por Adriano Mello Costa
“Mulher-Maravilha: Terra Um”, de Grant Morrison e Yanick Paquette (Panini)
Depois de Superman e Batman aparecerem na linha “Terra Um”, da DC Comics, em que autores podem escrever tramas fora do emaranhado que é a cronologia da editora, chegou a vez da Mulher-Maravilha completar a trindade dentro do projeto. Criada em 1941 por William Moulton Marston, a heroína bela e guerreira ganha uma repaginada nas origens através de roteiro de Grant Morrison (“Sete Soldados da Vitória”) e arte de Yanick Paquette (“Monstro do Pântano”). A Panini publicou aqui no final de 2016 toda a trama que originalmente saiu nos EUA no mesmo ano visando comemorar os 75 anos da princesa amazona. Com capa dura, lombada quadrada e 154 páginas, incluindo vários esboços de extras, temos a história de Diana imaginada pelo abade escocês que, como de costume, aborda as coisas de maneira diferente do usual. “Mulher-Maravilha: Terra Um” mostra a princesa não se contentando com o mundo a que está acostumada e deseja sair da Ilha Paraíso a qualquer custo, para desgosto da sua mãe e as habitantes do local. Ela recebe a oportunidade quando Steve Trevor (agora negro) despenca com seu avião e precisa urgentemente de ajuda para não morrer. É quando Diana aproveita a deixa e monta um plano para fugir ao mundo exterior e se deparar com cultura e pessoas totalmente diferentes. O autor não deixa de lado a mitologia que cerca a origem, mas tenta caminhar por outras ruas preenchidas por poder feminino, família, liberdade, respeito e uma sexualidade até então vista com rara frequência nas histórias da personagem, que tem reflexo na arte de Paquette, que apresenta uma Diana extraordinariamente linda. Na proximidade da estreia do filme com Gal Gadot no papel da heroína prevista para junho desse ano, essa edição do Grant Morrison é mais que oportuna, ainda que com alguma inconsistência.
Nota: 7
“Você é um Babaca, Bernardo”, de Alexandre S. Lourenço (Editora Mino)
Alexandre S. Lourenço já vinha fazendo bonito nos seus quadrinhos online e em “Robô Esmaga”, reunião de parte desse trabalho publicado em 2015. Em setembro de 2016 apresentou uma obra ainda mais interessante em sua primeira aventura mais longa, longe das pequenas tiras habituais. “Você é um Babaca, Bernardo” tem 132 páginas e foi lançado pela editora Mino trazendo algumas ideias já exploradas antes pelo autor como cotidiano, rotina e inadequação social, mas embaladas em uma versão apurada e com apresentação sequencial. Mantendo o traço minimalista e quase não utilizando de quadros tradicionais, expondo novamente a experimentação que gosta de fazer, Lourenço criou uma história arrebatadora sobre temas que em teoria não são interessantes no seu cerne, mas estão presentes em todos os lugares, em cada esquina. A maneira que encontra para narrar o dia a dia do personagem principal é notável e faz o leitor ficar atento a cada pequeno detalhe que insere gradativamente. O personagem Bernardo é um cara comum, com uma vidinha ordinária e sem quaisquer surpresas. Acorda, se arruma, vai ao trabalho, volta para casa, assiste televisão e dorme. No outro dia faz tudo de novo. Às vezes vai ao trabalho de ônibus, outras de bicicleta, porém sempre se posicionando no mesmo cubículo até a hora de retornar para casa. Rotina, rotina e mais rotina até que uma garota cruza o caminho e as coisas passam a ser olhadas por outro viés. Em “Você é um Babaca, Bernardo”, Alexandre S. Lourenço explora a relação entre mente e corpo, entre desejo e acomodação, entre inércia e vontade. Uma briga que no cansaço da vida é vencida na maioria das vezes pela opção mais fácil, o que acaba por deixar tudo mecânico e insosso. Explorando sabiamente esses pontos o autor apresenta uma obra que faz o leitor ponderar sobre o estado atual das coisas.
Nota: 9
Leia também:
– Alexandre S. Lourenço arranca sorrisos do leitor com “Robô, Esmaga” (leia aqui)
“Xampu – Volume I e II”, de Roger Cruz (Panini e Stout Club)
O paulistano Roger Cruz é um dos artistas nacionais mais talentosos dentro dos quadrinhos e já há algum tempo com trabalhos de respeito na Marvel em revistas do X-Men e Hulk, entre outros. Em 2010 publicou pela editora Devir uma obra autoral onde assumia roteiro e arte para contar uma história com tons biográficos intitulada “Xampu: Lovely Losers”. No segundo semestre de 2016, a Panini Comics em parceria com o Stout Club decidiu (ainda bem) relançar a obra, parte inicial de uma trilogia. Ainda em 2016 a mesma dupla colocou no mercado o segundo volume da narrativa com lançamento na Comic Con Experience. “Xampu – Volume I” e “Xampu – Volume II” tem 80 páginas cada uma e são ambientadas no final dos anos 80 e início dos 90 retratando jovens preocupados em curtir a vida, bater papo, escutar rock, montar uma banda e descolar leves paixões no decorrer dessa jornada. Do outro lado dessa farra estão os anseios, sonhos e receios não só inerentes a idade, como também ao aumento de responsabilidades, a busca por grana e o tão assustador futuro que se apresenta nessas horas, ainda mais em um período de transformações sociais e culturais. Tanto na arte em preto e branco que insere drama e humor com a mesma competência, quanto na forma de contar a história que ora opta por ser mais individualizada, ora mais ampla, Roger Cruz comete um acerto atrás do outro. A obra apresenta um indubitável cheiro de nostalgia, contudo não se resume a isso, sendo que qualquer grupo de jovens que viveu em qualquer época pode ver a sua turma refletida em alguma das linhas dali em personagens como Max, Raquel, Sombra e Nicole, além dos causos e histórias como a ida ao primeiro grande festival de música. Mas é lógico que para quem viveu nesses anos o sabor é ainda mais doce e aprazível. Não deixe de ler.
Nota: 9
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop
Achei o Terra Um da Mulher Maravilha bem confuso, com um roteiro que vai do nada pra lugar nenhum. Curiosidade: ness história, a inspiração para desenhar a personagem foi o Sasha Grey.
E sobre Xampu, ambas as edições são excelentes e, como bem diz o texto, trazem memórias deliciosas à mente.