Boteco: 10 cervejas da mineira Wäls

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma sequencia de cervejas da mineira Wäls com uma exclusiva do MadLab, o clube experimental da casa (a oitava do clube a passar por este espaço), a Royal Saison, garrafa número 0400 lançada em dezembro de 2016. Na receita, zimbro, coentro, casca de laranja amarga, limão, pimenta preta, cardamomo e canela se juntam a quatro diferentes maltes de trigo e três lúpulos. O resultado é uma cerveja que exibe uma coloração âmbar com turbidez leve e creme branco de boa formação e permanência. No nariz se destacam cardamomo e pimenta do reino que remetem diretamente a Gin, uma das inspirações dessa receita. Há um leve dulçor na base. Na boca, textura sedosa e levemente picante. O primeiro toque oferece cardamomo e uma leve remissão a Gim, que segue junto a doçura maltada e um amargor baixo, com leve percepção dos 7.5% de álcool. Dai pra frente, uma cerveja que abandona a rusticidade do estilo Saison buscando a elegância do Gin. O resultado final fica no meio do caminho e finaliza com leve condimentado. No retrogosto, cardamomo e cítrico discreto.

Também da série MadLab, mas lançada em novembro de 2016, a Sauvin Blanc é uma Biére de Garde cuja receita recebe adição de suco de uva branca e utiliza os lúpulos Nelson Sauvin (da Nova Zelândia) e Hallertauer Blanc (da Alemanha, mas com pegada USA). De coloração turva e amarela com creme branco de boa formação e média alta permanência, a Wäls MadLab Sauvin Blanc exibe um aroma, de cara, um balde de cevada crua com leve percepção de uva branca. Na boca, a textura é levemente picante. O primeiro toque oferece frutado cítrico (uva) com cevada madura. O amargor subsequente é baixo e abre as portas para um conjunto que fica no meio do caminho entre uma Saison e uma Biére de Garde, pecando em corpo. A sensação é de que o suco de uva branca atrapalha o conjunto, que paga bastante tributo ao campo, mas não se transforma em algo… agradável. Fica no meio do caminho. O final é meio doce. No retrogosto, uva branca e cevada. Ok.

Edição de fevereiro do clube MadLab, a Barrel Wheat é a segunda da casa a descansar em barricas antes usadas para maturar Bourbon norte-americano (a outra, Barrel Aged Bourbon, é a melhor entre todas as cervejas testadas pela Wäls no clube MadLab até o momento). Trata-se de uma Strong Wheat Ale com 12% de álcool resultado do blend de uma Ale maturada com uma Imperial IPA fresca. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar caramelada com leve turbidez e creme bege clarinho de creme com boa formação e retenção. No nariz, madeira e Bourbon em destaque (de forma até agressiva) sobre uma base de caramelo. Na boca, a textura é suavemente licorosa. O primeiro toque oferece madeira seguida de doçura melada e Bourbon, mas o álcool, impressionantemente, desaparece dando as caras levemente quando a cerveja aquece. Dai pra frente, madeira, caramelo, Bourbon e quase nada de coco. O final é maltado com Bourbon e calor. No retrogosto, mais Bourbon, mais calor e madeira. Muito boa (mas vai melhorar com a guarda).

Lançada em março de 2017, a Wäls MadLab Crazy Lambs é a tentativa da casa em emular o estilo New England, que propõe IPAs mais turvas, com mais corpo (ou seja, suculenta, por isso o codinome juicy), amargor mais limpo e muito cítrico (a norte-americana Heady Topper é o benchmarking do estilo, mas saca Dogma Rizoma? Isso). Tendo isso em mente, a Crazy Lambs é uma cerveja de coloração âmbar suavemente turva com creme branco de boa formação e longa retenção. No nariz, frutas em baldes sugerindo tanto doçura quanto notas cítricas (maracujá, tangerina, mamão). Na boca, textura sedosa e picante. Os oito lúpulos (Citra, Mosaic, Galaxy, Amarillo, Yellow, Callista, Mandarina e Huell Melon) oferecem frutado cítrico e doce no primeiro toque seguido de amargor potente (90 IBUs é exagero, mas em uns 70 chega) e, sim, limpo – ainda que sobre uma leve resina. Dai pra frente, uma boa cerveja (num estilo que a Wäls andava tropeçando feio) e, ainda que não soe totalmente NEIPA (cor e amargor mais prolongado depõe contra), merece a prova. O final é cítrico. No retrogosto, amargor suave, resina discreta e cítrico agradável. Acertaram nessa!!!

Representando do mês de abril do clube MadLab, a Doppelbock Wood & Fire é a tentativa de emular o estilo alemão por parte dos mineiros, que vão além e adicionam a terceira pimenta mais ardida do mundo (Bhut Jolokia) além de baunilha de Madagascar na receita, cujo 1/5 (20%) ainda passa por barris que antes abrigaram Bourbon. O resultado é uma cerveja de coloração marrom com leve turbidez e creme bege claro de baixa formação e retenção. No nariz, bastante doçura sugerindo baunilha em destaque além de chocolate e absolutamente nada de madeira (ou Bourbon) nem pimenta. Na boca, a textura começa picante e vai ficando sedosa. O primeiro toque, porém, oferece doçura achocolatada que vai sendo caramelada com pimenta. Sim, a Bhut Jolokia aparece bastante no paladar, amortece levemente a língua e vai marcando a garganta num conjunto que poderia (deveria) ter mais corpo, mas soa curioso com a pimenta picando e a baunilha perdendo espaço. O final é apimentado (principalmente da metade da garrafa pra baixo). No retrogosto, baunilha discreta e calor de pimenta. Gostei!

A próxima Wäls foi lançada em dezembro de 2014 e, numerada (0193 / 1000 garrafas), a esses dois anos de guarda caseira se somam quatro anos de maturação de um blend de 50% Dubbel com 50% Wild Dubbel. Produzida pelos mineiros em parceria com o Empório Alto de Pinheiros, em São Paulo, a Wäls Wild ALE EAP é uma Flanders Brown Ale de coloração âmbar escura, quase marrom com tons avermelhados e creme bege de média formação e retenção. No nariz, doçura de caramelo, frutas escuras (ameixa) além de leve madeira e azedume comportado. Na boca, leve picância e cremosidade. O primeiro toque, por sua vez, oferece muito mais frutado (ameixa) do que doçura, que surge subsequente envolvida em acidez e azedume suave. Não pense em amargor, mas sim em azedume, leve, mas presente, que abre as portas para um conjunto de Dubbel levemente arisco, bem pouco Flanders, mas ainda assim interessante. O final é doce e levemente adstringente. No retrogosto, ameixa, caramelo e azedume suave. Bela.

Lançada em dezembro de 2015, a Wäls Cuvée de Carneiro guarda semelhanças com o blend do processo da Wäls Wild ALE EAP, só que nessa aqui a cerveja base é uma Quadrupel que passou três anos em barricas de madeira antes usadas para maturar cachaça mineira blindada com uma Quadrupel jovem. O resultado (também Flanders Brown Ale) é uma cerveja de coloração marrom turva com creme bege claro de boa formação e média retenção. No aroma, balsâmico e acético chamam a atenção (positivamente) num conjunto que ainda traz frutas escuras, mel e caramelo discretos além de nada dos 11% de álcool e nem de madeira. Na boca, a textura é quase licorosa. O primeiro toque traz doçura caramelada seguida de azedume suave e, pela primeira vez, percepção de amadeirado. Dai pra frente, o conjunto acalma oferecendo vinagre, doçura, madeira suave e frutas escuras. O final é azedinho. No retrogosto, frutado, acético e leve calor alcoólico. Excelente.

A oitava do rolê é a (já polêmica) Wäls Fresh Beer, uma American IPA (da velha guarda) que não passa por pasteurização e cujo rótulo avisa: “Beba até 30.04.17”. Na receita, cinco lúpulos: Cascade, Amarillo, Citra, Mosaic e Galaxy. De coloração amarelo turvo com creme branco de boa formação e permanência, a Wäls Fresh Beer tropeça violentamente no aroma, em que notas frutadas deliciosas (tangerina, laranja, manga) precisam disputar a atenção do bebedor com o terrível off-flavour de diacetil (a tal polêmica), remetendo a amanteigado, defeito que impregna a experiência. Na boca, a textura é cremosa e levemente picante. No primeiro toque, a potente carga de lúpulo consegue disfarçar o diacetil, que fica na retaguarda, sem atrapalhar tanto o conjunto. Dai pra frente, uma salada de frutas levemente amanteigada recebe uma pancadinha de amargor – longe (beeem longe) dos 70 IBUs que a casa adianta – se chegar a 40 é muito. No final, o amargor bastante cítrico vence o diacetil, que retorna discreto no retrogosto encoberto por frutas e amargor suave. Mais um erro de IPA dos mineiros.

Seguindo com a Alambique County, uma Belgian Strong Ale colaborativa entre os mineiros da Wäls e os norte-americanos da Goose Island, de Chicago, uma Black Trippel com castanha de Baru (típica do cerrado Mineiro) e bananas passa maturada por cinco meses em barris de carvalho antes utilizados para maturar cachaça mineira. Na taça, uma cerveja de coloração de coloração âmbar escura exibe um creme bege de boa formação e média retenção. No nariz, madeira, cachaça, bananada, melaço, uva passa e calda de ameixa. Na boca, textura licorosa. O primeiro toque doçura caramelada sugerindo melaço alcoólico e banana assada. Os 11.5% de álcool estão ali, escondidinhos entre a doçura (não enjoativa) e a madeira num conjunto bem interessante, para ser bebido devagar, degustando. O final é quente, doce e de álcool leve. No retrogosto, uva passa, banana assada, álcool e canela. Muito boa.


Fechando essa sequencia de cervejas da Wäls com a Berliner, lançada oficialmente em maio de 2017, exibindo uma receita que une cevada e trigo com suco de cereja, suco de morango e extrato de hibisco além de lactobacilos adicionados na fermentação, e que soa uma evolução da MadLab Strawberry Sour. De coloração vermelha com creme branco de média formação e retenção, comuns ao estilo, a Wäls Berliner apresenta um aroma delicado de frutas vermelhas (morango e cereja em destaque) com um suave toque campestre, floral. Na boca, o paladar segue o aroma com doçura frutada em destaque (cereja e morango novamente) e baixíssima acidez e salgado na sequencia, o que pode decepcionar fãs da aridez do estilo, que não bate ponto aqui. A textura é levemente frisante, mas bem levemente mesmo. Não se preocupe com amargor, e na verdade nem com acidez nesta que soa mais Fruit Beer do que Berliner. O final é levemente amarrado, com frutas vermelhas suaves. No retrogosto, adstringência suave, cereja, morango e refrescancia. Boa, viu.

Balanço
Após três decepcionantes cervejas da linha MadLab, o retorno ao clube não surpreende, mas também não decepciona: a Royal Saison não é uma Saison tradicional. Esqueça toda a rispidez do estilo e caminho por algo que busca aproximação com o Gin – se é uma busca válida (e eu acho que não é) são outros 500. O resultado é apenas ok, mas não é uma decepção. Já a Madlab Sauvin Blanc trazia mais expectativa, mas a sensação é de que o suco de uva branca adicionado na receita atrapalha o conjunto, que paga bastante tributo ao campo, mas não impressiona. Após duas receitas medianas, a Wäls MadLab Barrel Wheat não é a perfeição, mas é uma boa cerveja com muito potencial de guarda. Agora ela está arisca e agressiva, mas quando isso acalmar (de 9 a 12 meses) irá melhorar consideravelmente o que já é bom. Outra MadLab, a Crazy Lambs impressiona seguindo os preceitos do estilo New England IPA, ainda que não tão a risca, mas sem incomodar a expectativa. Uma boa cerveja que poderia vir pra linha tradicional da casa. Quinta do clube MadLab, a Doppelbock Wood & Fire impressionou positivamente, com a baunilha e a pimenta bem presentes na receita (o barril de Bourbon a gente procura na Quadrupel BA, ok). A Wäls Wild ALE EAP 2014 não cumpre a promessa de radicalidade de uma Flanders Ale, mas é bem saborosa, mantendo ameixa e doçura na mira com um leve azedume. Enfim um acerto. O mesmo pode ser dito da Wäls Cuvée Carneiro, que não é perfeita no estilo radical belga, mas alcança um resultado excelente. A próxima da sequencia é a Wäls Fresh Beer, um erro gigantesco da casa, que conseguiu a proeza de entregar uma American IPA com diacetil! O off-flavour incomoda no aroma, onde está mais presente. No paladar, a carga potente de lúpulos consegue encobri-lo, mas não escondê-lo. Ele está ali, para qualquer um sentir. Uma pena. Já a Alambique County é um delicioso acerto da casa, uma bela Tripel amadeirada com intensa presença de banana passa e castanha de Baru. Delícia. Fechando a série com uma Berliner que mais parece uma Fruit Beer, uma boa Fruit Beer, frutada e refrescante. Delicinha.

Wäls MadLab Royal Saison
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,28/5

Wäls MadLab Sauvin Blanc
– Produto: Biére de Garde
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.1%
– Nota: 3,14/5

Wäls MadLab Barrel Wheat
– Produto: Strong Wheat Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 3,55/5

Wäls MadLab Crazy Lambs
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,56/5

MadLab Doppelbock Wood & Fire
– Produto: Doppelbock
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,57/5

Wäls Wild ALE EAP
– Produto: Flanders Brown Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,57/5

Wäls Cuvée de Carneiro
– Produto: Flanders Brown Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,75/5

Wäls Fresh Beer
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 2,16/5

Wäls Alambique County
– Produto: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 3,71/5

Wäls Berliner
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.3%
– Nota: 3.34/5

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