entrevista por Leonardo Vinhas
“Por volta dos 14 ou 15 anos de idade, deixamos de jogar futebol na rua para nos fecharmos num quarto para tocar e ver o que podíamos fazer com os instrumentos”. Assim diz Nicolás Heis, baterista da banda argentina Las Diferencias, sobre como ele e seus amigos de infância de Caseiros, na região metropolitana de Buenos Aires, decidiram se juntar e formar o power trio que é hoje um dos maiores destaques da cena roqueira independente argentina.
O começo oficial da banda foi em 2011, e o primeiro álbum veio dois anos depois. “No Termina Más” traz o rock tão influenciado por Jimi Hendrix quanto por Manal (um dos maiores nomes do blues rock argentino), filtrado pela energia juvenil do trio. Essa energia, porém, não passa pela fuleiragem punk: excelentes instrumentistas, porém sem deslumbramentos com a própria técnica, os garotos usam o conhecimento musical e o entrosamento para criar seus próprios tempos e movimentos dentro de uma estética já consagrada.
Na dinâmica do power trio, a voz potente de Andrés Robledo, inversalmente proporcional à sua compleição física juvenil, entoa letras de fácil assimilação sobre os riffs altos e sem muitos pedais e efeitos de sua guitarra. O baixo de Alejandro Navoa pode acompanhar dobrando o riff, ou intercalando com a bateria imprevisível, entre o blues rock e o jazz, de Nicolás Heis. Essa receita, falsamente simples, chegou ao refinamento no excelente segundo álbum, “Al Borde el Filo”, que ganhou o Prêmio Gardel (premiação mais importante da indústria musical argentina) como “Mejor Album Nuevo de Artista Rock”.
“Al Borde el Filo” ganhou resenhas no exterior, Brasil incluído, e foi propulsor para a primeira turnê da banda no país, que envolveu três apresentações em São Paulo (todas na capital), uma em Goiás (no Goiânia Noise) e outra no Paraná (festival Paraíso do Rock). E foi nos intervalos dessa turnê que o Scream & Yell conversou com Nicolás Heis, levando ao papo abaixo.
Onde você situaria Las Diferencias na música argentina atual?
Diria que, neste momento, Las Diferencias está buscado criar seu lugar dentro da música argentina. Por mais que a banda tenha ganhado um prêmio muito importante e está nos ouvidos de muitos artistas e jornalistas reconhecidos, existe uma brecha muito ampla entre uma banda que é independente e outra que conta com um apoio. Para tocar nos grandes festivais de nosso país é importante ter um respaldo que esteja em sincronia com os interesses do organizador. Por outro lado, as bandas maiores em relação a sua capacidade de chamar público são bandas que foram independentes ou são por muitos anos e criaram seu próprio lugar dentro da [indústria da] música. Acho então que podemos dizer que Las Diferencias está mais próxima desse último caminho.
O Brasil foi sua primeira turnê internacional. Qual é a importância de estar presente em um cenário musical diferente, seja como artistas ou espectadores?
É muito importante, porque em nossa curta carreira sempre tocamos nossas canções para pessoas de nosso país, com a mesma cultura e o mesmo idioma. Porém, sempre tivemos uma curiosidade enorme em saber quais reações receberíamos em outros países. Foi lindo ver a forma como os músicos do Brasil sentem a música, e poder aprender com isso. No final de julho, tocamos na Argentina com a Ultravespa (nota: banda goiana da qual faz parte Dinho Almeida, dos Boogarins) e eles estavam na mesma situação que nós, tocando para um público que não fala seu idioma. Além de termos curtido demais o show deles, aprendemos muito com a maneira como eles interagiam com o público, derrubando todas as barreiras idiomáticas.
A maioria das canções de vocês não perde o aspecto pop. Ter essa “acessibilidade” é importante?
Ainda que sejamos uma banda de rock, o que mais gostamos são as canções e nelas letra e melodia têm a mesma importância. Fazemos o máximo esforço para que esse aspecto nunca se perca, e que melhore com o passar dos discos. Mas não é algo que fazemos pensando em nos tornar acessíveis para o público, e sim porque é o que gostamos de escutar, e por isso sai de forma sincera.
O som da banda tem referências claras de Hendrix, Led e das canções mais pesadas e diretas do Wolfmother. Mesmo assim, dá para ouvir algo mais particular se gestando nos climas e nos riffs. Como é, então, o processo de composição que permite chegar a isso?
Quando éramos garotos, nos juntávamos e passávamos horas tocando blues. Algum tempo depois, nos demos conta que tocávamos sem olhar um para o outro e podíamos mudar drasticamente o clima de uma mesma progressão sem ter planejado de antemão. Hoje em dia, continuamos sendo sinceros para com nossas raízes, e fazemos o mesmo que antes, só que em forma de canções. Para compor, precisamos estar os três juntos na sala, pegar os instrumentos e ver se a ideia que algum de nós trouxe tem algum futuro. A interação dessas três personalidades é muito importante para que nasça uma canção de Las Diferencias.
Me chamou atenção vê-los nos bastidores do festival Paraíso do Rock: vocês não seguem o estereótipo roqueiro de se embebedar, tocar o puteiro… Vocês estavam praticamente abstêmios e totalmente concentrados. Não vi nem ouvi nada daquela perspectiva adolescente da “atitude roqueira”, que curiosamente continua presente. Esse estilo de vida não os seduz, então?
Sempre fomos tranquilos, mas de qualquer forma, isso para nós é um trabalho. Ninguém vai ao trabalho bêbado ou drogado porque isso faz com que você não consiga render 100%. Por outro lado, estamos sempre em movimento, viajamos frequentemente e temos que ser responsáveis com isso. E como dizem meus companheiros Ale e Andrés: para se drogar e se embebedar, é preciso ter muito dinheiro.
Nesse mesmo festival, vocês convidaram a dupla de metais da banda Seu Pereira e Coletivo 401 para improvisar com vocês no show. “Al Borde del Filo” também abre espaço para convidados, então imagino que o formato power trio não é algo “sagrado”, imutável.
Não é normal termos convidados, ainda que a formação de trio seja muito limitada, de fato. Las Diferencias somos nós três, porque éramos os que estavam ali no bairro, e tudo foi muito cômodo. Hoje em dia, gostamos de ter algum convidado que venha para improvisar, com um trompete que seja, desde que se dê naturalmente. Gostaríamos de ter um violinista no futuro, mas não planejamos nem forçamos nada.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.