por Marcelo Costa
Abrindo uma série de cinco cervejarias pelos EUA, mas com sotaque nacional: sediada em Chula Vista, na região metropolitana de San Diego, a Novo Brazil é a cervejaria de ex-sócios da mineira Wäls, que marca presença com a Chula Pils, uma German Pilsener com dry-hopping de Cascade que homenageia a cidade que os abrigou. De coloração dourada tendendo ao âmbar claro com creme branco de boa formação e retenção, a Novo Brazil Chula Pils exibe um aroma que equilibra muito bem notas cítricas suaves e doçura caramelada de malte. Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque equilibra frutado cítrico e doçura de caramelo, de modo que eles surgem quase juntos, mas assim que o paladar abre, o cítrico ganha força trazendo consigo o amargor, leve (30 IBUs), mas marcante. Dai pra frente, uma boa Lager lupulada, que oferece refrescancia e um bom equilíbrio entre malte e lúpulo. No final, doçura cítrica. O retrogosto segue a linha do conjunto com um leve maracujá se destacando. Boa.
A segunda da Novo Brazil é a Mulata, uma American Amber Ale que valoriza o lúpulo made in USA Idaho 7. De coloração âmbar escura com creme bege claro de boa formação e média alta retenção, a Novo Brazil Mulata exibe um aroma com lupulagem (oferecendo notas frutadas cítricas acentuadas) se sobrepondo ao malte (o caramelo, estrela do estilo na Europa, fica em segundo plano aqui). Na boca, um replay do aroma: as notas frutadas cítricas dominam desde o primeiro toque colocando a doçura maltada na retaguarda, e ela fica quietinha ali. A textura é levemente picante e o amargor exibe 30 IBUs marcantes, que também colaboram na função de deixar o caramelo pregado na base, tímido. O final é cítrico e levemente amargo. Já o retrogosto traz algo de maracujá, refrescancia e suave adstringência. Boa, ainda que o malte não consiga oferecer nada de Amber ale da cor.
A terceira da série vem da Bélgica e é a quarta cerveja da lendária Fantôme a passar por este espaço (as outras foram: De Tous Les D’iâpes, Magic Ghost e Chocolat): Fantôme Printemps, uma receita primaveril que recebe adição de ervas (Dani, o mestre cervejeiro da casa, nunca conta o que adiciona em cada receita) e, na taça, exibe uma coloração amarela densa, tal qual a de suco de caju ou manga (e só não se passa por juicy porque o aroma entrega). O creme é branco de média alta formação e retenção. No aroma, notas herbais confirmam especiarias sugerindo tomilho, camomila, eucalipto e alecrim. Há ainda leve percepção cítrica (limão e uva verde), remissão a champagne e percepção de acidez suave advinda da levedura. Na boca, forte acento herbal no primeiro toque remetendo a ervas como camomila e tomilho seguidas de eucalipto, uva verde e limão. A textura é levemente picante com acidez suave enquanto o amargor é deixado de lado num conjunto em que tempero delicioso e rebelde chama mais a atenção. O final é levemente picante e herbal. No retrogosto, mais ervas, cítrico e sabor. Que delícia!
Outra da Fantôme (o coração sorri), dessa vez a Dark White. Aqui Dani volta a temperar a receita com diversos temperos, e a única coisa que ele confirma é… pimenta do reino. Na taça, a Fantôme Dark White exibe uma coloração âmbar caramelada, que não chega a ser Dark Daaaark, mas é mais escura que a linha tradicional da casa. O creme é branquinho de média formação e rápida dispersão. No nariz, o mofado se destaca acompanhado de leve percepção de pêssego, caramelo, erva doce, anis e laranja. Na boca, condimentação presente desde o primeiro toque (pimenta do reino e erva doce) seguida de doçura beeeem suave, tão suave que quase não se percebe. A textura é levemente picante. O amargor é baixo e imperceptível. O que conta aqui é o feno molhado, o chão de roça e o couro além das especiarias, que temperam o paladar do bebedor. O final é levemente discreto, com leve condimentação. Já o retrogosto, leve couro, feno molhado, pimenta do reino e surpresas. Bem interessante.
Da Bélgica para a Dinamarca, ou melhor, para a Bélgica, já que as cervejas da cigana Mikkeller são produzidas na belga De Proefbrouwerij, mesmo no caso desta Hues 2014, uma Gueuze (ou seja, um blend de Lambic nova com uma Lambic maturada antes em barril) que descansa em barris de carvalho húngaros. Na taça, a Mikkeller Hues exibe uma coloração âmbar caramelada com creme bege de baixa formação e rápida dispersão. No nariz, sugestão de madeira, acidez e azedume chamam a atenção num primeiro momento, mas com calma é possível perceber maçã, limão, feno velho, couro e damasco. Na boca, o primeiro toque é até comportado com doçura baixa seguida, ai sim, de uma pancada de azedume, vinagre, madeira e acidez média. A textura é picante, levemente ácida e áspera. Esqueça a questão de amargor aqui, porque ele o que você menos terá de se preocupar diante de um conjunto deliciosamente avinagrado, com acidez média e doçura bem baixa. O final é levemente azedo e avinagrado. No retrogosto, mais vinagre, sugestão de sidra, baunilha discreta e acidez média. Belo representante do estilo.
A segunda Mikkeller da série é outra fora da curva produzida também na De Proefbrouwerij: Mikkeller Spontan Cherry Frederiksdal Chardonnay, uma Fruit Lambic com adição de cerejas da fazenda de Frederiksdal, no sul da Dinamarca, e que ainda matura em barris antes usados para maturar vinho Chardonnay. De coloração vermelha próxima a de um vinho tinto com creme avermelhado de baixa formação e rápida dispersão, a Mikkeller Spontan Cherry Frederiksdal Chardonnay exibe um aroma magnífico que sugere geleia de cereja, amora, baunilha suave e vinho tinto com leve percepção de acidez e azedume. Na boca, doçura de frutas vermelhas surge rapidamente no primeiro toque até ser encoberta por uma nuvem de acidez e azedume, que estão longe de ser agressivos, mas arrastam tudo que veem pelo caminho. A textura é acética e picante enquanto o conjunto se transforma mudando de ácido para frutado e depois para ácido novamente. A cereja aparece de maneira aveludada e incrível no conjunto, que não exibe nada dos 8.2% de álcool. O final é levemente azedo, mas vai se tornando frutado até contaminar o retrogosto de cereja, vinho tinto, madeira e acidez discreta. Uau!
A sétima da sequencia é da norte-americana Rogue, de Newport, no Oregon, e é justamente a 7 Hop IPA, da série lupulada da casa que tem início nas garrafas de 4, 5 e 6 lúpulos produzidos na própria fazenda da Rogue até este exemplar 7 Hop IPA, com 7 lúpulos (Liberty, Revolution, Independent, Rebel, Freedom, Alluvial e Newport) além de quatro maltes e levedura próprios. O resultado é uma Imperial IPA de coloração âmbar alaranjada com creme bege claro de ótima formação e eterna retenção. No aroma, doçura caramelada de malte divide a atenção com uma boa paleta de notas cítricas (maracujá e abacaxi) e herbais (ervas e chá). Na boca, textura cremosa. O primeiro toque reprisa o aroma com doçura caramelada no início e cítrico e herbal abrindo-se de maneira deliciosa na sequencia, e surpreendente. O amargor não soa tão alto quantos os 76 IBUs almejam, mas sua longa duração merece respeito. O que interessa é um conjunto que soa um chá de lúpulos cítricos e herbais deliciosamente maltados. O final é doce e levemente herbal. No retrogosto, herbal, cítrico e mais caramelo, mas bem suave. Muito boa!
Da mesma Hop Series da Rogue, a 8 Hop IPA é uma Imperial IPA que junta o lúpulo Yaquina, também cultivado na própria fazenda da cervejaria, aos sete lúpulos próprios da 7 Hop IPA anterior. Não é a única alteração: há mais maltes aqui (6 na 8 contra 4 na 7). O resultado é uma cerveja de coloração âmbar caramelada bastante turva com creme com creme bege claro de ótima formação e eterna retenção. No aroma, bastante caramelo, leve resina e muito mais notas herbais do que cítricas, numa paleta aromática que soa passada do tempo sugerindo lúpulo cansado. Na boca, a textura suave com baixa picância. O primeiro toque reforça a ideia de caramelo dominando o conjunto, o que a sequencia, com herbal comportado, completa. O amargor é baixo na pancada, mas longo na permanência (ainda assim, 80 IBUs é exagerado). Dai pra frente, um conjunto que mostra a passagem do tempo, com lúpulos sem força para combater o caramelado do malte, que se sobrepõe. O final é levemente resinoso… e doce. No retrogosto, mais doçura, resina suave e herbal. Fresca deve ser ótima. Desse jeito é apenas ok.
Fechando a série com duas brasileiras Tupiniquim, que após o resultado excelente de suas primeiras Russian Imperial Stout (Mandala, Pecan e Manjar Negro), retorna ao estilo com mais duas derivações: a primeira é a Espresso que, como o nome faz suspeitar, recebe adição de café. De coloração marrom bastante escura praticamente preta com creme bege de excelente formação e longa retenção para o estilo, a Tupiniquim Espresso exibe um aroma com café disparado chamando a atenção em notas que derivam tanto da adição de grãos quanto do uso do malte torrado. Sob a nuvem densa de café ainda é possível perceber leves notas de chocolate amargo e caramelo. Na boca, doçura microscópica e logo em seguida uma avalanche de café, de certa forma desequilibrada, culminando em um amargor (80 IBU) intenso e desfavorável. A textura é sedosa e o conjunto pende excessivamente ao café finalizando de forma bastante amarga. No retrogosto, café e amargor.
A segunda derivação do estilo RIS leva o nome explicativo de Tupiniquim Malagueta Imperial Stout. Na receita, adição de pimenta Rosa para o aroma e pimenta Malagueta para aquecer a garganta. De coloração marrom bastante escura praticamente preta com creme bege espesso de média formação, mas longa retenção. No aroma, a pimenta incrivelmente se destaca, já antecipando o calor que poderá vir pela frente – chocolate, café e outras notas derivadas da tosta se apagam e ficam na retaguarda. Na boca, a pimenta novamente toma as rédeas, logo no primeiro toque, encobrindo a doçura de chocolate amargo que tenta brigar por espaço, mas perde feio a contenda. A textura, como é de esperar, é picante, e o amargor desaparece frente ao calor da Malagueta, que toma toda a atenção pra si, e deixa os demais ingredientes apagados, aparecendo aqui e ali de forma sutil. O final é picante e vai ficando quente conforme a garrafa esvazia. No retrogosto, pimenta e calor. Boa, mas desiquilibrada.
Balanço
Abrindo o passeio pelos EUA com uma cervejaria de matiz brasileira, a Novo Brazil, e sua boa Chula Pils, uma Dry Hopped Lager bem refrescante. Já a Mulata, a segunda Novo Brazil, é um American Amber Ale muito mais American que Amber, já que o lúpulo mantém o malte na coleira, e ele não sai do lugar pra nada, tímido e excessivamente comportado numa cerveja que soa agradável, mas desiquilibrada para o estilo. Partindo para a Bélgica com a quarta (e melhor) Fantôme a passar por aqui, Printemps, uma delicia temperada em especiarias. Apaixonado! A Fantôme Dark White segue o mesmo caminho, com bastante tempero e rusticidade. Muito boa. Primeira da Mikkeller, a Hues 2014 honra o estilo Gueuze com muito avinagrado, acidez e amadeirado numa cerveja arisca e deliciosa. A segunda da dinamarquesa Mikkeller, porém, é absolutamente incrível, uma Fruit Lambic de 8.2% de álcool com azedume moderado e muito, mas muito sabor, sem contar o aroma apaixonante e o retrogosto magnifico. Uma cerveja completa. Agora nos EUA com a Rogue, primeiro com a 7 Hop IPA, com lúpulos ainda vivinhos e proporcionando ao conjunto deliciosas sugestões cítricas. Já a 8 Hop IPA sofreu com a passagem do tempo e chegou aqui descaracterizada e bastante apagada no que se espera dela. Ainda uma cerveja ok, mas apenas ok. Entrando no território das Russian Imperial Stout nacionais da Tupiniquim, os acertos cometidos na Mandala, Pecan e Manjar Negro não se repete na Espresso, uma RIS desiquilibrada e excessivamente amarga. Fechando a série, a Tupiniquim Malagueta Imperial Stout consegue a proeza de fazer a pimenta apagar chocolate, café e qualquer coisa que a torra do malte pudesse acrescentar ao conjunto. Ainda assim é boa, mas desiquilibrada (a Wäls Hot Petroleum se sai muito melhor no conjunto).
Novo Brazil Chula Pils
– Produto: German Pilsener
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,24/5
Novo Brazil Mulata
– Produto: American Amber Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,29/5
Fantôme Printemps
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,78/5
Fantôme Dark White
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 4.7%
– Nota: 3,68/5
Mikkeller Hues
– Produto: Gueuze
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,75/5
Mikkeller Spontan Cherry Frederiksdal Chardonnay
– Produto: Fruit Lambic
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 8.2%
– Nota: 4,32/5
Rogue 7 Hop IPA
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7,7%
– Nota: 3,73/5
Rogue 8 Hop IPA
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 8.8%
– Nota: 3,23/5
Tupiniquim Espresso
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,32/5
Tupiniquim Malagueta
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3.50/5
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