por Marcelo Costa
Abrindo mais uma série de cinco cervejarias com a Anchor Brewing Company, fundada em São Francisco em 1896, e que já teve outros oito rótulos presentes no Scream & Yell. A 9ª cerveja dos californianos a pintar por aqui é a Anchor Steam Beer, que já havia marcado presença em sua versão original, e agora retorna na limitada versão Dry-Hopped, lançada oficialmente no segundo semestre de 2016. De coloração De coloração âmbar e creme branco com sensação de alaranjado, de boa formação e média permanência, a Anchor Steam Dry-Hopped exibe um aroma com suaves notas adocicadas (caramelo), herbais (grama), frutado suave e até uma suave presença de resina. Na boca, mais presença cítrica devidamente caramelada em malte no primeiro toque. A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente surge um conjunto delicioso, de amargor baixo e muito frutado (manga, laranja e maracujá) e doçura. O final é amarguinho e cítrico, mas com doçura ainda presente. No retrogosto, frutado e caramelo. Delicinha.
A segunda da Anchor (a décima por aqui) é um clássico da cervejaria produzido pela primeira vez em 1975: Liberty Ale, uma American Pale Ale bastante lupulada (Cascade) e com direito a dry-hopping, uma das primeiras cervejas da revolução cervejeira norte-americana. Na taça, uma cerveja de coloração âmbar acobreada com creme branco levemente alaranjado de boa formação e boa retenção exibe um aroma com notas cítricas (laranja) e doçura de caramelo, bem simples, mas interessante. Na boca, doçura de caramelo com casca de laranja chegam juntos no primeiro toque. Na sequencia, maciez frutada com um toque de doçura. A textura é suave com leve picância e o amargor é médio, mas bem encaixado entre a doçura caramelada e a pegada frutada derivada da lupulagem. O conjunto, no geral, é saboroso, e finaliza com um toque de amargor bem suave. No retrogosto, doçura cítrica. Delicinha.
De São Francisco para Curitiba com duas cervejas limitadas da Way Beer, fruto de uma ação da cervejaria com o Clube do Malte, que selecionou quatro receitas de cervejeiros de todo o país (entre 1500 recebidas) e produziu. Na sequencia seguem-se duas dos quatro experimentos: a primeira é a Way Mordonian Stout Caju, uma Sweet Stout, receita de Maurício Rodrigues, do Sergipe. De coloração marrom bastante escura com creme bege clarinho de boa formação e retenção, a Mordonian Stout Caju exibe um aroma intenso de caju, que, inclusive, coloca as notas tostadas (principalmente o café) em segundo plano, mas mesmo assim elas estão bem presentes. Na boca, uma combinação interessante de caju e café, com a fruta aparecendo mais intensa no primeiro toque, e o café surgindo na sequencia para se sobrepor levemente. A textura é suave e o amargor baixinho. O conjunto se equilibra de forma interessante entre café e caju até o final, tostado e amarguinho. No retrogosto, mais caju e mais café. Boa surpresa.
A outra do projeto Beer Pack, da Way com o Clube do Malte, é a Sex On The Beer, uma Belgian Strong Golden Ale com adição de pêssego e 17% de açúcar de cana buscando aproximar o resultado do popular drinque Sex On The Beach, numa receita de Karina Ferraz, Espírito Santo. O resultado é uma cerveja de coloração amarela turva com creme branco de média formação e retenção. No nariz, a doçura derivada do açúcar de cana toma a frente valorizando também o pêssego, com leve sugestão de frutas cristalizadas e condimentação suave derivada de levedura. Na boca, doçura no primeiro toque, mas menos intensa do que o aroma faz o bebedor esperar. Logo depois, um pouco de percepção dos 8.5% de álcool envolvendo o pêssego. A textura é suave com picância de álcool enquanto o amargor é baixinho, suave, deixando que açúcar, pêssego e álcool num conjunto interessante, mas que não lembra tanto assim o drinque. O final é docinho. No retrogosto, açúcar, pêssego e um tiquinho de álcool.
De Curitiba para a Bad Köstritz, pequena cidade alemã de 4 mil moradores a cerca de duas horas e meia de Berlim que abriga a cervejaria Köstritzer, responsável pela cerveja escura mais popular do país (a Köstritzer Schwarzbier) e que agora chega ao Brasil em duas novas versões: a primeira é a Köstritzer Meisterwerke Pale Ale, uma English IPA de bela coloração alaranjada com creme bege claro de ótima formação e longa retenção. No nariz, doçura caramelada, notas cítricas (puxadas para grepefruit), herbal, terroso, resinoso e floral conquistam o olfato. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque seguida por cítrico (grapefruit), herbal e resina suaves. A textura é suave com leve picância e o amargor (60 IBUs) é marcante, valorizando uma cerveja agradadíssima com tudo certinho em seu devido lugar. O final é cítrico, resinoso e levemente amarguinho. Uma bela surpresa alemã.
A segunda da Köstritzer é a Kellerbier da casa, que representa um estilo alemão que designava originalmente lagers que passavam por guarda em barris (Keller significa adega), e hoje é mais difundida como uma lager não filtrada carregada de lúpulos aromáticos. No caso da Köstritzer, a Kellerbier exibe uma bonita coloração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de ótima formação e longa permanência. No nariz, uma combinação caprichada de notas derivadas tanto do malte quanto do lúpulo: pão recém-saído do forno, floral, herbal, caramelo, aveia e leve nozes. Na boca, doçura suave no primeiro toque sugerindo caramelo e, logo em seguida, percepção de fermento sugerindo condimentação e amargor bastante suave, mas presente. A textura é quase cremosa e o conjunto, cativante, se baliza na combinação da doçura do malte com o frescor do lúpulo e, principalmente, a aridez da levedura, bastante presente. No final, leve secura e terroso. Já o retrogosto acrescenta picância e caramelo discreto. Bem boa.
De Bad Köstritz para Várzea Paulista, agora com mais um lançamento da Cervejaria Trilha, desta vez no crowler dos caras: Trilha Mango Triple Juicy EAP, uma Triple India Pale Ale de 10% de álcool que ainda carrega o nome do Empório Alto de Pinheiros. Na taça, uma cerveja de coloração amarela turva, juicy como um suco, exibe um creme branco de média formação e resistência. No aroma, sugestão intensa de notas frutadas cítricas remetendo principalmente a manga com laranja lima na retaguarda – nada dos 10% de álcool, nada. Na boca, doçura frutada sugerindo manga e laranja lima logo no primeiro toque. A textura é impressionantemente leve. O álcool aparece de forma sutil e o amargor é limpo, abrindo as portas para um conjunto incrível com muito cítrico (sim, manga e laranja lima, com direito a remissão a casca) e leve doçura. O final é seco e cítrico. No retrogosto, adivinha: manga, laranja lima e amor.
A segunda da Trilha foi produzida no Tap Room próprio da cervejaria, inaugurado em agosto no bairro de Perdizes, em São Paulo, e adquirida via crowler de 350 ml no bar Ambar, em Pinheiros (o tap room também vende crowler, mas de um litro). Trata-se da Blackrose, uma Russian Imperial Stout que recebe adição de café, cardamomo e canela. Na taça, exibe uma coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege claro de baixa formação, quase uma linha rala de espuma, que desaparece segundos depois da cerveja despejada na taça. No nariz, um aroma delicioso que traz o café e a canela em primeiro plano, destacados, e o cardamomo mais sutil, mas perceptível facilmente. Na boca, o primeiro toque é doce, com remissão a baunilha. Na sequencia, café, cardamomo e canela, todos suaves, encantando o paladar. A textura é espessa, sedosa, quase como um chocolate pastoso. Os 11.5% de álcool passam absolutamente batido num conjunto incrível, que perdeu carbonatação no crowler, mas soou bem melhor do que a versão retirada no tap room. O final é cappuccino alcoólico. No retrogosto, amor. Que delícia.
Saímos de São Paulo em direção a Middelburg, uma cidade de 50 mil habitantes na península de Walcheren, na Holanda, seguindo com duas cervejas da Brouwerij Kees, fundada em 2015, mas que já sem sendo bastante elogiada no meio cervejeiro. A primeira é a Kees Double Rye IPA, uma Imperial IPA com três lúpulos bastante conhecidos dos USA (Citra, Simcoe e Cascade). Na taça, uma cerveja de coloração âmbar acastanhada exibe um creme bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, notas cítricas em balde (toranja, toranja e toranja) mais herbal (pinho) e leve resina sobre uma base de caramelo. Na boca, bastante cítrico no primeiro toque (sim, toranja) com leve doçura e, na sequencia, uma pancada de amargor de Old American IPA, que não chega aos 120 IBUs adiantados pela casa, mas fica em uns potentes 80. A textura é cremosa e picante. Já o conjunto exagerado se baliza entre a deliciosa potência cítrica, a sujeira do amargor e, desaparecido, a doçura do malte. No final, cítrico e amargor. No retrogosto, cítrico e amargor, mais suaves.
Fechando a série com a segunda da Brouwerij Kees, Export Porter 1750, que, segundo a casa, é uma Russian Imperial Stout feita a partir de uma receita inglesa de 1750. Nesta atualização, os holandeses juntaram os lúpulos Fuggles e Sorachi Ace com os maltes Pale Ale, Caramel, Carafa 1 e Carafa 2. O resultado é uma cerveja de coloração marrom praticamente preta com creme bege escuro espesso de excelente formação e média alta retenção. No nariz, café e chocolate amargo saltam a frente com alcaçuz e baunilha aparecendo logo demais. Na boca, o primeiro toque é denso com chocolate em um segundo, café na sequencia e álcool logo depois, muito bem mascarado, mas ainda assim perceptível. A textura é sedosa e picante de álcool enquanto o amargor, potencializado pela torra do malte, bate 108 IBUs, riscando um traço garganta abaixo até o final, de chocolate mais pra amargo do que pra chocolate. No retrogosto, mais amargor, leve chocolate e um traço de café. Muito boa.
Balanço
Abrindo a série por São Francisco, casa da Anchor, que retorna por aqui primeiro com a Steam Dry-Hopped, uma versão mais saborosa da Anchor Steam, com o dry-hopping acrescentando mais frutas. Curti. Já a Liberty Ale é uma APA deliciosa. A primeira do projeto Beer Pack da Way foi uma boa surpresa, Mordonian Stout Caju, que consegue exibir bastante a fruta sem apagar o café. Interessante. Já a Way Sex On The Beer parecia um Golden Strong Ale corretinha, mas sem muitos destaques. Boa surpresa foi a Köstritzer Meisterwerke Pale Ale, em English Pale Ale caprichadíssima e de respeito. Goethe provavelmente aprovaria. A Köstritzer Kellerbier mantém o padrão excelente da casa. Cervejaria badalada de São Paulo, a Trilha se superou com essa Mango Triple Juicy EAP, uma cerveja absolutamente incrível. Fechando a série com a Trilha Blackrose, RIS potente produzida na própria “casa” dos caras, em Perdizes, que eu já havia provado lá e acho sensacional, mas que soou ainda melhor no crowler. Fique de olho nesses caras! Já a Kees Double Rye IPA é uma Old Imperial American IPA, ou seja, de cítrico envolvendo e amargor exagerado. Gostosa, mas os tempos são outros. Já a Kees Export Porter 1750 é ainda mais reverente ao passado, recriando uma receita de RIS de 1750 que não acena com doçura nem café excessivo, mas sim com muito amargor e um chocolate (amargo) pra contrabalancear. Interessante, bem interessante.
Anchor Steam Dry-Hopped
– Produto: California Common
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,38/5
Anchor Liberty Ale
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.9%
– Nota: 3,43/5
Way Mordonian Stout Caju
– Produto: Sweet Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 3,41/5
Way Sex On The Beer
– Produto: Belgian Strong Golden Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,01/5
Köstritzer Meisterwerke Pale Ale
– Produto: English IPA
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,51/5
Köstritzer Kellerbier
– Produto: Kellerbier
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,51/5
Trilha Mango Triple Juicy EAP
– Produto: Triple IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4,09/5
Trilha Blackrose
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 4,09/5
Kees Double Rye IPA
– Produto: Double IPA
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,39/5
Kees Export Porter 1750
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3,76/5
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