Boteco: 5 cervejarias Brasil, 10 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma série cervejarias por Porto Alegre com mais uma representante da Cervejaria Tupiniquim marcando presença neste espaço: Nebulosa, uma American IPA Single Hop, que utiliza apenas um lúpulo, o norte-americano El Dorado. De coloração amarela turva, juicy, com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Tupiniquim Nebulosa exibe um aroma notadamente frutado e cítrico (manga, maracujá, pêssego e leve tangerina) além de percepção herbal (grama) e mel. Na boca, a pancada cítrica surge logo no primeiro toque e vai se abrindo na sequencia até se transformar em amargor (cítrico) comportado, marcante e limpo. A textura exibe cremosidade e picância leve. Dai pra frente surge um conjunto bastante saboroso que permite flagrar leve toque de resina, mas parece mais New American IPA do que Old. O final é levemente amargo, picante e condimentado, percepção que retorna no retrogosto, caprichado. Boa.

A segunda Tupiniquim, que deve ser a 33% cerveja da casa a passar por este espaço, é a Orvalho, uma American Pale Ale cuja receita valoriza a potência dos lúpulos Cascade, Mosaic e Ekuanot. Na taça, um liquido de coloração amarela, juicy, exibe um creme branco de boa formação, mas com bolhas grandes que se dispersam rapidamente. No nariz, predomínio de notas cítricas sugerindo maracujá, abacaxi e laranja sobre uma base suave de malte. Na boca, o paladar segue o aroma com potência cítrica desde o primeiro toque. No segundo seguinte, uma pancada de doçura (cítrica) e o conjunto se choca com um amargor marcante para seus 40 IBUs. A textura é levemente frisante e o conjunto se sai muito bem na função de distribuir sabor e refrescar. No final, amargor cítrico. O retrogosto, por sua vez, tende mais a amargor herbal acompanhado de refrescancia. Muito boa.

De Porto Alegre para o Rio de Janeiro com a Cervejaria Oceânica, que marca presença aqui primeiramente com a Lemon Cake Número 3, uma Golden Ale com limão e baunilha que se propõe a ser uma “torta de limão liquida”. Bem, de coloração dourada com turbidez a frio e creme branco de boa formação e média retenção, a Oceânica Lemon Cake exibe um aroma com limão saltando pra fora da taça, baunilha perceptível, mas em segundo plano acompanhada de acidez leve. Na boca, primeiro limão, na sequencia baunilha. A acidez praticamente desaparece, mas o conjunto surpreende. A textura é cremosa com picancia bem leve e o amargor é desimportante num conjunto altamente refrescante que se propõe a ser uma bela sobremesa, e consegue. O final é intenso com limão e baunilha chegando juntos, e se alternando. No retrogosto, limão e baunilha de novo, mas mais discretos. Curti.

Agora partimos para o terceiro lote da Yellow Cloud, a segunda cerveja da série Experience, da Cervejaria Oceânica, que já havia sido lançada numa versão com levedura London Ale III e outra com levedura Dry English, e agora retorna com a levedura Conan mais os tradicionais lúpulos Citra e Mosaic. Trata-se de uma American IPA de coloração amarela turva, juicy, com creme branco de boa formação e permanência. No nariz, notas cítricas tropicais sugerindo manga e maracujá além de um leve toque herbal e um chulézinho. Na boca, frutas cítricas no primeiro, segundo, terceiro e quarto toques. A textura é sedosa, suave e levemente picante. Já o amargor é caprichado para os 35 IBUs (soa até um tiquinho a mais pela extensão), que abrem as portas para um conjunto caprichado, cítrico e juicy. O final é levemente picante (com algo de casca de limão). No retrogosto, mais casca de limão e adstringência leve. Gostei.

Ainda no Rio de Janeiro, mas agora com uma New England IPA colaborativa entre Three Monkeys Beer e 2Cabeças (produzida pela primeira): Galaxy Detox, uma derivação de uma receita anterior lançada pelas duas casas, a Detox Your Mind. Nesta versão, a Galaxy Detox utiliza o lúpulo australiano Galaxy e o resultado é uma cerveja de coloração amarela turva densa, juicy, com creme branco espesso e intenso, de ótima formação e longa retenção. No nariz, uma bandeja de frutas cítricas (manga, pêssego e maracujá) acompanhada de uma suave doçura, que remete a casca de pão doce. Na boca, um suco espesso de maracujá com manga, pêssego e acerola seguidos de uma doçura apaixonante. A textura é aveludada, como manda o estilo. O amargor anotado é 60 IBUs, mas é tão limpo (ainda que extenso) que se alguém perceber a metade, não estará errado. Dai pra frente, um conjunto incrível, aveludado, cítrico e saboroso. O final é suavemente amargo. No retrogosto, mais casca que fruta, e refrescancia. Que delicia.

A outra da Three Monkeys é a Milk Way IPA, que, segundo a (atrasada) lei brasileira, não pode ser definida como cerveja devido à adição de um ingrediente de origem animal, a lactose, e por isso é apresentada como uma bebida alcoólica mista. Mas trata-se de uma New England IPA que, além da lactose, ainda recebe adição de baunilha. De coloração amarela turva, juicy como manda o estilo, e creme branco de boa formação e longa retenção, a Milk Way IPA exibe um aroma com baunilha transbordando da taça e deixando as notas cítricas na retaguarda, e é preciso estar atento(a) para percebe-las. Na boca, o primeiro toque traz cítrico caramelado em baunilha, mas três segundos só dará para sentir baunilha. A textura é cremosa, fofa, sedosa, juicy, e o amargor de 60 IBUs é bastante marcante, colocando picância onde só há baunilha. O final oferece… baunilha. No retrogosto, herbal e cítrico suaves mais baunilha. Bem gostosa.

Do Rio de Janeiro para Curitiba com mais uma cerveja da Morada Etílica a passar por aqui, que está meio em baixa após os últimos rótulos (Funky Arábica, Coyol Cocoa e Jiquitrago), mas tem um catálogo apaixonante (Double Vienna, Hop Arábica, Roggen Kölsch, Abera Base e CDB). Essa Barong é uma Farmhouse Ale produzida com Gula Merah, açúcar de coco de Bali obtido do cozimento da seiva que verte das flores do coqueiro. De coloração amarela alaranjada turva com creme branco de média formação e retenção, a Morada Barong exibe um aroma com levedura em destaque sugerindo acidez e campo enquanto, na base, há caramelo e cereais. Na boca, doçura e acidez chegam praticamente juntas no primeiro toque, que se abre provocante sugerindo frutas amarelas e condimentação. A textura é picante no começo e cremosa na sequencia. O amargor é encoberto pela acidez, que nem é tão alta, mas se destaca. Dai pra frente um belo conjunto, com acidez no ponto, frutado cítrico apaixonante e final seco. No retrogosto, leve sugestão de campo, condimentação e acidez suave. Deliciosa.

A segunda da Morada Etílica é á versão especial da excelente Double Vienna que é submetida ao processo de champanoise e longa maturação de 18 meses. O resultado é uma cerveja de coloração ambar caramelada levemente escura com creme bege claro de média formação, com bolhas grandes que se dispersam rapidamente, ainda que o creme forme um anel ao redor da taça. No nariz, um equilíbrio interessante entre doçura caramelada, 11.5% de álcool, damasco, frutas cristalizadas, laranja, champanhe e um suave amadeirado. Na boca, doçura menos intensa do que se espera no primeiro toque que se abre sugerindo frutas cristalizadas, caramelo, melaço, maracujá, laranja e álcool. A textura é picante, suave e menos sedosa do que se espera (não chega nem a ser licorosa). Esqueça amargor, ainda que se perceba resina, porque o álcool das às cartas mesmo sem aparecer excessivamente. Dai pra frente, frutado, floral, doçura, álcool, tudo junto e misturado até o final, calorento e picante. No retrogosto, caramelo, uva verde, madeira… excelente.

De Curitiba para São Paulo com a primeira de duas novas Dogmas, a Back To Basics, uma American IPA que busca as origens West Coast e foi lançada oficialmente em maio de 2017. Produzida na fábrica da Dádiva, em Várzea Paulista, a Dogma Back To Basics exibe coloração amarela com leve turbidez e creme branco de baixa formação e média retenção. No nariz, notas frutas cítricas se destacam sugerindo laranja, maracujá e manga além de leve floral e, também, herbal. Na boca, notas cítricas com mais potência do que o aroma anuncia dominam o primeiro toque oferecendo laranja lima não tão doce e maracujá. A textura é suave com leve picância e o amargor subsequente, de 58 IBUs, é potente, mas menos resinoso do que ameaça, sugerindo muito mais casca de laranja do que resina. Dai pra frente surge um belo conjunto de Old American IPA, que finaliza amargo, mas nem tanto assim. No retrogosto, casca de laranja.

Lançada em julho de 2017, a Dogma Enigma Lover é a sétima cerveja da linha Lover da casa (destas, cinco passaram por aqui: Citra, Galaxy, Mosaic, Equinox e Simcoe – só faltou a Azzaca) paulistana, que desta vez aposta em um lúpulo australiano que já havia sido utilizado numa receita fraca da Tupiniquim, mas aqui encontra toda a base da Hop Lover para brilhar mais. De coloração amarelo turva (mas mais clara que as Lover anteriores) e creme branco de excelente formação e longa retenção, a Dogma Enigma Lover combina no aroma notas cítricas (limão, melão, manga e abacaxi) e herbais (grama) com suaves notas florais. Na boca, a textura é mais leve do que as anteriores da série enquanto o primeiro toque reforça a pega cítrica e herbal que o aroma adianta. O amargor, no entanto, surge mais pegado aqui do que nas outras Lover, e dai em diante o conjunto presa pelo domínio de cítrica e herbal até o final, seco e amargo. No retrogosto, limão, melão e grama. Muito boa, mas abaixo do nível das outras da série.

Balanço
Iniciando por Porto Alegre com uma boa Tupiniquim, a Nebulosa, single hop IPA de presença marcante. Gostei. No mesmo nível, a Tupiniquim Orvalho oferece uma pancada cítrica no aroma e no paladar, com doçura de malte na base, e finaliza lembrando balinha de hortelã. Delícia. A Oceânica Lemon Cake foi uma surpresa bem interessante, com limão e baunilha bastante presentes num conjunto saboroso. Boa surpresa também com a terceira versão de levedura para a bela Yellow Cloud, uma das melhores (talvez a melhor) APAs do país. Um suspiro de felicidade pela Galaxy Detox, colaborativa entre Three Monkeys e 2Cabeças: que cerveja incrível, com um harsch discreto no trecho final, mas deliciosa. Mantendo o nível lá em cima, a Three Monkeys Milk Way IPA é uma New England altamente caprichada, mas a baunilha acentuada não a recomenda para todos. Eu, no entanto, quero outra. E mais outra (hehe). Agora em Curitiba com a primeira de duas Morada, a excelente Barong, uma Saison que não só honra o estilo belga como consegue acrescentar personalidade ao estilo. Excelente. Mais caprichada ainda é a Double Vienna Brut, aqui em sua versão 2015. Porém, provei na época e ela estava incrível. Hoje ela está excelente, mas inferior. A primeira de duas paulistanas da Dogma, Back To Basics, não me soou tão West Coast IPA assim, com sugestão de casca de laranja tomando o lugar que deveria ser da resina – segundo o rótulo. Boa como provocação, mas inferior a linha Lover. Encerrando então com a série Lover, desta vez com a Enigma, que sugere bastante sabor, mas soa menos encorpada que as anteriores. Boa, muito boa, mas há melhores na série.

Tupiniquim Nebulosa
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.6%
– Nota: 3,56/5

Tupiniquim Orvalho
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 3,56/5

Oceânica Lemon Cake Número 3
– Produto: Golden Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,71/5

Oceânica Yellow Cloud Dry English
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,91/5

Three Monkeys Beer 2Cabeças Galaxy Detox
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 3,91/5

Three Monkeys Milk Way IPA
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,86/5

Morada Barong
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3,65/5

Morada Double Vienna Brut
– Produto: Biére Brut
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 3,96/5

Dogmas Back To Basics
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.8%
– Nota: 3,71/5

Dogma Enigma Lover
– Produto: Double American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.7%
– Nota: 3,85/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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