Resenhas por Adriano Mello Costa
“O Divino”, Boaz Lavie, Asaf e Tomer Hanuka (Geektopia)
“O Divino” (The Divine, no original) é uma graphic novel com roteiro do escritor e cineasta Boaz Lavie e arte dos irmãos Asaf e Tomer Hanuka (de “Bipolar”, série vencedora do prêmio Eisner). A ideia dos israelenses nasceu de uma famosa foto de Apichart Weerawong tirada dos gêmeos Johnny e Luther Htoo ainda crianças (mais sobre a foto aqui). Com capa dura, 160 páginas e lançamento nacional no final de 2016 pelo selo Geektopia, da editora Novo Século, a obra acontece na maior parte em um imaginário e obscuro país asiático chamado Quanlom. Mark, um ex-militar especialista em explosivos, decide ir para essa nação em guerra convencido pelo amigo Jason que já foi e presenciou algumas situações bem incomuns. Na verdade, Mark vai exclusivamente pelo dinheiro já que sabe que vai ser pai e está um pouco pressionado em casa por conta de uma promoção que não vingou. Os dois viajam e com ajuda de militares locais fazem o serviço que consiste em preparar uma montanha para explodir. Depois disso é que as coisas saem do controle e crianças envolvidas na guerra – sendo que uma delas possui dons e poderes – transformam totalmente o caminho inicial. “O Divino” é um trabalho que fusiona realidade com atos de natureza fantástica e conta com apoio para o roteiro apenas correto de uma arte elaborada com extrema dedicação, que produz efeitos sensacionais durante o decorrer das páginas. Indo mais além, resultado direto da foto que foi baseada, “Divino” traz ponderações em segundo plano sobre a utilização de crianças nas guerras espalhadas pelo mundo, crianças que deixam de ser crianças e abandonam a infância ainda muito cedo e logo são inseridas em um universo cruel e sanguinário do qual nunca mais vão conseguir retornar. Essa nuance, além da arte dos irmãos Hanuka, fazem de “O Divino” uma leitura bem recomendável.
Nota: 7
“Escolhas”, Gustavo Borges, Felipe Cagno e Cris Peter (Geektopia)
Quem quando criança nunca quis ser um super-herói ou pelo menos ter algum tipo de poder como invisibilidade, telepatia ou sair voando pela cidade? João Humberto é uma dessas crianças e sempre nutriu a vontade de ser o primeiro super-herói de verdade do mundo fascinado por um personagem de desenho animado chamado Lobo Cinzento. Acontece que, bom, ele cresceu e continuou tendo isso como objetivo principal de vida. “Escolhas” é o novo trabalho de Gustavo Borges que fez a bonita “Pétalas” em 2015, dessa feita em parceria com Felipe Cagno que assume o roteiro deixando a arte com o Gustavo e usando as cores sempre primorosas da Cris Peter. Financiada coletivamente através de crowdfunding (onde superou bem a meta inicial), “Escolhas” também ganha publicação pelo selo Geektopia, da editora Novo Século, com 100 páginas entre história e extras. A inspiração para a revista veio de uma palestra do escritor Scott Snyder (de “Batman”) e daí veio o roteiro que, usando de analogias, versa sobre perseguir os sonhos por mais impossíveis que sejam e sobre o processo da vida que sempre nos guia pelas opções que fazemos. “Escolhas” é uma história divertida e lírica na maior parte, que homenageia o universo dos super-heróis em geral e conta com uma arte que consegue transpor ao leitor o clima necessário para entrar na viagem. O ponto negativo fica na formatação do casal João Humberto e Nina, onde as crises e apresentação se escoram muito em clichês batidos, incomodando um pouco. Quando foca somente nos obstáculos que o protagonista precisa superar para alcançar aquilo que deseja e nos erros que comete pelo caminho, sem se estender muito em dramas novelescos, é que “Escolhas” rende mais e se torna leitura prazerosa, se consolidando em um trabalho de qualidade que atesta novamente o bom momento da produção de quadrinhos no país.
Nota: 7
“Valerian – Integral – Volume 1”, Pierre Christin, Jean-Claude Mézières e Évelyne Tranlé (Sesi-SP Editora)
O cineasta francês Luc Besson de filmes como “O Profissional”, “O Quinto Elemento” e “Lucy” era apaixonado pelos quadrinhos da dupla Pierre Christin e Jean-Claude Mézières que saiam na clássica revista Pilote a partir da segunda metade dos anos 60 quando ele era criança. Esse amor é tão grande que depois de muito imaginar o diretor leva a trama para o cinema, com o filme baseado na obra estreando agora em 2017. Aproveitando a deixa, a Sesi-SP Editora começa a publicar integralmente a extensa série por aqui, que antes só havia saído como tira nos anos 80. “Valerian – Integral – Volume 1” tem 160 páginas, formato grande (22x29cm) e extras primorosos como entrevistas e textos informativos. Traz compilado “Os Maus Sonhos” (1967), “A Cidade das Águas Movediças e Terras em Chamas” (1970) e “O Império dos Mil Planetas” (1971), essa última sendo a história que foi adaptada para a telona. Os personagens principais são Valérian e Laureline, dois agentes do espaço-tempo de uma sociedade futurista que se envolvem em diversas aventuras indo contra a tirania e sociedades comandadas por déspotas e criminosos. A série é daquelas primordiais para a ficção científica e inspirou várias e várias obras em diversas mídias, como por exemplo “Star Wars”, de George Lucas. Nesse primeiro volume (outros mais virão) o roteiro de Christin, a arte de Mézières e as cores de Évelyne Tranlé vão evoluindo de acordo com o passar do tempo. Se nas duas primeiras tramas tudo flui meio toscamente, na última temos tudo em grau elevado com humor, crítica social e ação se unindo de modo avassalador. Tanto por valor histórico, quanto por méritos qualitativos ou pela edição caprichada, “Valerian” é totalmente recomendável para quem gosta de quadrinhos e ficção científica, uma obra de vanguarda e até mesmo visionária que continua fluindo com maestria mesmo depois de tanto tempo.
Nota: 9,5
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop