por Richard Cruz
Alexandre Cruz Sesper é, apesar da aparência calma, um homem inquieto. Ele é o Farofa, vocalista do Garage Fuzz, verdadeira instituição do hardcore santista, que esse ano completa 25 anos com um CD acústico (!).
Também é o artista plástico Sesper (http://www.sesper.com), que trabalha com uma mistura de tinta, colagem e objetos usados ; é o vocalista do trio pós punk Pessimists (https://theepessimists.bandcamp.com), que já fez até turnê de 45 datas na gringa. Também é um dos encorajadores da volta da fita k7 no Brasil, lançando todos os seus projetos musicais nesse formato.
E agora ainda é ACruzSesper (https://acruzsesper.bandcamp.com), seu projeto solo no qual canta, toca guitarra e todos os instrumentos em gravações lo fi, que tem as capas dos discos de vinil feitas a mão. Nessa entrevista, Alexandre fala um pouco sobre suas (muitas) atividades.
Trabalhos como artista plástico, Garage Fuzz fazendo 25 anos, bandas paralelas, projeto solo. Como fazer pra conciliar tudo isso ?
Na real tenho consciência disso, mas não penso muito sobre. É como se a vida nunca tivesse mudado desde que iniciei esse caminho quando tinha uns 15 anos de idade no final dos anos 80 começando a trocar correspondência, fazer banda e zine. Às vezes me pego indo no correio levando pacotes da distro a pé e penso por alguns segundos na possibilidade de ter feito outra coisa da vida, mas essa foi a escolha. Como fazer para conciliar? Acredito que tem a ver com minha mãe e pai que, apesar de não incentivarem 100%, nunca proibiram também. Familia classe media… queriam que eu estudasse, podiam achar uma doideira o que estava fazendo, mas, beleza. E aí depois a Alexandra (vocalista da banda paulistana Pin Ups), quando namoramos e casamos há 23 anos, me apoiou muito sempre acreditando e ajudando até os dias de hoje e depois consecutivamente nossas filhas que ao se interessarem pelos assuntos relacionados a nossa realidade e universo, me incentivam novamente a fazer novos lances.
“Not Count for Spit” (2016), do ACruzSesper, é tanto um projeto musical quanto de artes plásticas, além de soar totalmente diferente do trabalho no Garage Fuzz. Aquela sonoridade lo fi não caberia de forma alguma na banda principal?
Acho que não caberia atualmente porque na ultima década fizemos nossos discos no Estudio Playrec e acho que o ideal sempre foi chegar perto da qualidade do que estávamos escutando em determinado período. Então são discos com produções mais cuidadas, as gravações que fiz foram todas em estúdios caseiros ou no porta estúdio em que gravo em casa. Então, acho que no padrão de qualidade que o Garage Fuzz procura, estaria como “uma boa captação de Ideias para novas musicas” (risos).
“Samuel” (2016) foi lançado apenas em apps de streaming e consegue ser ainda mais cru e melancólico que o anterior. Em que circunstâncias foi gravado?
Eu fiz uma tiragem em cassete agora com apenas 35 cópias totalmente handmade. Gravei ele em casa em um Tascam 4 canais. Na verdade, esse EP foi a cobaia, primeira gravação. Fiz as músicas e gravei em dois dias. Basicamente, no momento que a ideia aparecia ela já era gravada como está na versão final. Nosso cachorro Samuel viveu 17 anos e numa manhã de terça feira tivemos que leva-lo para sacrificar. Ficamos muito tristes. Um dia, a Alê virou e falou que eu não tinha feito nenhuma homenagem para o Samuel nos shows que tinha feito na época. Então me tranquei dois dias e fiz esses sons, que até acho mais alegres que o “Not Count for Spit”, que é mais denso e depressivo, na minha visão, mas as pessoas tem definido como introspectivo (nota: depois da entrevista, feita no final de 2016, Sesper já lançou, em 2017, mais um trabalho em K7 e streaming chamado “No Song as a Trio”, com versões de algumas músicas do “No Count For a Spit”, gravadas no formato “banda completa”).
O Thee Pessimists fez recentemente (em 2016) vários shows pelos Estados Unidos. Como foi essa tour? O Brasil vai ver o post punk da banda ao vivo?
Fizemos uma brincadeira no meio de uma conversa, em 2011 ainda, entre eu, a Camila e a Natha (que depois formou a banda feminina Rakta), que teríamos uma banda quando a Nathalia começasse a tocar bateria. O estilo seria de batidas minimais e riffs de três notas. Aí em 2014 eu tinha umas bases, fizemos dois ensaios e gravamos as primeiras seis musicas que lançamos tipo uma demo K7. Já sabíamos que a Nathalia ia sair durante meses com o Rakta e depois iria morar em Buenos Aires, então seria um formato não convencional de banda / projeto. Aí os amigos foram nos chamando para tocar e fizemos dois shows de graça na rua para a The Records / Rolo Seco. Um tempo depois o Nick (Coke Bust / Sem Hastro) curtiu a banda e falou que poderia fazer uma tour nos Estados Unidos. Ele agilizou tudo mesmo e foram 45 shows bem legais no esquema DIY. Aí para a tour saiu nosso EP de 7 polegadas pela Nada Nada Discos e agora estamos esperando um 12 polegadas com todas as músicas que gravamos e que sairá na Europa via Sabotage Records. Já tocamos no fim do ano passado com o Mc Rad e Static Control em São Paulo.
A opção pelo Do It Yourself sempre foi muito presente em todos os teus trabalhos. Dá o retorno esperado? O trabalho musical interfere de alguma forma no trabalho com artes, ou vice-versa?
Depende, nunca comecei nada esperando retorno financeiro. No máximo cobrir os gastos. Sempre foi um pensamento assim: “Bom, 1% da humanidade faz o que teoricamente quer fazer mesmo, você pode fazer o que realmente sonhava, então aproveita e curte o caminho e o processo, porque depois de tudo, isso é o que vai ficar e faz valer a pena”. Claro que só fui ter essa noção quando já estava acabando a década de 90, mas levei esse pensamento por quase duas décadas. Às vezes funciona, às vezes não. Às vezes fazer o que você não está muito na pegada de fazer é a roubada também, porque não vai ter um retorno financeiro e você vai ter que empregar sua maior riqueza, que é o seu tempo. Na maior parte das vezes, acho que o DIY dá errado quando você está fazendo algo forçado, esperando um retorno que dificilmente vem em curto prazo. Quando você faz consciente do que está fazendo, com coração e tendo prazer e felicidade em fazer aquilo, não tem como dar errado. A riqueza e o tesouro estão em outro lugar, não apenas no dinheiro. Eu transito em períodos. Quando estou fazendo mais artes não estou tocando ou gravando e vice versa. Acho que um acaba preenchendo a ausência do outro em determinadas épocas.
Por que a opção de lançar os trabalhos das tuas bandas em vinil e cassete?
Eu curto todos os formatos e atualmente não faço uma tiragem em CD porque ele tem caminhado muito próximo ao das plataformas digitais, ao contrario do vinil e da fita cassete que entraram em um nicho mais para colecionadores. Além disso, a tiragem torna-se mais exclusiva, o que proporciona, no meu caso também, a possibilidade de customizar manualmente algumas partes das tiragens.