por Ana Clara Matta
As luzes se apagam no cinema e a primeira coisa que você escuta é ele mesmo, o refrão que une todos os filmes da franquia Harry Potter, o icônico tema de John Williams. Depois de aproximadamente doze compassos desse tema soar pela sala, ele é bruscamente interrompido pelo novo tema de James Newton Howard, feito para a nova franquia. Sem a menor cerimônia, a trilha nos faz compreender que esse é um novo tipo de sequência. Nos relocaliza em outra era, em outro país, e em outro clima. Começa então um novo filme, “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, e ganha força uma nova proposta na criação de franquias cinematográficas: o universo compartilhado.
Não é difícil dizer que J.K. Rowling, David Yates e toda a equipe da Warner britânica retiraram a ideia do universo compartilhado da franquia de maior sucesso da atualidade, o universo Marvel, em que filmes com diferentes autores, protagonistas e até mesmo situados em países e eras diversificadas dialogam entre si e entram em contato direto em eventos coletivos. Mas esse é um caldo que está sendo cozido há anos, e parte da responsabilidade pela sua criação pode ser até mesmo atribuída à… J.K. Rowling.
O lançamento de livretos como “Animais Fantásticos” (2001), “Quadribol Através dos Tempos” (2001) e “Os contos de Beedle, o Bardo” (2008), aumentavam a imersão do leitor em uma mitologia que ia além da história de seu herói. Os livros vinham com pistas cômicas sobre seus donos, anotações de biblioteca, uma imitação de realidade. O site Pottermore ampliou essa imitação, permitindo a J.K. a vazão de novos textos e elementos dessa mitologia, que foi se transformando em universal, com a expansão para novos países. O universo Harry Potter não é um mero aluno na escola Marvel. É um professor graduado.
Esse novo formato aponta para o futuro das franquias porque é mais flexível, narrativamente, que uma série sem fim de sequências diretas envolvendo os mesmos personagens, sob o mesmo nome. Dependendo da riqueza do mundo construído, qualquer história que pegue emprestado alguns elementos do original pode residir sob o guarda-chuva financeiramente seguro da franquia. Isso aumenta a liberdade criativa dentro da própria indústria que depende cada vez mais de grandes nomes, eventos e sequências. Um filme como “Animais Fantásticos” poderia ter proporções médias se fosse apenas o início de uma franquia inédita, mas o carimbo Harry Potter o alça para o status de titã. Sob essa garantia de sucesso, se torna mais fácil apostar em novos diretores, ideias mais ousadas, novas histórias. É cinema pensado como uma grande indústria, como uma Unilever, em que diferentes marcas aproveitam o mesmo selo de aprovação da marca mãe.
O padrão de excelência atual nesse tipo de empreendimento está em “Rua Cloverfield 10” (2016), pseudo-sequência do filme de monstro de Drew Goddard, Cloverfield (2008), que parece iniciar uma fragmentação de proporções Rashomônicas. Mil pontos de vista sobre o mesmo desastre, sobre a chegada do mesmo monstro. As possibilidades são infinitas, e continuarão a ser exploradas em “The God Particle”, de J.J. Abrahms, homem responsável pela ignição de outro universo compartilhado, o de Star Wars, que recebe agora o seu primeiro filme “fora da cronologia oficial”, “Rogue One”.
O sucesso e a durabilidade dessa tendência do Universo Compartilhado dependia da qualidade de “Animais Fantásticos”, pois esse filme mostraria, antes da chegada de “Rogue One”, que a proposta pode sobreviver fora dos filmes de super-herói. “Animais Fantásticos” cumpre tudo o que promete, e mais. Uma fusão classuda de tradições do horror, como os filmes de possessão em que a erupção de um espírito negativo vem como metáfora para a opressão da natureza de uma pessoa em sociedades tradicionais ou religiosas, como em “Carrie – A Estranha”, filme histórico, com referências aos julgamentos de Salem, e uma aventura leve e divertida aos moldes de “A Espada era a Lei”, clássico perdido da Disney.
Não precisamos de poderes de adivinhação mágicos para cravar a profecia: o futuro das franquias está sendo desenhado aqui.
– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do Rock ‘n’ Beats e do Ovo de Fantasma.
Muito bom o texto, mas tenho apenas uma correção: o tema icônico/”refrão que une os filmes da franquia”é do John Williams, não do James Newton Howard, que compôs “apenas” o novo soundtrack.
Meu Deus, que falha terrível, Carol! Espero que Deus John Williams me perdoe pelo vacilo. Obrigada por apontar!