“Meninos em Fúria”, de Clemente Tadeu Nascimento e Marcelo Rubens Paiva (Alfaguara)
por Adriano Mello Costa
“Nós estamos aqui para revolucionar a Música Popular Brasileira, para dizer a verdade sem disfarces (e não tornar bela a imunda realidade): para pintar de negro a asa-branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer”.
O polêmico e enérgico trecho acima é do final do manifesto punk escrito por Clemente Tadeu Nascimento no início dos anos 80. O líder da banda Inocentes, na ativa até hoje (ele ainda é integrante fixo da Plebe Rude), é ícone dessa geração e revê essa época no livro “Meninos em Fúria” em parceria com o escritor Marcelo Rubens Paiva (de “Feliz Ano Velho” e “Blecaute”, entre outros) que também viveu esses momentos e se envolveu neles. Com lançamento pelo selo Alfaguara, da Companhia das Letras, em 2016, “Meninos em Fúria” traz 224 páginas e apresenta o subtítulo “E o som que mudou a música para sempre”. Guardadas as dimensões do que essa frase enseja, o livro retrata os primórdios do punk no Brasil e como ele caminhou nesses primeiros anos entre preconceitos, brigas de gangues, acordes rápidos, afirmação e revolta de uma turma que não se sentia representada por nada daquilo que o país exibia de maneira geral. O texto é construído de forma a esbanjar fluidez e se permite transitar não somente pela música que retrata e dá mote ao livro, como também pelas experiências pessoais dos autores, o crescimento e as dúvidas de cada um, além de passar sabiamente pelo começo do processo de abertura política do país, fruto de uma ditadura que deixou corpos e anos tenebrosos no meio do caminho. “Meninos em Fúria” pode ser entendido como um valioso instrumento histórico, retrato parcial de um tempo que hoje já parece distante (mas não é), contudo pode ser entendido também como um romance juvenil e de descoberta envolto em música, namores, sexo, drogas, álcool e muito inconformismo, sendo que por onde quer que se entenda funciona muito bem.
Nota: 8
“Viva La Vida Tosca”, de João Gordo e André Barcinski (Darkside Books)
por Marcelo Costa
Personagem excêntrico, polêmico e carismático da música brasileira, João Francisco Benedan é o frontman dos Ratos de Porão a 34 anos (o mítico combo nasceu em 1981, mas João Gordo só assumiu o vocal em 1983), e o fato de tornar-se uma Imagem Pública Ltda mesmo estando à frente de uma banda que faz um crossover infernal de thrash, punk, hardcore e metal demonstra o quanto esse problemático pai de família rock’n roll soube aproveitar as brechas que se abriram numa vida recheada de desacertos. Resultado de 18 meses de entrevistas com André Barcinski (autor dos livros “Barulho – Uma Viagem ao Underground do Rock Americano”, 1992; “Zé Do Caixão – Maldito”, 1998; e “Sepultura – Toda a História”, 1999; entre outros), “Viva La Vida Tosca” é narrado em primeira pessoa e consegue manter a proeza de praticamente soar como um áudio book em off na cabeça do leitor, que devora as páginas visualizando João Gordo narrar suas histórias daquele jeito tresloucado e todo particular que ele elevou a arte na MTv, na TV Record, em shows e entrevistas através dos anos. Está tudo aqui, do relacionamento tempestuoso com o pai até o período em que foi chefe de bateria de um grupo de maracatu no interior de São Paulo, do uso excessivo de drogas (que quase lhe custaram a vida) a sua relação complicada com os irmãos (e a mãe) Cavalera, dos primeiros anos do punk rock no Brasil até as aventuras em turnês gringas, e o grande mérito de João Gordo em “Viva La Vida Tosca” é soar (um, dois, três… desculpe o termo batido)… honesto. “Consegui estar do lado certo da minha vida errada”, ele conclui já no trecho final de uma biografia emocional, divertida e punk rock.
Nota: 9
“Rita Lee: Uma Biografia”, Rita Lee (Globo Livros)
por Marcelo Costa
Rita Lee Jones sempre foi provocadora, e essa biografia é bastante representativa nesse quesito, tanto que dividiu fãs e detratores, com muitos se sentindo ultrajados por Rita mijar divertidamente sobre alguns cânones de sua própria história (que se confundem com a história do rock no Brasil). Para degustar este delicado volume vale lembrar-se da máxima de Peter Hook, baixista sarrista do Joy Division e New Order, que abre um de seus livros com a esclarecedora frase: “Esse livro é a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade… do modo que me lembro”. Partindo desse mantra, Rita diminui a importância d’Os Mutantes (seu argumento frágil é de que ela “estava lá” e sabe como tudo foi feito, o que a coloca em posição preferencial frente a críticos puxas-saco) e esculacha frutos proibidos (na verdade, só o fruto guitarrista) e biógrafos (desdenhe-a: “A Divina Comédia dos Mutantes” é um baita livro) numa narrativa que opta pelo formato de pequenos contos que parecem retirados do diário de uma adolescente que mantém o mesmo tom para narrar tanto abusos sexuais quanto encontros com rock stars planetários. E tudo isso é… a verdade de Rita Lee. O resultado é um passeio que coloca o leitor na janelinha de um ônibus cuja linha atravessa a história pessoal de Rita e da música brasileira dos últimos 50 anos com vários momentos imperdíveis. O trecho final, porém, é chocolate bem amargo. “Aposentada” (ela conseguiu, nós não), ela crava: “A raça humana não deu lá muito certo (…). É um tal de política destruindo a liberdade, de medicina destruindo a saúde, de jornalismo destruindo a informação, de advogados e policiais destruindo a justiça, de universidades destruindo o conhecimento, de religiões destruindo a espiritualidade. Confie em Deus, mas tranque o carro”. Palmas!
Nota: 10
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.