entrevista por Renan Guerra
Três anos se passaram desde o último lançamento de Tetê Espíndola, “Asas do Etéreo”, editado pelo selo SESC junto com um relançamento de seu disco clássico “Pássaros na Garganta” (1982). Agora, em 2017, a cantora sul-mato-grossense quer nos levar numa viagem para “Outro Lugar”, em seu novo disco, lançado pelo seu selo LuzAzul.
Reunindo um repertório atemporal, sobre cenários reais e imaginários, “Outro Lugar” apresenta uma Tetê delicada, a cantar versos próprios e de Manoel de Barros, Arnaldo Black, Marta Catunda, Arrigo Barnabé, entre outros, num repertório que une canções de 1974 a 2015. Sempre acompanhada de sua craviola, instrumento de 12 cordas, idealizado pelo violonista Paulinho Nogueira, que Tetê adotou ainda no início de carreira, sua voz soa ainda mais cristalina em nesse novo disco.
Além disso, “Outro Lugar” apresenta distintas camadas sonoras, que surgem através da harpa paraguaia, do ukulele, do vibrafone, da viola, do violino e de outros instrumentos utilizados na gravação do álbum. A direção musical desse lançamento é de Sandro Moreno, Adriano Maggo e da própria Tetê, tendo sido gravado em Campo Grande (MS), em São Paulo e finalizado em Paris, com o francês Philippe Kadosch (parceiro de Tetê nos discos “BabelEyes” e “VozVoxVoice”).
Neste bate papo via telefone em um dia corrido de sua agenda, entre entrevistas, gravações e ensaios, uma Tetê Espíndola bastante solícita e risonha falou sobre a produção do disco, o repertório e sobre a sua voz, com a qual ela estava preocupada, depois de passar um dia papeando com jornalistas. Confira a entrevista abaixo:
Tetê Espíndola lança “Outro Lugar” no Sesc Pompeia dias 09 e 10/09. Informações aqui
“Outro Lugar” reúne composições de diferentes épocas, desde a década de 70 até os dias mais atuais, como se deu a reunião desse repertório?
Comecei com os “aguardados”, por que sou dá época em que não tinha computador, eu só tinha caderninho. E guardo todos os meus caderninhos. Então comecei a mexer nos meus caderninhos, porque pra mim a música é atemporal. “Ah, por que as músicas ficam velhas”, não, as músicas existem para sempre. Então quando comecei a mexer nisso começaram a vir à tona, de várias épocas, as músicas que eu estava querendo cantar. Eu tenho um baú muito grande, meus irmãos todos compõem. Por exemplo, as músicas de Geraldo Espíndola, eu sei tocar a maioria e eu tenho todas as letras e tudo, até coisa que ele esqueceu, eu toco, eu recupero. São faixas lindas, são pérolas, como “Itaverá”, que eu recuperei de 1974.
Que é a faixa mais antiga que tem no disco, não?
É, a mais antiga, depois tem a letra que caiu do meu caderninho, uma página amarela assim, com a letra escrita à mão do Arrigo Barnabé…
Que é “Luz e o Anzol”…
Ele fez uma letra pra mim em 1979, logo quando a gente se conheceu, e eu musiquei em 2015, então tem essas jogadas assim também. A música mais atual é de 2015 e foi feita de uma forma muito especial, pelo Skype. Eu estava em Campos do Jordão e a Marta Catunda, minha parceira, estava em Sorocaba, e ela topou o Skype. Eu tinha acabado de fazer a música e ela colocou a letra e a gente trabalhou pelo Skype, foi muito louco. Se chama “Pé de Vento”. Então, o (disco) “Outro Lugar” lida muito com isso, por isso que o CD acabou tendo esse título, porque ele tem uma movimentação o tempo todo: ele movimentou, ele foi gravado em Campo Grande e as músicas foram feitas em vários lugares, em Bonito, em Paris… pois eu acabei indo pra Paris para masterizar. Algumas coisas foram gravadas aqui em São Paulo também. Eu estou falando isso porque estou preparando o show e o show é completamente diferente do disco, ele tem um movimento sonoro impressionante e vai tomando conta, não é o que a gente planeja, vai acontecendo muito improviso. E as letras são muito difíceis, são poesias, poesia de Manoel de Barros, a Marta Catunda faz muita poesia, tem letra minha também.
Ouvindo o “Outro Lugar” eu percebo esse disco mais delicado, um disco mais de canção em comparação com outros trabalhos seus que são mais experimentais, não é?
Isso, isso mesmo. Isso é a coisa que eu considero mais diferente e que faz parte do movimento, por que cada música que eu vou cantar eu tenho de ir para aquele lugar daquela música, eu tenho que me colocar de uma forma diferente, as vozes são muito diferentes uma da outra. E é muito mais difícil fazer uma voz suave do que dar o meu agudo. O meu agudo é fácil pra mim: eu canto, ponho tudo pra fora, gritando alto e pronto. E dessa vez não, eu tenho que controlar a emissão, a respiração, tudo depende de um relaxamento interior, por que o diafragma tem que estar relaxado, senão não consegue cantar essas músicas.
Nesse sentido, você tem algum processo pra cuidar da sua voz; um processo antes de gravar ou entrar em um show?
Sim, eu sempre me cuidei muito. Em época de gravação eu faço, às vezes, ioga, respiração, alongamento, eu tento manter isso durante a vida toda, mas a época de show e de gravação é que eu mais cuido mesmo da voz. Aqui em São Paulo está muito seco, faz tempo que não chove, a minha parte humana está louca da vida. A faringe fica seca o tempo todo, é muito difícil pra cantar, mas estou tomando bastante água e chupando bala de gengibre, tomando vitamina C extra. Ontem ensaiei com o pessoal, foram três horas de ensaio, eu cantando o tempo todo. Eu queria parar hoje, mas graças a Deus vocês estão todos ainda me chamando pra conversar, e aí estou o dia inteiro falando hoje.
“Outro Lugar” fala muito desses lugares reais e imaginários para onde podemos viajar e vivenciar certa paz, você acha que esse disco pode ser como um refúgio nesses tempos tão complicados pelo qual o Brasil vem passando?
Isso, acho que você matou a charada. É um refúgio espiritual mesmo, porque pra escutar esse disco tem que estar tranquilo; botar um fone pra ouvir as sutilezas, então você vai relaxando com ele. Todo mundo está falando muito isso: “Nossa, é um disco que relaxa”. Então estou sentindo que a minha voz suave, mais pro contralto, relaxa as pessoas. É natural, porque a voz aguda tenciona, quando você dá um agudo, mexe com um chakra lá no pico da cabeça, por exemplo, então quando a pessoa escuta um agudo também excita, levanta. Quando canto grave, tenho que relaxar o diafragma, então pega mais essa parte aqui do chakra do peito, do coração, essa coisa mais verde, mais amarela, então a pessoa vai tendo que entrar nessa e acho que é isso que está acontecendo com o disco, todo mundo está falando disso.
As fotos oficiais do disco foram feitas pela Patrícia Black, sua filha, como foi esse processo? Há uma intimidade maior por trabalhar com ela, você se sentiu mais a vontade?
Foi isso, porque a Pati já está trabalhando junto comigo há algum tempo, esse é o segundo… na verdade esse é o terceiro show que ela assumiu como direção artística e esse começou cedo, começou com a capa. Então a gente fez essa sessão de fotografia em casa mesmo, bem à vontade, só nós duas, por isso que pude realmente me soltar e me mostrar inteira. E aí ela trabalhou junto com um designer gráfico que já está trabalhando com ela desde o trabalho anterior, que foi o do Dani Black, “Dilúvio”, também teve a capa muito especial, o Uibirá [Barelli], que fez toda essa coisa das linhas. A natureza está de outra forma no meu trabalho, não preciso estar pelada na cachoeira, não precisa mais isso. Então, fiquei muito feliz com o resultado da capa e agora tem o show, o show vai ter um design bem especial.
Falando em família, a faixa título do disco é composta pelo Arnaldo Black, porém a pergunta que muitos fazem é quando virá uma composição sua com o Dani Black, seu filho. Vocês ainda não compuseram juntos?
Não, o Dani é muito focado no trabalho dele de composição, ele tem um processo de composição totalmente diferente do meu, ele compõe música e letra junto, na cabeça, nem escreve, e eu gosto de compor com o parceiro ou então o parceiro me dá um poema pra eu musicar, então é bem diferente o pique de trabalho de nós dois. Ele está focado totalmente na carreira dele e o Arnaldo é o pai dele, Arnaldo Black, que é o meu marido, então a gente já fez muitas coisas juntos, tem muita coisa ainda nesse baú meu e do Arnaldo que ainda não foram mostradas. E dessa vez eu resolvi fazer uma homenagem a ele mesmo, a este homem parceiro, maravilhoso, que está comigo há mais de 35 anos.
Este é seu 18º disco, então você já experimentou diferentes formas de lançamento, como você percebe esse consumo da música de forma virtual? Há uma mudança no seu público, há um público mais jovem?
Sim, sim, estou sentindo uma diferença enorme. Primeiro, acho que é muito mais trabalhoso do que apenas lançar um disco pela mídia expressa, a gente ia lá, fazia rádio, depois fazia entrevista de jornal e pronto, mas não, é uma coisa constante, que você tem que alimentar o tempo todo e é a primeira vez que estou fazendo isso, com uma plataforma, tudo, então estou estranhando um pouco sim, estou achando puxado. É bem puxado! Bem diferente de tudo que eu já fiz, mas estou achando que o resultado é muito rápido, está sendo muito mais rápido e o público jovem está aumentando, a gente vê pelo Facebook.
Você sente que as pessoas estão redescobrindo a sua obra?
Estão, com certeza, começaram depois que eu lancei aquele álbum pelo SESC. Relancei o “Pássaros na Garganta”, a moçada ficou ligada, “quero!, quero!”, a moçada assim da nova geração, porque como eu tenho dois filhos dessa geração, um tem 27 e o outro tem 28, então é muito louco você ver esse processo ter começado há três anos atrás. Então o negócio começou há três anos e não parou mais.
“Outro Lugar”, faixa a faixa, por Tetê Espindola
01 – Andorinha (Tetê Espíndola, 1985)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Vibrafone: Félix Wagner
Ukulele: Marcos Borges
Música e letra composta em Brasília vendo um pôr-do-sol num momento de solidão
02 – Outro Lugar (Arnaldo Black, 2006)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Sitar e tampura: Tuco Marcondes
Arnaldo fez essa música para a essência do meu ser. Ele a fez pra mim, por mim… e eu por ele.
03 – Lamber Correnteza (Tetê Espíndola e Bené Fonteles, 2005)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Piano acústico: Adriano Magoo
Um encontro de sincronia perfeita entre uma música recém-composta por mim e uma letra recém-vivida por Bené
04 – Itaverá (Geraldo Espíndola, 1974)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Sanfona: Adriano Magoo
Geraldo, meu irmão, compôs essa música quando éramos muito jovens. Quando comecei a tocar craviola, foi esta a primeira música que ele me ensinou. Eu a mantive viva na memória até que chegasse o momento de grava-la.
05 – Aconchego (Tetê Espíndola e Marta Catunda, 2013)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Sanfona: Adriano Magoo
Considero a música mais simples que compus na craviola. Apareceu durante uma conversa entre amigas sobre a paixão.
06 – Onda do Tempo (Tetê Espíndola e Marta Catunda, 2014)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Violão 7 cordas: Swami Jr.
Essa música foi feita logo depois que eu e Marta vimos um vídeo antigo dos anos 80 da Banda Sabor de Veneno. A saudade bateu e um chorinho nasceu.
07 – Pé de Vento (Tetê Espíndola e Marta Catunda, 2015)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Sanfona: Adriano Magoo
Essa música foi criada pelo Skype. Eu num lugar, a Marta em outro.
08 – Luz e Anzol (Tetê Espíndola e Arrigo Barnabé, 1979-2015)
Craviola e voz: Tetê
Harpa Paraguaia: Marcelo Loureiro
Percussão: Sandro Moreno
Colagem sonora: canto da araponga
Achei este poema que o Arrigo escreveu em um dos meus cadernos antigos, o começo de tudo, e na mesma hora peguei a craviola e criei essa “guarânia-blues”. Isso foi em 2015.
09 – Anjo Só (Tetê Espíndola e Luisa Gimenez, 1996)
Craviola e voz: Tetê
Percussão: Sandro Moreno
Baixo Acústico: Emek Evci.
Luisa fez esse poema, mas eu demorei a musica-lo. Quando finalmente o estreei pude sentir a presença luminosa de algo entrando no teatro. Desde então ele me acompanha como um talismã.
10 – Bodoque (Tetê Espíndola e Marta Catunda, 2008)
Craviola e voz: Tetê
Voz: Gilson Espíndola
Percussão: Sandro Moreno
Violoncelo: Mimi Sunnerstam
Essa música foi feita por pedaços. A parte B veio primeiro e só depois fizemos a parte A numa viagem pelo interior do Mato Grosso ao som de cigarras.
11 – Elétrico Beijo (Philippe Kadosch, Arnaldo Black e Tetê Espíndola, 2001)
Craviola e voz: Tetê
Baixo Acústico: Emek Evci
Voz, violinos e viola: Rosalie Hartog
Violoncelo: Mimi Sunnerstam
Arranjo: Alexandre Mihanovich
Kadosch me deu de presente essa guarânia erudita, inspirado na minha terra. Quando ele visitou a primeira vez o Mato Grosso, a ideia da letra surgiu, e convidamos Arnaldo para finaliza-la.
12 – Boca (Tetê Espíndola e Manoel de Barros, 1987)
Vozes: Tetê Espíndola.
Colagem sonora: água e vento
Esse poema foi musicado para o filme “Caramujo-Flor”, de Joel Pizzini, no qual apareço cantando à capella grávida de 7 meses do meu primogênito Dani Black. As vozes gravadas aqui representam a harmonia da música que criei na craviola toda na tonalidade Ré.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell. Faixa a faixa por Tetê Espindola. A foto que abre o texto é de Patricia Black / Divulgação
Muito legal esse trabalho novo da Tetê. Tem uma sonoridade diferente. O título é bem sugestivo e nos remete a outro lugar!