por Adriano Mello Costa
“The Last Of Us: Sonhos Americanos”, de Neil Druckmann, Faith Erin Hicks e Rachelle Rosenberg (NewPOP Editora)
“The Last Of Us” é um jogo de ação e sobrevivência desenvolvido pela Naughty Dog (de “Uncharted”). Com o sucesso na esfera dos games é comum que se invada outras mídias – como, por exemplo, os quadrinhos. E é isso que acontece em “The Last Of Us: Sonhos Americanos”, que reúne as quatro edições publicadas originalmente pela Dark Horse em uma única revista, lançada aqui pela NewPOP Editora com 104 páginas. A casa mais acostumada com a publicação de mangás se aventura por outro estilo com bom cuidado editorial nessa trama desenvolvida em parceria pelo diretor criativo do jogo Neil Druckmann com Faith Erin Hicks, que também assume a arte do volume e conta com Rachelle Rosenberg nas cores. Optou-se por contar uma história de origem nessa hq, então ela ocorre antes dos eventos vividos no game (19 anos antes para ser mais exato), com foco na personagem Ellie, que ainda adolescente aqui convive com o início do surto que mata uma quantia considerável da população global. Ellie acaba de chegar a uma escola militar que representa um dos poucos lugares seguros das redondezas. Lá conhece outra garota chamada Riley e além de conquistar uma suada amizade com ela, passa a enxergar as coisas de modo um pouco mais ampliado. Isso somado a sua inconsequência juvenil, sua inquietação constante e a dificuldade de aceitar ordens prove bons momentos de ação na revista. A arte de Faith Erin Hicks incomoda um pouco na entrada, mas depois serve bem aos propósitos de uma obra voltada ao público jovem. E aí reside o principal problema de “The Last Of Us: Sonhos Americanos”, que é funcionar somente para o público a que se destina. No mais, consegue agradar como expansão do universo do jogo, deixando os fãs felizes, o que deve ser a missão principal de franquias que se expõem para outras mídias.
Nota: 6
“Bear – Volume 3”, de Bianca Pinheiro (Editora Nemo)
Uma menininha de mais ou menos seis anos se perde dos pais e, com sorte, encontra alguém mais velho e pede ajuda para encontrá-los novamente. A bronca é que esse alguém é um urso meio rabugento que ela tem a estupenda ideia de despertar em uma caverna e que surpreendentemente comovido assume a incumbência. Essa é trama básica de “Bear”, obra da quadrinhista curitibana Bianca Pinheiro, que publicada originalmente como uma webcomic ganhou versão impressa pela editora Nemo e já está no terceiro volume lançado no ano passado. “Bear – Volume 3” dá continuidade a jornada dos dois e dessa vez muda o local da aventura para dentro da água. Com 88 páginas e o mesmo formato dos anteriores (20x32cm), personagens já conhecidos retornam enquanto a dupla vai produzindo o bem enquanto tenta achar os pais de Raven. Bianca Pinheiro é dotada de um senso extremo de sensibilidade que espalha pelas páginas do álbum e que também podemos ver em outros lançamentos seus, como em “Dora” e na Graphic MSP “Mônica: Força”. A fantasia infanto-juvenil que ela elabora nesta obra consegue ir além do público esperado e agrada com seus traços limpos e cores bem usadas. Além disso, Bianca brinda o leitor com diversas referências, umas bem óbvias e outras nem tanto, que geram uma repentina satisfação quando são percebidas, como também expande as formas de linguagem inserindo até a si mesmo como uma espécie de “oráculo”. Leve, descompromissada e divertida, mas sem ser boba demais, “Bear” mostra uma autora com completo domínio da história que conta e é leitura certeira para seu filho, sobrinho ou afilhado, que irão se encantar com as peripécias de Raven e Dimas.
Só uma dica: antes de passar a eles dê uma lida também. Não te arrependerás.
Nota: 7
“Sopa de Lágrimas”, Gilbert Hernandez (Editora Veneta)
Pegue a literatura de Gabriel Garcia Márquez, José J. Veiga e Manuel Scorza e adicione obras de cunho juvenil daquelas que trazem humor, pirraças e descobertas. No meio coloque uma farta dose de sensualidade latina, sem muito pudor ou reserva disso para no final completar com acentuadas pitadas de escárnio e crítica social. O resultado de tudo é “Sopa de Lágrimas” (Heartbreak Soup, no original) do quadrinhista Gilbert Hernandez, mais conhecido por seu trabalho na necessária “Love And Rockets”, feita junto com os irmãos. A editora Veneta resolveu relançar em 2016 a história no Brasil e o primeiro volume (outros dois estão previstos) tem 288 páginas, tradução de Marina Della Valle e cobre o período de publicação de 1983 a 1986. A obra que já recebeu elogios de nomes do porte de Robert Crumb, Howard Chaykin e Neil Gaiman se situa na fictícia Palomar, uma pequena (mas nada pacata) cidade situada em algum país da América do Sul. Para criar tão fielmente a ambientação e seus personagens, o autor se valeu também das histórias que ouvia em casa de avós e tias que moraram no México antes de partirem para os EUA, sendo que boa parte desses causos foi repassado ao papel. Em preto e branco, com desenhos privilegiando formas e rostos e capítulos que vão e voltam no tempo sem ordem determinada, Gilbert Hernandez criou em “Sopa de Lágrimas” uma obra poderosa e, ao mesmo tempo, visceral e divertida. Com destaque para mulheres de personalidade forte como a fantástica Luba e a musculosa Chelo, o autor insere diversos outros personagens que pouco a pouco ganham a simpatia do leitor como Pipo, Carmem e o memorável Tip e sua relação nada fácil com amores não correspondidos. “Sopa de Lágrimas” é o tipo de obra altamente recomendável que faz dos quadrinhos uma arte mais rica e exuberante.
Nota: 9,5
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop