por Marcelo Costa
Serras Gaúchas, 1963. No momento em que o jovem Tony Terranova (o ator Johnny Massaro, revelado em “Malhação”, em 2010) retorna ao pequeno vilarejo que deixou para trás visando estudar na capital, encontra seu pai, o francês Nicolas Terranova (Vincent Cassel), carregando uma mala e pronto para embarcar rumo à França no mesmo trem que trouxe o filho. Ele está deixando a pequena cidade, a esposa vestida de luto (Ondina Clais Castilho) e o filho que retorna ao lar (e o idolatrava). Essa cena nostálgica é a mola propulsora de “O Filme da Minha Vida” (2017), terceira obra de Selton Mello na direção.
Abandonado, Tony passará os dias, meses e anos seguintes tentando entender o motivo do pai ter partido naquelas condições, e o porquê dele não lhe contatar de nenhuma maneira depois. Bastante ligado ao pai, o rapaz viverá um caos emocional enquanto ensina francês na escola local (enquanto os alunos o pentelham para que ele os leve ao puteiro), desabafa com o vizinho de sítio Paco (Selton Mello, divertidíssimo) e passa parte dos dias enternecido pela jovem amiga Luna (a atriz global Bruna Linzmeyer) tanto quanto atraído pela irmã dela, Petra (Bia Arantes, outro nome que figurou no folheteen “Malhação”), que foi miss na escola.
Com essas cartas dispostas na mesa, Selton Mello constrói um filme bem bonito emoldurado por imagens delicadas da Serra Gaúcha (com locações belíssimas nas cidades de Cotiporã, Veranópolis, Farroupilha, Bento Gonçalves, Garibaldi, Monte Belo do Sul e Santa Tereza) que funcionam como o retrato de um exílio campestre, um local distante da modernidade das grandes cidades e envolto em uma aura inocente que, porém, não condiz com os pecadilhos e condenações sociais que acontecem aqui e ali. A trilha sonora caprichada funciona como um personagem, o elenco é competente e o figurino impecável cumpre a função de transportar o espectador para um período praticamente esquecido da nossa própria história.
O grande atrativo de “O Filme da Minha Vida”, porém, é também seu tendão de Aquiles: a fotografia absolutamente primorosa de Walter Carvalho busca de maneira incessante pelo melhor enquadramento, frame e imagem a praticamente todo segundo dos 113 minutos do filme, o que faz com que o roteiro fique em segundo plano, e chega um momento que a superexposição dessa busca pela melhor imagem cansa. Não que o roteiro adaptado por Selton e o velho parceiro Marcelo Vindicatto seja ruim, mas a grandiosidade da fotografia acaba o ofuscando a ponto dos momentos nítidos de clímax do filme soarem lineares e sem impacto.
Inspirado no livro “O Pai do Cinema”, do escritor chileno Antonio Skármeta (responsável também por “O Carteiro e o Poeta”, livro de 1985 adaptado para o cinema em 1994), que escolheu Selton Mello para a adaptação após ter visto “O Palhaço” (2011), e faz um ponta no filme em uma cena deliciosamente cômica de bordel, “O Filme da Minha Vida” parece muito mais um sonho do que um filme, o que as imagens saturadas e belamente tratadas reforçam, passando a sensação de velhos quadros de parede amarelados pelo passar do tempo que ganham vida, ou mesmo objetos enferrujados que ainda se movimentam, de trens (como o do filme, conduzido por Rolando Boldrin) a pessoas.
Há muita beleza em “O Filme da Minha Vida”, mas falta emoção. Mesmo a paixão pelo cinema, um dos objetos de culto do livro de Skármeta (que também escreveu um final mais aberto do que o tradicional optado pelo diretor no roteiro), não é desenvolvida a contento e fica em segundo plano, assim como o romance de Tony com Luna, a sedução por Petra, as intenções de Paco (um personagem bastante divertido que ganhou força na atuação de Selton, mas ainda assim soa pouco aprofundado) e o sumiço inexplicado do pai. A sensação é de que Selton fez um bom filme… para Walter de Carvalho fotografar e brilhar. E o brilho da fotografia ofuscou o bom filme. Acontece (não deveria acontecer, mas… acontece).
Nota: ***½
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Mas não é sensacional quando se critica um filme mais por uma qualidade do que por defeitos vários? Eu gostei bastante e acho que é um daqueles filmes leves mas com pequenas nuances que nos agarram. Dois filmes recentes tem isso no Brasil. Esse e A família dionti
Eu enxergo este como o filme que ganharia o Oscar de melhor estrangeiro, mas meio que duvido que ganhará a indicação.