Texto por Herbert Moura
Silviano Santiago é dos mestres que inspiram o exercício intelectual autêntico. Nascido em Formiga, Minas Gerais, em 1936, Silviano publicou seu primeiro conto aos 19 anos, em 1955. Após morar em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, onde se especializou em literatura francesa, ele partiu para um mestrado na Sorbonne, em Paris, e de lá para Albuquerque, no Novo México, onde assumiu um cargo de instrutor na universidade local. Seguiu publicando contos 1969 foi o ano da antologia “Brasil”, lançada em Nova York) e alternando universidades de Toronto, Nova York, Buffalo, Indiana e Rio (PUC e Universidade Federal Fluminense).
Em 1981, Silviano publica “Em Liberdade”, um clássico contemporâneo que lhe renderia o primeiro de três prêmios Jabuti. Eram tempos de abertura, mais do que política, existencial, com lentidão exata, e que anunciava épocas diferentes para o povo brasileiro. No livro “Em Liberdade”, Silviano descreve a postura de certos seres políticos, assim como apresenta, com minúcia, a atuação de autores comprometidos com a liberdade plena. Eis um livro que necessitada leitura atenciosa para que o leitor retire o essencial ao exercício de reflexão inteligente.
Silviano escreve sobre a variedade de temas possíveis com uma argúcia que remete a tempos distantes. Foram tempos difíceis, sem dúvida, embora saibamos que a dificuldade, tal como quis Blake, é caminho de abertura fácil e difícil, se quiséssemos assim. Caso contrário, é como sair à rua: você olha e elas olham, você segue em frente, disfarça, depois olha para trás, e segue em frente, e chega em casa, e descansa, e torna a escrever sobre os livros essenciais à vida – livros como os de Silviano.
Se Silviano fala sobre Proust, abre sendas que sugerem novas interpretações para a obra do autor francês. Didático, usa poucas palavras para encontrar o cerne, retorna e descreve o sentido novo, dá fim ao texto e passa para o próximo, abrindo o tema literário em sentido diverso. Como quando fala sobre os direitos libertários e civis, citando os fatos de países distantes do Brasil, onde ditadores impõem sem saber, ao certo, como impor. Hoje, porém, as coisas são diferentes, e o progresso enfim encontra o caminho das bandeiras especiais.
Em 2013, a editora Rocco reuniu na coletânea “Aos Sábados, Pela Manhã” os textos publicados por Silviano no Sabático, suplemento (hoje extinto) do jornal O Estado de S. Paulo. Criticismo com responsabilidade, eis a sugestão de Silviano, cuja obra torna latente a essencialidade do pensamento sem amarras. Embora, para que seja sem amarras, Silviano deixa claro com palavras invisíveis: quem principia no exercício de reflexão intelectual, deve agir com respeito por quem faz da criação o exercício livre de perguntar e responder, mesmo que as respostas possuam poucos sentidos, ou possuam o sentido que desejamos. Basta lembrarmos da trajetória singular de Silviano: moleque do interior, vem para a cidade e devassa caminhos até alcançar a posição de respeito que hoje é admirada.
Numa carreira extensa como a de Silviano há muito que se descobrir e conhecer e aprender e ler e reler e descobrir. Entre o primeiro romance, “O Olhar” (1974, mas relançado pela editora Global em 1983 na esteira do reconhecimento de “Em Liberdade”) a “Mil Rosas Roubadas” (2014) são 40 anos de uma literatura que conta com obras laureadas como o romance “Uma História de Família” (1993) e o livro de contos “Keith Jarret no Blue Note” (1997), ambos vencedores do Prêmio Jabuti (junto a “Em Liberdade”), ou “Heranças” (2008), que ganhou o Prêmio da Associação Brasileira de Letras na categoria Romance, entre outros. Em 2017, Silviano analisa “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, no livro “Genealogia da Ferocidade”, recém-lançado pela Companhia das Letras.
Em síntese, a obra de Silviano merece leituras e releituras, até que seja possível retirar dele a verdade indecifrável, ou, em outros termos, o que queremos entender como verdade absoluta. Trato sintético das palavras, encerra seus livros com olhos de quem sorri entre livros, e diz: meu caminho é o correto, e não há dúvidas. Talvez, meio sem querer, refletindo sobre o passado das páginas anteriores, você encontrará novos olhares para a vida – porque Silviano é feito de olhares múltiplos –, e dará graças, e sorrirá com olhos sinceros, e caminhará no rumo que quiser, e plantará a própria árvore assim como escreverá o próprio livro. Escreverá: por que não?