entrevista por Daniel Tavares
Zéis, como é mais conhecido o músico cearense Moisés Felipe, é vocalista da banda Capotes Pretos na Terra Marfim e lançou em agosto seu primeiro álbum solo, “De Preto em Blue”, um disco que dialoga com várias linguagens, predominantemente o rock, mas também o rap e o brega, situando-se como mais um interessantíssimo trabalho da nova música popular brasileira.
Da infância em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, até o primeiro EP dos Capotes (“A Casa”, lançado em 2013) foram mais de 20 anos respirando música (o que inclui uma graduação na Universidade Federal do Ceará). “De Preto em Blue” é, segundo Zéis, um disco “cheio de canções que carregam estruturas rítmicas de música brasileira misturadas a sintetizadores e efeitos, passado e de futuro”.
No papo abaixo, Zéis fala sobre a Capotes, seu disco solo de estreia e polêmicas raciais, acirradas recentemente nas redes sociais no momento da entrevista pela escolha da nova Miss Brasil, Monalysa Alcântara, negra e do Piauí. “Por que a cor preta está associada a coisas ruins ou que não deram certo?”, ele questiona. “Por ingenuidade ou falta de caráter, alguns costumam dizer que não há racismo ou preconceito racial no Brasil”, completa. Confira a conversa.
“De Preto em Blue” é seu disco de estreia, então, é normal que as pessoas ainda não conheçam o seu trabalho, mesmo quem já o conhece dos Capotes Pretos na Terra Marfim. Pra começar, gostaríamos que você se apresentasse, falasse sobre o seu som e sobre o disco.
Bem, em 2012 começamos com os Capotes, e foi exatamente nesse contexto que escolhi ter a música como prioridade em minha vida. De lá pra cá lançamos dois trabalhos, um EP intitulado “A Casa” em 2013 e um álbum que tem o nome da banda como título em 2015, gravado no Mocker Studio, em Fortaleza. Este ano venho com meu trabalho, também gravado e lançado pelo Mocker, solo que é fruto de inquietações artísticas minhas e também vontade de tratar de temáticas que não havia tratado até então com a banda. Tenho dito que o “De Preto em Blue” é um disco que está carregado de elementos nostálgicos e de artificialidade. Nostálgicos porque a maneira que as canções foram concebidas me remetem muito a artistas que ouvi muito por influência do meu pai e do meu irmão mais velho, e artificiais pela própria forma que o disco foi sendo construído em relação aos arranjos. O disco é composto por músicas de minha autoria e também, algumas, fruto de parcerias, e os arranjos foram sendo concebidos durante as gravações em que eu e o Igor Miná, produtor do disco, íamos fazendo escolhas. O Igor preza por introduzir elementos que causam estranhamento ao ouvinte, e eu, particularmente, sou totalmente aberto a essas inserções, pois acredito que isso traz mais personalidade ao som e que, por mais que muitas vezes exploramos esses estranhamentos a partir de instrumental sintético, eles, ao contrário, trazem mais organicidade às músicas. Então o disco está cheio de canções que carregam estruturas rítmicas de música brasileira misturadas a sintetizadores e efeitos, está cheio de passado e de futuro.
Polêmicas raciais têm sido temas recorrentes nas redes sociais. Entre apologias e críticas, fala-se em cotas, em vitimismo, dívida social. Recentemente, o assunto voltou à tona com a escolha da piauiense Monalysa Alcântara como a Miss Brasil 2017. O que você tem a falar sobre esse assunto?
O “De Preto em Blue” nasceu do seguinte mote: “Por que a cor preta está associada a coisas ruins ou que não deram certo?”. Por ingenuidade ou falta de caráter, alguns costumam dizer que não há racismo ou preconceito racial no Brasil. É por conta de ainda existirem pessoas que pensam assim que o debate precisa ser intensificado e apresentado em diferentes esferas. No meu caso, achei muito pertinente que eu, um artista que me reconheço como negro, tratasse do assunto no meu disco. Pra mim, é claro que o Brasil tem, sim, uma dívida histórica com os negros e com os índios, e acho que o Estado precisa, sim, proteger e dar condições para que esses grupos possam se manter e perpetuar sua cultura e modo de vida, seja por cotas ou pela via que se julgar necessária. No disco, a questão da criminalização dos indivíduos de cor negra aparece mais fortemente na canção “Retrovisor”, faixa que conta com a participação do rapper Andrezão GDS. A canção é na verdade uma narrativa em que falamos de uma ação policial para capturar um “suspeito de chinelo, elemento cor padrão”. A própria “De Preto em Blue” foi uma tentativa minha de ter a palavra “preto” associada a um sentimento de positividade. Dizer que você está “de preto em blue” é outra maneira de dizer que você está de boas, de bem com a vida. O disco ainda fecha com a faixa “Clareou”, que traz esses questionamentos sobre o significado que as cores carregam, da necessidade da gente repensar, questionar e mudar nossas maneiras de enxergar as coisas.
Você é o vocalista da Capotes Pretos na Terra Marfim. De onde vem esse nome e para onde vai a Capotes. Você vai conciliar a carreira solo com a banda? Quais são os planos, seus e de seus colegas, para o futuro?
O nome era pra ser algo provisório para o nosso show de estreia, acontece que a gente gostou tanto que ficou sendo nosso nome de vez. Ele surgiu quando estávamos pré-produzindo nosso EP em 2013. Nós fomos passar um fim de semana numa casa da família de um dos integrantes da banda que fica numa cidade chamada São Luiz do Curu, no interior do Ceará. A casa onde ficamos era bem isolada de tudo e rodeada por animais, inclusive muitos capotes (no Ceará, capotes são as galinhas d’angola). Então, inspirados por essa atmosfera de sertão, com a coisa da terra de coloração cinza amarronzada, a gente juntou todas as palavras que vieram em nossas mentes dentro daquele cenário e daí nasceu o nome. Depois construímos uma concepção sobre a Terra Marfim como um espaço imaginário onde nossas criações artísticas e o pensamento coletivo se encontram. A ideia agora é que eu vá tocando os dois projetos concomitantemente, inclusive o Artur Guidugli, que é baterista dos Capotes, também está comigo no show do “De Preto em Blue”. Temos algumas composições já prontas para serem gravadas e outras em processo de construção de arranjo para lançarmos ainda este ano. Apenas estamos decidindo o formato, se em forma de álbum, EP ou single.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza.