por Renan Guerra
Todos os filmes estão disponíveis na Netflix
“Tower”, de Keith Maitland (2016)
Em agosto de 1966, um homem matou a sua mãe e sua namorada a facadas, saiu de casa, entrou na torre da Universidade de Texas, em Austin, nos EUA, subiu até o topo e de lá abriu fogo contra tudo e todos durante intermináveis 96 minutos, deixando 14 mortos e 31 feridos. Para reconstruir a história de um dos primeiros massacres com arma de fogo dos Estados Unidos, “Tower” opta pela animação gráfica, trazendo assim a perspectiva das vítimas e toda a tensão vivida durante esse tempo. Com mais de 100 entrevistados em seus créditos e muitas imagens de arquivo, é sábia a escolha de determinados personagens como centrais: uma mulher grávida e seu namorado; alguns policiais; um garotinho entregador de jornais; dois estudantes; um vendedor. Com essa ótica bem delimitada, mergulhamos diretamente na tensão e no medo que essas pessoas sentiram, buscando mais esse olhar humano em meio a violência e ao choque da situação. O filme não busca em nenhum momento tentar entender ou explicar as razões do assassino, mas através dos relatos podemos ter uma noção mais concreta da relação dos estadunidenses com as armas de fogo: nessa uma hora e meia de tiroteio, inúmeros moradores de Austin surgiram com suas carabinas prontos a fazer justiça com suas próprias mãos, gerando um conflito armado que assustou ainda mais os moradores. Sem defender uma tese ou algo do tipo, “Tower” busca nos contar uma história e tirar fagulhas de generosidade e coragem do meio da insensatez humana.
Nota: 7
“Strike a Pose”, de Ester Gould e Reijer Zwaan (2016)
“Blond Ambition” (1990) foi uma das mais icônicas turnês de Madonna e, talvez, a que mais gerou polêmica por onde passou. É a partir dela que surge o documentário “Na Cama com Madonna” (1991), um sucesso também controverso no início dos anos 90, que falava de liberdade sexual, da vida pessoal de Madonna e apresentava seu cotidiano ao lado de seus bailarinos. É sobre estes personagens que “Strike a Pose” mira sua lente, tentando entender o que ocorreu com aqueles sete jovens que dançavam voguing no palco com a rainha do pop. Com um início saudosista, que tenta captar aquela aura do início dos anos 90, o filme realmente engrena a partir de meia hora, quando começamos a ver o que aconteceu após o fim da turnê: 7 jovens (6 deles gays) alçados à fama e transformados em ícones de uma expressão de liberdade e sexualidade em meio a uma epidemia da AIDS. Acompanhamos os processos que alguns deles moveram contra a cantora (especialmente pela exposição após o lançamento do filme) e também vemos como ela foi se distanciando deles ao mesmo tempo em que eles foram perdendo aquilo que conquistaram. Sendo assim, Madonna aparece no filme apenas em imagens de arquivo e sempre pela voz dos dançarinos. De qualquer modo, um ponto crucial do filme é como ele demarca a fundamentalidade de Madonna para a comunidade LGBT num momento em que ela era rechaçada e cada vez mais estigmatizada pela AIDS; nesse sentido, é dicotômico como três dos bailarinos são soropositivos e esconderam isso durante muito tempo. Como todo filme de personagens que já vivenciaram a fama e sua derrocada, há certo ar de rancor em alguns deles, mas um momento simbólico é quando a mãe de um dos dançarinos fala, com lágrimas nos olhos, sobre o fato de que Madonna abriu portas para seu filho e ele próprio as fechara. No todo, “Strike a Pose” é um belo retrato de uma época, trazendo um olhar pontual sobre a história LGBT, as nossas escolhas individuais e a forma como aprendemos a lidar com isso.
Nota: 8
“Tickled”, David Farrier e Dylan Reeve (2016)
David Farrier é apresentador de TV na Nova Zelândia, sendo famoso no país por seus programas que mesclam jornalismo e humor. Após descobrir curiosos campeonatos de cócegas na internet, David decide investigar mais a fundo a prática, no intuito de fazer alguma matéria, porém seu contato com a produtora Jane O’Brien Media, responsável pelos vídeos de cócegas, começa de forma hostil. É a partir daí que surge “Tickled”, um filme que parte de um plot realmente curioso e que adentra num submundo pantanoso e perigoso. Inicialmente, vemos toda essa aura fetichista sobre homens malhados fazendo cócegas uns nos outros e como isso gerou redes de contato na internet, porém as ameaças da tal Jane O’Brien aos dois diretores do filme os leva numa investigação maior, que vai nos inserindo num perigoso trillher psicológico: ameaçados, processados e cada vez mais curiosos, David e Dylan criam um filme assustador, que mostra como algo inofensivo como cócegas atrapalhou a vida de muitos jovens e como um mercado milionário e perigoso se criou em torno disso. Busque fugir de spoilers e entre no filme pronto pra embarcar nesse quebra-cabeças instigante e envolvente, que mistura internet, sexualidade e crime. Aclamado internacionalmente, “Tickled” ainda gera entraves legais para seus diretores e toda a trama desenvolvida no filme se tornou material para que as investigações sigam pela web: é quase impossível você terminar de assisti-lo e não querer ir além. “Tickled” é um trabalho meticuloso e estranho que nos leva do assombro a reflexão em um ritmo cativante.
Nota: 8
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites You! Me! Dancing! e Scream & Yell.
Vi Tickled por acaso, zapeando pelo Netflix. O que me interessou foi o tema inusitado e ridículo, principalmente devido a descrição que a Netflix colocou. Pensei apenas no grotesco e na piada pronta, mas (que bom) não é nada disso! o documentário é um thriller tenso e triste, mas sensacional. Vale a pena.