho apareça no final. Já o retrogosto é caramelo, álcool, toffee e leve cítrico. Interessante.

Balanço
Abrindo mais uma série países com uma delícia da Founders, a Lizard of Koz, que pede degustação compartilhada: é bem doce e alcoólica, e uma garrafa de 750 ml é perfeita para quatro pessoas experimentarem. Uma delícia. A dinamarquesa To Øl Liquid Confidential Sherry BA Imperial Chili Stout entregou Sherry, Chili e Xerez de maneira bastante comportada, mas, ainda assim, é uma bela RIS. Já a St. Louis Premium Gueuze é daquelas receitas que, desprevenidamente, o mestre cervejeiro deixou cair uma pá de candy sugar. Excessivamente doce e pouca arisca, não é o que se espera de uma Gueuze real. Agora na Alemanha, mais precisamente em Bamberg, para se aprender a genialidade de uma lager defumada sem malte defumado! Como se consegue? Séculos de história nas panelas! Já a Bodebrown Obscena Hopin-Up aposta na replicação das “antigas” IPAs dos EUA, mas falta potência e obscenidade a um conjunto que prima pela excessiva sutileza. Da República Tcheca, a Bernard Bohemian soa uma deliciosa Pilsener, maltada e saborosa, mas simplesinha dentro do estilo. Já a 8 Wired iStout é absolutamente incrível, acrescentando novas nuances ao estilo Russian Imperial Stout. Uma cerveja sensacional. A Mademoiselle, representante italiana, da Del Ducato (uma cervejaria que eu particularmente adoro), é uma Vienna Lager bastante agradável. Da Itália para o Canadá com uma potentíssima American Barley Wine, com algo aparente, amargor potente e doçura suave. Para ir devagar… e sempre. Já a sueca NYA J.A.C.K. é para se beber de baldes, uma Session IPA leve, saborosa e refrescante. A penúltima, panamenha, é uma Chocolate Milk Stout deliciosa: Casa Bruja Talingo! Da Estônia, a Pohjala Hooaeg é uma Saison arrisquinha e deliciosa. Fechando, da Holanda, a Kees American Barley Wine é uma tentativa de carregar uma BW com lúpulo. Ele aparece, mas é secundário numa receita que soa replicativa e formulesca demais.

Founders Lizard of Koz
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 10.5%
– Nota: 3,86/5

To Øl Liquid Confidential Sherry BA Imperial Chili Stout
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 12.5%
– Nota: 3,85/5

St. Louis Premium Gueuze
– Produto: Gueuze
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 2,86/5

Aecht Schlenkerla Helles Lagerbier
– Produto: Munich Helles
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 4.3%
– Nota: 3,66/5

Bodebrown Obscena Hopin-Up
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 3,03/5

Bernard Bohemian Lager 12
– Produto: Bohemian Pilsener
– Nacionalidade: República Tcheca
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,05/5

8 Wired iStout
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Nova Zelândia
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4,40/5

Del Ducato Mademoiselle
– Produto: Vienna Lager
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,31/5

Dieu du Ciel Solstice d’Hiver
– Produto: American Barley Wine
– Nacionalidade: Canadá
– Graduação alcoólica: 10.2%
– Nota: 3,67/5

Nya J.A.C.K.
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: Suécia
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,15/5

Casa Bruja Talingo
– Produto: Milk Stout
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,44/5

Pöhjala Hooaeg
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Estônia
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,51/5

Kees American Barley Wine
– Produto: American Barley Wine
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 3,68/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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