Resenha por Renato Caliman
Há 27 anos era lançado diretamente para a televisão norte-americana o filme “IT: Uma Obra Prima do Medo”. Baseado num livro com mais de 1.000 páginas escrito pelo mestre do terror Stephen King, o telefilme tirou o palhaço Pennywise (ou apenas IT, pois é capaz de assumir várias formas) do papel para assombrar os sonhos dos espectadores. Responsável por dar vida ao personagem, Tim Curry fez da criatura um marco, e entre balões e bueiro conseguiu que muita gente flutuasse com ele. Embora tivesse o palhaço dançarino como centro das atenções, a obra, muito rica em conteúdo, trazia ainda questões controversas que hoje resultariam num belo debate. Que tal uma orgia envolvendo crianças? Abuso sexual? Pois bem, de acordo com a maldição, a Coisa ressurge a cada 27 anos para se alimentar, e sem nenhum atestado de que seja coincidência (1990-2017=27 anos), ela está aqui novamente para provar que o tempo hibernando lhe fez bem. Fiel ao original, mas ciente da necessidade de se renovar, “IT: A Coisa” (IT, 2017) retorna muito mais envolvente, empenhado em fornecer sustos por meio de um Pennywise mais sinistro e composto por um elenco mirim cheio de carisma e talento.
Na trama, Bill (Jaeden Lieberher), Ben (Jeremy Ray Taylor), Beverly (Sophia Lillis), Mike (Chosen Jacobs), Richie (Finn Wolfhard), Eddie (Jack Dylan Graze) e Stan (Wyatt Oleff) formam O Clube dos Perdedores. Ao darem conta de que uma estranha maldição assombra a cidade de Derry, o grupo coloca seus medos à prova para tentar por um fim na desgraça, que pode ser qualquer coisa, mas que aparece na figura de um palhaço que atende pelo nome de Pennywise. Impulsionado pelo sucesso recente de “Stranger Things” e outros êxitos como “E.T: O Extraterrestre” (1982) e “Os Goonies” (1985), o filme apresenta uma narrativa que, embora traga um vilão e o terror como premissa, na verdade volta seu olhar para as crianças e um senso de aventura-dramático que se revela uma escolha muito acertada. Beneficiados por um roteiro preocupado com o desenvolvimento dos personagens, diferente do telefilme de 90, o ótimo elenco infantil dispõe de tempo para trabalhar e quem ganha com isso é o público (porque consegue estabelecer um vinculo emocional com aquelas crianças) e a narrativa (porque pode se aprofundar nas relações e a dinâmica do grupo com naturalidade).
Agora vamos conversar sobre Pennywise. Do ponto de vista de atuação, Bill Skarsgard já começa assustando pela voz. Ele alterna facilmente entre um timbre infantil para um mais feroz. E o que falar do trabalho visual na cena do bueiro? A pedido do diretor, Skarsgard realiza a façanha aterrorizante de olhar com o olho direito para Georgie enquanto o seu olho esquerdo mira o espectador. No mais, o ator é auxiliado por vários aspectos técnicos como, por exemplo, o excelente trabalho dos efeitos especiais que, além de brincarem com as transformações da Coisa, brindam o público com muitos jump-scares (técnica recorrente em filmes de terror, que consiste em surpreender a plateia com mudanças abruptas de algo ou alguma coisa), os quais são bem executados tecnicamente, mas sem tanto efeito na hora de gerar sustos. E aí está o grande problema do filme: a pouca eficiência na hora de surpreender com bons sustos. Conduzida por uma inquietante trilha sonora, a presença de Pennywise é impactante e incomoda, porém, o espanto não nos atinge com a mesma intensidade, o motivo: os trailers adiantaram quase todas as aparições do demônio, resultando em frustração.
Dirigido por Andy Muschietti (“Mama”, 2013), homem cuja câmera não poupa em violência, “IT: A Coisa” faz uma releitura interessante sobre o filme original, mas demonstra saber inovar quando preciso. Prova disso é que apesar de compreender a importância de que seu vilão tem na história, o filme não se prende a isso. Ao contrário, apresenta uma narrativa muito mais engajada no desenvolvimento das crianças, a luta contra os seus medos e o amadurecimento delas em meio a uma atmosfera onde até mesmo os adultos chegam a despertar certa fobia. Basta reparar a influência negativa que os pais presentes exercem sobre os filhos. Nenhuma das crianças escapa de ser coagida de alguma maneira, sendo elas, por vezes, pesada. O que nos leva a outra decisão corajosa do roteiro escrito por Cary Fukunaga (“Beasts of No Nation”, 2015) e Gary Dauberman, que sem receio, discute abertamente temas como incesto, bullying, machismo e racismo, além de outros. Cheio de ritmo, tensão e uma inesperada veia cômica, a produção termina sendo uma das boas surpresas do ano e de um gênero que custa a vender novidades. Recomendo a você permitir-se flutuar.
– Renato Caliman (fb.com/renato.caliman) escreve no #CineMarmita: https://cinemarmita.wordpress.com