por Adriano Mello Costa
“Objetos Cortantes”, de Gillian Flynn (Editora Intrínseca)
Com “Garota Exemplar” (2012), a escritora Gillian Flynn se tornou conhecida em boa parte do mundo, ainda mais depois da ótima adaptação cinematográfica feita pelo diretor David Fincher em 2014. No ano seguinte, a editora Intrínseca colocou nas livrarias brasileiras sua estreia, “Objetos Cortantes”X (Sharp Objects, no original), que saiu nos EUA em 2006. Com 256 páginas e tradução de Alexandre Martins, a obra tem como protagonista Camille Preaker, que trabalha em um pequeno jornal de Chigago, longe dos líderes do setor. Por essa razão, o editor resolve enviá-la a pequena e pacata Wind Gap, no estado do Missouri, cidade onde ela cresceu e passou boa parte da vida. O intuito é fazer uma matéria sobre dois assassinatos de crianças que os grandes jornais ainda não prestaram atenção, pois estão voltados para outros assuntos, e assim dar um furo à pequena empresa. Receosa e muito relutante, Camille se manda para a cidade natal para ficar na casa da mãe, com quem nunca se deu bem, do padrasto que mal fala e da pequena meia-irmã que não conhece direito. Durante o livro, além de mostrar todas as agruras passadas e as marcas que deixaram na personagem principal, a autora leva o interesse pelo caso devagarinho para o caminho da obsessão, enquanto preenche os espaços com coadjuvantes repletos de segredos e disfunções. Em “Objetos Cortantes”, Gillian Flynn faz um suspense sombrio e digno, já expondo as qualidades que usou com grande destreza na obra de maior sucesso, como deixar a ambiguidade sempre presente e fazer uma reviravolta na trama quando o leitor menos espera. A autora, que já teve dois livros adaptados para o cinema (o já citado “Garota Exemplar” e também “Lugares Escuros”, de 2010), agora verá “Objetos Cortantes” se transformar em série que, por enquanto, tem produção da HBO e a estupenda Amy Adams no papel de Camille Preaker. Nada mal.
Nota: 7
Leia também:
– “Garota Exemplar’ é uma boa e surpreendente exceção no ramo dos best-sellers (leia mais)
– “Garota Exemplar”, o filme, é um bem acabado retrato da sociedade atual (leia mais)
“História da Sua Vida e Outros Contos”, de Ted Chiang (Editora Intrínseca)
Ted Chiang nasceu em Nova York em 1967, é formado em ciência da computação e escreve hábeis contos sobre ficção científica, o que já lhe rendeu prêmios literários desejados como o Nebula e o Hugo. Em 2016, sua obra ganhou maior amplitude porque um conto seu foi adaptado para gerar o ótimo filme indicado ao Oscar “A Chegada”, de Denis Villeneuve, o que fez a editora Intrínseca lançar no país o livro “História da Sua Vida e Outros Contos” (“Stories of Your Life and Others”, no original) com 368 páginas e tradução de Edmundo Barreiros. O livro agrupa oito contos publicados entre 1990 e 2002 em veículos diversos, além de uma pequena nota explicativa sobre cada um deles no final. De produção esporádica (ainda não escreveu duas dezenas de contos no total), Ted Chiang passeia com cuidado e muito garbo pelas histórias que propõe contar, seja nos questionamentos religiosos de “Torre de Babilônia” e “O Inferno é a Ausência de Deus”, seja em temas mais matemáticos como em “Divisão por Zero” ou na essência pura da ficção científica de “Gostando Do Que Vê: Um Documentário” e “História da Sua Vida”, que dá nome ao livro e inspirou “A Chegada”. O texto de Chiang, por mais técnico que se apresente em determinados momentos, é plenamente inteligível, ainda que careça de uma atenção mais dedicada do leitor. Fascinado por matemática e física, ele quase as sempre usa como personagem meio oculto, mas primordial, a linguagem, a comunicação entre nós e entre aquilo que nos rodeia no mundo, o que deixa os textos ainda mais intrigantes. Exibe o que a ficção científica pode apresentar de melhor com tramas emblemáticas e surpreendentes, que como acontece com obras desse segmento fazem o leitor questionar sobre como estamos caminhando aqui neste pequeno planeta azul.
Nota: 8
Leia também:
– “A Chegada” é ficção científica das boas, digna de figurar entre as melhores do gênero (aqui)
“Forrest Gump – Edição de 30 Anos”, de Winston Groom (Editora Aleph)
Dirigido por Robert Zemeckis, “Forrest Gump” fez 480 milhões de dólares de bilheteria em 1994 e faturou 6 Oscars, incluindo filme, diretor, ator e roteiro adaptado, este último construído por Eric Roth com base no livro de Winston Groom lançado em 1986, que tinha vendagem razoável e, após o filme, se transformou em best-seller. Em 2016, o livro completou 30 anos e a editora Aleph publicou uma reedição belíssima da obra. Com 394 páginas e tradução caprichada de Aline Storto Pereira, o livro é abrilhantado por diversas ilustrações do gaúcho Rafael Albuquerque, um dos grandes quadrinistas do país na atualidade, e conta com textos adicionais, incluindo um excelente ao final que compara livro e filme com muito mérito. No livro, Forrest é um idiota completamente diferente, consciente dos seus atos e que sabe bem onde está pisando. Além disso, o personagem carrega consigo uma carga satírica e crítica (ao seu modo) para o país e instituições como Exército e NASA. Ressalte-se também que o Forrest do livro é um cara com habilidade intelectual em certos segmentos e não aquele virgem pueril e sortudo que o filme de Zemeckis fez cravar na memória. Essa edição da Aleph é extremamente bem-vinda porque oferece a uma nova leva de leitores o texto ácido e repleto de desconstrução que o autor imaginou para o protagonista. Winston Groom faz o leitor rir sozinho durante a leitura no contraste provocado entre o absurdo e o ingênuo, como instiga pelas cutucadas que distribui para todos os lados. Na reconstrução do personagem para o cinema, o texto foi amaciado e praticamente todo o cunho político da obra foi retirado para agradar o americano médio, mostrando que até mesmo um idiota sem muito conhecimento pode vencer na vida e virar um milionário. É de imaginar até que o Forrest do filme fosse, por exemplo, um dedicado eleitor de Donald Trump, enquanto o do livro iria pelo caminho inverso. Mesmo que a decisão cinematográfica tenha obviamente rendido muitos frutos e o filme seja hoje um clássico com uma trilha sonora esplendorosa, o livro mostra o verdadeiro Forrest Gump imaginado pelo autor.
Nota: 9
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop