por Marcelo Costa
Seis anos após o delicado “Fábula”, seu terceiro álbum solo, Cris Braun está de volta com um novo disco de inéditas, desta vez dividindo os holofotes com Dinho Zampier, que, segundo o site da Secretaria de Cultura do Estado alagoano, “é um dos músicos mais requisitados atualmente em Alagoas, tanto para show como para gravações, por sua vasta experiência, musicalidade e competência técnica”, e tem seu trabalho envolvido com nomes como Wado (desde o álbum “Terceiro Mundo Festivo”, de2008), Mopho (desde o clássico primeiro disco até o mais recente, “Brejo”) e Figueroas, com quem divide as atenções com Givly Simons.
Juntos, Cris Braun e Dinho Zampier assinam “Filme”, uma trilha sonora imaginária para uma história que o próprio ouvinte poderá (ou não) construir na sua cabeça. “Quem seria Doña Rita de Quevedo, uma Amelie Poulain dos trópicos? Dá pra imaginar os Sex Beatles congelados no tempo e ressuscitados no futuro, transformados em caubóis do apocalipse com seus escorpiões de estimação?”, provoca o crítico de cinema Marcelo Janot em texto no site oficial. “A ideia era: nada de criar uma historinha, nada de roteiro, apenas a narrativa que constrói musicalmente uma trilha. Vinhetas, temas e canções”, explica Cris em conversa por e-mail.
“Filme” está disponível em streaming nos principais players do mercado. Há, ainda, previsão de lançamento físico para setembro via Tratore. Na conversa abaixo, Cris comenta sobre o processo de gravação do álbum, da parceria com Dinho Zampier, da ponte-aérea Maceió/Rio e dos Sex Beatles, cult band que ela integrou ao lado do letrista, cantor e compositor Alvin L. nos anos 90, que teve sua trajetória revista em um documentário lançado em 2015, “Memorabília”. Neste “Filme”, inclusive, Cris e Dinho regravaram uma canção dos Sex Beatles: “Alvin é gênio!!”, justifica.
Como surgiu a ideia deste “Filme”? Primeiro vieram as canções e vocês foram formatando o álbum, ou já de cara veio a ideia de construir uma trilha sonora?
“No principio era o verbo” (risos). Eu queria apenas fazer um disco onde partisse de teclados, ao invés de guitarras e ou violões, como sempre. Posto isto, percebi que tinha pouco material escrito e muito instrumental. Sempre tive o desejo de compor trilhas – ou fazer. Adoro, por exemplo, a onda dos canais de esportes radicais – música e imagem. O disco foi sendo formatado e ia chamar-se “Memórias, Sequelas e Esquecimentos” – que será título do meu primeiro livro, dando essa boa nova exclusivamente para o Scream & Yell! Lá pelas tantas ainda pensando arranjos, nós assumimos esse lance de trilha que tínhamos ali. A ideia era: nada de criar uma historinha, nada de roteiro, apenas a narrativa que constrói musicalmente uma trilha. Vinhetas, temas e canções.
Você se aproxima do Dinho realmente na gravação do “Terceiro Mundo Festivo” (2008), do Wado, ou vocês já tinham se encontrado musicalmente antes? Como foi o trabalhar com ele neste “Filme”?
Nos aproximamos ali sim. E depois eu chamei ele para uns lances de voz e teclado. Pequenos shows. Eu confesso que já havia observado o extenso conhecimento musical dele, talento e humor, mas tive ainda uma surpresa: o Dinho é um arranjador espetacular, veja o que ele fez para “Doña Rita de Quevedo”! Eu cheguei para ele com Steve Reich – falei destas repetições e ele de manhã me manda o tal arranjo! Chorei. Já em “A Louca Chama” fiz um baixo desengonçado com a boca, dando a ideia do que pensava para ela, e o bicho me faz aquele balanço inominável. Química perfeita. Decidimos então convidar o Billy Brandão e o Sacha para produzir duas faixas (“Cheio” e “Harpia”) e nem preciso comentar o encaixe e maravilha. Dinho é um músico acima da média, assim como estas duas figuras que citei. Compõe, arranja, toca e morremos de rir juntos. Neste disco tem “Agua Branca”, só dele,” Wedding” minha e dele e outra em parceria com Fernando Fiuza.
O “Atemporal”, seu segundo disco, de 2004, ainda era bem carioca, com músicos daquela cena local. Já o “Fábula” ainda tem alguns deles participando, mas é um disco muito mais alagoano, por assim dizer. Como você vê isso?
Em 2004 eu ainda morava no Rio, onde morei por 25 anos. Em 2005, voltei para Maceió, por conta da doença de meu pai, que culminou em sua partida ano passado. Aos poucos fui conhecendo os músicos daqui e essa transição se deu naturalmente. “Fábula” é ponte aérea Rio-Maceió. E “Filme” na verdade é Maceió-Rio.
Quem lê isso talvez não imagine que você é uma gaúcha! 🙂 E uma coisa comum dessas duas cidades (vamos deixar o Rio Grande do Sul de lado) são as belas praias, e principalmente o mar como influência na vida local. O que te fez escolher Maceió como seu refúgio? Há algo seu com o mar?
Pois é, Maceió foi escolhido por meus pais em 1971! Em 1999 fui para o Rio, e voltei para cá em 2005. Mas vou confessar que sou um ser das montanhas (risos). Antes de voltar para Maceió, eu fiquei por 5 anos morando em Teresópolis, onde fiz o contemplativo “Atemporal”.
Aliás, “Filme” é seu quarto álbum solo. Gostaria que você relembrasse um pouco os três discos anteriores, como foi o momento de gravação de cada um deles e como você os vê (ouve) hoje.
Mas “Filme” não é um disco solo! Tá lá: “Cris e Dinho” (risos). No meio do caminho eu olhei para ele e disse: este disco é meu e seu, tamanha personalidade do cara!! (Sobre os meus discos): “Cuidado Com Pessoas Como Eu” (1997): a diva, o mercado e a projeção, que me deu um cantinho neste mundo de música. Foi lá que eu aprendi que devia tomar conta do que era meu, do que era eu. Muito aprendizado com Marina Lima, Nilo Romero e tudo que envolve o mainstream, por onde raspei (tenho que rir), vinha dos Sex Beatles, onde era a linda e o Alvin fazia tudo. “Atemporal” (2004): montanha, contemplação, liberdade. Parceiros e não só a diva entrando no estúdio para colocar a voz. “Fábula” (2011): Mar, readaptação, amores perdidos, e eu me apropriando mais e mais. “Filme” (2017) o primeiro em que assino a produção junto com Dinho. Me vejo muito nele. Não houve a menor tentativa de agradar ou ser palatável, ou qualquer dúvida se ia ser viável ou não. Ligamos o “vamos” e fomos.
“Filme” traz uma regravação de uma canção que você gravou no primeiro álbum dos Sex Beatles, “Escorpiões”. É algo meio místico: há sempre de ter uma canção de Alvin no álbum?
Nada de místico não, é gosto mesmo. Alvin é gênio!! As imagens contidas em “Escorpiões” bem servem a trilha imaginária. No fundo esta trilha é para um personagem insólito, não se sabe se são delírios ou cenas vividas.
Já que falamos no Alvin, em 2015 o Sex Beatles (que lançou dois grandes discos nos anos 90) ganhou um documentário, “Memorabilia”. Como foi para você relembrar aquela época?
Tenho vontade e vou fazer um Sex Beatles Cover, onde eu serei a cover de mim mesma. Grandes tempos, juventude, loucuras, a vida pulsando. Aquela porrada de guitarras no palco, Rock é coisa para quem está no palco, é indescritível a sensação!! Me emociono muito quando vejo o doc.
Voltando ao disco novo, também há Vivaldi neste “Filme”. Como surgiu a ideia de incluir “Tieteberga – Senso In Seno”?
89% de meu tempo ouço música clássica. Talvez seja o meu Rivotril. Pela beleza, pela grandeza, por tudo que tem contido ali. Estava ouvindo o Phillipe Jaroussky cantando esta ária, pela enésima vez seguida, e depois da terceira taça de vinho, me vi cantarolando a melodia na divisão do “Take Five”, do Dave Brubeck. Cantei por cima, deu certo, levei para o Dinho e fizemos o arranjo com banda!
Você andou fazendo alguns shows cantando canções de Nick Drake! Alguma delas poderia fazer parte deste “Filme”? Talvez no show…
Sim, tudo a ver! Já temos o “know”, uma passagem de tempo perfeita no show que estamos montando.
Aliás, como você pensa o show deste disco? Haverá canções dos outros álbuns?
Nada dos outros discos. Este é um disco muito específico, uma trilha. Não cabe fazer o que não diz respeito a este roteiro. Estamos compondo mais um pouco para ele. Passei três dias no sertão alagoano filmando, cenas também insólitas, com paisagens deslumbrantes, com o diretor de cinema e fotografia Henrique Oliveira, alagoano promissor que certamente será muito falado e que assina todo o projeto visual do show (ele também é responsável por um vindouro documentário sobre Wado). O show tem momentos-projeções e momentos mais teatrais que se alternam. Eu estou mais para personagem do que para a tal diva! Me ajudem a ir com este show para Sampa!!
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Leia também:
– Cris Braun (2004): “Nasci torta. Uma alminha contemplativa num comportamento rock’n’roll” (aqui)
– Cris Braun (2012): “Acho que sou uma moça rock’n’roll, mesmo sem fazer rock’n’roll” (aqui)
– “Cris Braun sabe o bem o som que busca no álbum ‘Fábula’. E ele é bonito, bem bonito” (aqui)
Marcelo, fica aqui meu respeito e admiração pelo seu trabalho, Nos acompanhamos há muito tempo, neste mundo musical, e agora das cervejas ! Obrigada. Obrigada pela atenção. O Scream & Yell é um mundo- um centro cultural internautico !