entrevista por Bruno Lisboa
No inicio dos anos 2000 houve uma banda no cenário mineiro que tinha tudo para seguir o caminho aberto pelo Sepultura e estabelecer uma carreira internacional: era a Diesel. Liderada por Gustavo Drummond (guitarra e voz), a banda ainda tinha em sua formação também guitarrista Léo Marques, o baixista Thiago Correa (ambos hoje do Transmissor) e o baterista Jean Dollabela (Ego Kill Talent). O início promissor, com um senhor disco de estreia autointitulado, e uma apresentação histórica no Rock in Rio 3 renderam um contrato com um selo norte-americano e a oportunidade de gravar o disco nos EUA com o produtor Matt Wallace (Faith No More).
Tudo aparentemente certo, mas o que seria uma grande oportunidade acabou por se tornar um pesadelo. Devido a grife italiana Diesel, a banda teve que mudar de nome e tornou-se Udora. Em seguida, a gravadora, esperando um disco mais comercial, rejeitou a sonoridade pesada pós-grunge gravada por Matt Wallace. E nem mesmo a mudança de produtor (Bob Marlette) ajudou e o contrato foi encerrado. Ainda nos EUA, em 2004 o Udora foi apadrinhado pelo produtor Thom Russo, que bancou as gravações de “Liberty Square”, álbum que traria certa visibilidade, mas a falta de um contrato e a saudade do Brasil fizeram com que o quarteto abandonasse o “american dream” e retornasse.
Com uma nova formação, o Udora seguiria renovado somente com Gustavo Drummond da formação original e lançaria “Goodbye, Alô” (2007) e “Belle Epoque” (2011). A sonoridade pesada de outrora daria lugar a uma linguagem mais pop e elaborada. As letras em inglês seriam substituídas pelo português. A nova escolha acabaria por render hits como “Quero Te Ver”, que figurou na trilha sonora do folheteen Malhação. Mesmo com o sucesso conquistado, Drummond se viu num dilema entre seguir como músico ou encontrar uma outra carreira. Acabou optando pela segunda e formou-se em Direito, vocação que exerce hoje. Casamento e a paternidade vieram na sequência, mas a vontade de voltar ao universo da música seguia forte.
Rompendo um hiato de quase seis anos, “Beneath The Surface” (ouça e baixe no Bandcamp) é o primeiro disco do Oceania, power trio capitaneado por Drummond. Nesta entrevista, Gustavo conta sobre o seu retorno ao universo da música (“Eu nunca estive inativo”), o processo de gravação do disco (“Foi o processo criativo mais leve e fluido pelo qual já passei”), a escolha por cantar em inglês (“A questão da escolha do idioma vai do momento de vida”), resgata algumas memórias do início da carreira, fala sobre a experiência com grandes gravadoras (“Minhas experiências com o mainstream e com a música industrial estão encerradas”), planos futuros e muito mais. Confira.
“Beneath The Surface” celebra o seu retorno à música. O que lhe motivou a voltar?
Eu nunca estive inativo. Só passei por um período ‘abaixo da superfície’, acertando outras questões da vida pessoal (casamento, filho, construção civil, vida acadêmica etc.). Nunca deixei de compor, de gravar, de lidar com experimentação musical, mostrando pros amigos, colhendo opiniões, debatendo estética etc.
É inevitável pensar que o álbum “Beneath The Surface” soa como uma continuidade natural do primeiro disco da Diesel. Parte do repertório é desta época?
No meu modo de ver, é uma continuidade de minha jornada musical como um todo e não apenas em relação a um álbum específico. O estado de espírito é de 2017, atual e com os olhos voltados para o futuro, ao mesmo tempo sem perder as raízes. Todas as canções foram escritas para este álbum especificamente, embora um ou outro riff eu possa ter trazido do meu ‘banco de dados’ musical. Mas de toda forma, o contexto geral é absolutamente novo, em sintonia com nosso próprio modo de enxergar a música atualmente.
Como foi o processo de composição e gravação do disco?
Foi um processo muito prazeroso, basicamente composto de cinco amigos (banda, engenheiro de som e produtor) que se encontravam semanalmente para exercer sua criatividade, cada um em sua esfera de atuação, de maneira despretensiosa, sem pressões comerciais ou expectativas que estivessem fora do nosso alcance. Foi o processo criativo mais leve e fluido pelo qual já passei. Vivemos ótimos momentos e espero repetir a dose em breve.
Você já teve oportunidade de trabalhar com produtores estrangeiros renomados como Matt Wallace e Thom Russo. Recentemente você trabalhou com o Marcelo Mercedo. Você teria no hall de suas predileções algum produtor (nacional ou internacional) com quem gostaria de trabalhar?
Todos os produtores tiveram grandes lições a ensinar e guardo excelentes memórias de todos. Espero continuar tendo a benção de trabalhar com grandes referências a cada álbum que o Oceania produzir.
O disco do Oceania soa, de certa forma, como algo híbrido de tudo o que você já produziu, unindo peso, melodia e uma ótima produção. Quais as influências norteiam o seu fazer musical?
Não há um grupo de influências específicas, ou fontes de inspiração a que recorro conscientemente. Existe apenas a vivência vertida em forma de música, que implica um somatório enorme de experiências, tanto no campo artístico quanto pessoal. A ideia é sempre buscar a satisfação pessoal. Quando a gente fica feliz com o resultado, é hora de abandonar a obra e compartilhá-la com o público.
Ainda abordando o seu processo de composição: suas letras são marcadas pela pessoalidade. As transformações pessoais que você vivenciou modificaram a sua leitura de mundo e o seu método de compor?
Com certeza. É um processo que tem como objetivo um resultado artístico, que é o de poder materializar aquilo que se imaginou. Entretanto, o próprio processo é sujeito às modificações e aperfeiçoamentos próprios da tentativa e erro, que é a essência da nossa busca. Então, o resultado e o método vão se modificando à medida que tenho novas experiências, o que dá bastante estímulo e motivação, de sempre buscar a arte pela satisfação espiritual que ela proporciona.
O disco saiu pela chancela da Quente, produtora de shows em BH que agora também inicia suas atividades como selo musical. Como se deu a parceria?
Eu conhecia o Luciano Viana e o Aniston Nest de outras épocas. Fizemos uma reunião, expliquei a ideia da banda e o desejo de apenas fazer música da forma mais pura e despretensiosa possível. Houve uma boa sinergia e aqui estamos nós, já com um ano de parceria.
A Oceania tem se apresentado regularmente em BH. Você tem observado a presença de um novo público? Como tem sido a receptividade daqueles que já acompanham o seu trabalho a mais tempo?
Sim. Muita gente está conhecendo o Oceania sem qualquer vínculo com os projetos anteriores e passam a nos acompanhar. A boa receptividade dos fãs antigos tem me deixado bem feliz também. O clima geral nos shows tem sido bem harmonioso, bem agradável.
Nos tempos do Diesel você realizou aquela histórica apresentação no Rock in Rio, em 2001. Quais as memórias você guarda daquela apresentação?
As memórias são as melhores possíveis. Um dia ensolarado, energia pulsante, muita obstinação e determinação de todos do Diesel em fazer o melhor que podíamos.
Me lembrei de uma outra história dos tempos da Diesel em que o Tom Capone, falecido produtor, entregou um bilhete para vocês dizendo “é só cantar em português”, dica que vocês não acataram. Porém, foi no Udora em que você experimentou compor na nossa língua. Agora Oceania volta a compor em inglês. Acredito que este retorno à língua inglesa se deu devido ao fato de que a sonoridade promovida em “Beneath The Surface” case melhor com o idioma. Estou certo?
A questão da escolha do idioma vai do momento de vida. O “Beneath The Surface” foi uma tentativa de começar uma banda nova, do zero, com as letras em inglês, mas nada impede que façamos uma boa mescla no futuro, considerando que o Português é nossa língua nativa.
Há uma diferença latente entre o mercado musical do início dos anos 2000 para os dias atuais. Como você vê esta diferença? Acha que hoje, com o advento da internet, trabalhar com música tornou-se mais “fácil”?
Procuro não focar muito em análises mercadológicas. Não é minha expertise. Prefiro me concentrar em decifrar os enigmas musicais que surgem a cada instante, referentes à composição, arranjos, performance, texturas e gravação, no intuito de me apropriar deste ofício de maneira mais plena a cada dia. Quanto à internet, me parece uma ferramenta maravilhosa, que atenua sobremaneira a necessidade de se buscar intermediários entre os artistas e seus fãs.
As experiências ruins com o mainstream, seja com a Udora ou a Diesel, mostraram o lado ruim das grandes gravadoras. Hoje você acredita que seguir de forma independente é o melhor dos caminhos?
Sem dúvida. Minhas experiências com o mainstream e com a música industrial estão encerradas. Minha intenção é prosseguir em contato direto com aqueles que apreciam minha música, criando de forma artesanal, com o máximo de pureza que sou capaz, seguindo essa filosofia de vida mais voltada à essência e menos às formas, de uma maneira bem “Beneath The Surface”.
No set da turnê de de divulgação do novo disco além do repertório presente em “Beneath The Surface” o que mais os fãs podem esperar?
Um pouco de cada fase de uma carreira que já conta com vinte anos de existência, além de novas canções, que comporão o próximo álbum.
Quais são seus planos futuros?
Conseguir ser um pai e esposo digno para minha família e, nos entrementes, fazer mais álbuns e shows com o Oceania, sob esta perspectiva de despretensão absoluta e total com o conceito tradicional do termo “sucesso”.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. Escreve para o Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Afonso Silva / Divulgação