por Marcelo Costa
Abrindo uma nova série da mineira Wäls com uma seleção de receitas experimentais que a casa produz sob o guarda-chuva do clube MadLab. Lançada em julho de 2016, a Passion Witte (garrada 1811) é uma Fruit Beer feita com malte de cevada, malte de trigo, flocos de trigo, flocos de aveia, lúpulo, suco de maracujá e levedura Brettanomyces Claussenil. Na taça, uma cerveja de coloração amarela com turbidez média e creme branco de boa formação e média permanência exibe um aroma bastante condimentado sugerindo manjericão ao lado de leve frutado cítrico trazendo algo de maracujá. Há, ainda, suave percepção de trigo. Na boca, a textura é levemente frisante. O primeiro toque traz mais maracujá do que o aroma adianta e, também, reforço da sugestão de manjericão. O amargor é baixo e, dai pra frente, destaca-se um conjunto refrescante e bastante condimentado com maracujá em segundo plano. O final é levemente adstringente e condimentado. No retrogosto, mais manjericão e maracujá. Interessante.
A cerveja que abriu o clube MadLab da Wäls foi esta Strawberry Sour, lançada em abril, uma American Wheat Beer com adição de suco de morango. Garrafa de número 3721, essa MadLab Strawberry Sour exibe uma coloração amarela bastante turva com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, percepção de acidez típica do estilo Sour com presença suave de notas doces e frutadas remetendo a geleia de morango mais especiarias (pimenta do reino e semente de cravo). Na boca, a textura traz picância e frisante marcantes. O primeiro toque traz mais morango do que no aroma, mas sem doçura e sim com acidez do morango ainda não maduro. Há leve salgado e bastante acidez, que tomam o espaço que deveria ser do amargor abrindo as portas para uma cerveja bastante agradável, ainda que soe uma Sour leve, não tão arisca quanto os rótulos mais tradicionais do estilo. O final é seco e condimentado. No retrogosto leve adstringência, morango “verde”, acidez e discreto salgado. Gostei.
A terceira da sequencia foi a quarta do clube MadLab, a Fruit Vintage, entregue em agosto de 2016 (garrafa 2810), resultado de um blend de três barris: carvalho francês, Amburana e Bálsamo, todos de segundo uso utilizados antes para envelhecer Cognac, cachaça mineira e cerveja. Além disso, essa Wood Aged Beer recebe adição de suco de manga e carboidratos. Na taça, uma cerveja de coloração âmbar alaranjado turvo com creme levemente bege de boa formação e média permanência. No nariz, muita madeira (que deve acalmar com o passar dos meses) com Bálsamo em primeiro plano e sugestões intensas de baunilha e Panacota. Na boca, textura seca e levemente picante. O primeiro toque traz rápido cítrico no único momento que se percebe manga no conjunto. Dai pra frente, uma pancada de baunilha, Panacota, muita madeira e impressionantemente nada dos 9% de álcool. Belíssima! No final, secura e cítrico. No retrogosto, maracujá (sei lá de onde), baunilha e sorrisos. Baita!
Partindo agora para uma vertical de Wäls Quadrupel, sendo que a primeira é a tradicional e as duas seguintes são Barrel Aged (a segunda é da linha MadLab). Integrante da linha clássica belga da casa mineira, a Wäls Quadrupel original, lançada em 2009, surge de uma receita com quatro maltes, lúpulo, levedura, especiarias e adição de chips de carvalho francês marinado com cachaça genuinamente mineira na maturação. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar translucida com creme bege claro de baixa formação e retenção. No nariz, doçura de caramelo saltando pra fora da taça seguida de leve amadeirado e álcool (11%) puxando pra cachaça. Há, ainda, leve remissão a mel e frutas secas. Na boca, textura licorosa. O primeiro toque traz doçura leve de mel seguida de frutas secas e cachaça. O amargor (35 IBUs) é alcoólico e, dai em diante, uma pancada de dulçor (caramelo, mel, açúcar queimado e toffee) que finaliza seca e alcoólica. No retrogosto, caramelo, frutas secas e calor. Um clássico.
Lançada em 2015, a série Barrel Aged da Wäls contemplava duas das cervejas extremas da casa: Petroleum e Quadruppel, esta segunda envelhecida em barris de carvalho francês antes usados para maturar cachaça mineira de 10 anos (lembrando que a receita original dela já leva chips de carvalho marinados com cachaça). O resultado (garrafa 1008) é uma cerveja de coloração âmbar mais escura que a Quad tradicional da casa, e baixa formação de creme com rápida dispersão. No nariz, a doçura da versão tradicional surge de forma comportada ao lado de madeira, que consegue amaciar o caramelo e o mel e trazer algo frutado (figo?) sem percepção de álcool (11%). Na boca, textura licorosa. O primeiro toque oferece doçura frutada (frutas secas) seguida de álcool e madeira. Dai pra frente, ao contrário da Quad original, doçura e madeira lutam pela atenção do bebedor com álcool em segundo plano. O final é alcoólico. O retrogosto oferece madeira, caramelo e cachaça. Melhor que a original!
Fechando o trio Quadruppel com a versão MadLab, que passa por maturação em velhos barris antes usados para o bourbon norte-americano Buffalo Trace. De coloração âmbar ainda mais escura do que a versão anterior, a Wäls Quadruppel MadLab (garrafa 3598) exibe baixa formação de creme com rápida dispersão. No nariz, uma reviravolta nas versões anteriores: há, finalmente, complexidade, com sugestão de coco queimado, baunilha, melaço de cana, Bourbon, madeira, amêndoa e ameixa. Na boca, textura licorosa. O primeiro toque traz doçura sugerindo baunilha acompanhada de madeira. Na sequencia, álcool destacado com traços de Bourbon, mas não agressivo, mais coco queimado, melaço de cana, madeira e ameixa. O amargor é alcoólico, mas o álcool está muito inserido em um conjunto sublime e encantador. O final traz Bourbon é álcool suave. No retrogosto, coco queimado, baunilha e álcool. Sensa.
A quinta cerveja exclusiva do clube MadLab, referente ao mês de setembro, surgiu em duas versões: Halloween (doçura) e Halloween Trick (travessura), duas Pumpkin Ale com extrato de abóbora, cravo, pimenta jamaicana, canela e noz moscada. Essa versão Halloween (garrafa 2415) apresenta uma coloração amarela com leve alaranjado turvo mais creme branco de boa formação e retenção. No nariz, abóbora e condimentação mais discretos do que se espera do estilo, mas é possível perceber o cravo, a canela e abóbora sobre uma base suave (e também discreta) de mel. Na boca, textura áspera e levemente picante. O primeiro toque traz abóbora e doçura caramelada suaves envolvidas em condimentação, uma percepção interessante que vai se abrindo como uma flor e oferecendo notas sutis dos elementos adicionados. O amargor é baixo e dai pra frente surge uma Pumpkin mais tímida do que o tradicional, mas ainda assim interessante. O final sugere especiarias (sem condimentação). No retrogosto, abóbora e cravo.
A sexta da série MadLab também foi engarrafada em setembro e é uma versão apimentada da Pumpkin Ale anterior atendendo pelo nome de Halloween Trick (garrafa 804), que tem como base a mesma receita (com extrato de abóbora, cravo, pimenta jamaicana, canela e noz moscada), mas com uma dose maior de pimenta jamaicana. Na taça, uma cerveja de coloração amarela com leve alaranjado turvo exibe um creme branco de boa formação e retenção. No nariz, o aroma soa um tiquinho mais frutado (abóbora) do que na versão anterior com sugestão (indução?) maior também de condimentação (pimenta). No todo, porém, o conjunto mantém a linha aromática tímida da anterior. Na boca, textura áspera e ainda mais picante do que na versão anterior. O primeiro toque traz abóbora e doçura caramelada suaves envolvidas em condimentação muito mais assertiva e de longa duração (a pimenta vai aquecendo a garganta aos poucos, como tem que ser). Não há amargor e sim picância de pimenta num conjunto mais interessante que o anterior, e que finaliza quente e picante. No retrogosto, mais pimenta do que abóbora. Boa!
A sétima da série MadLab (garrafa 1262), referente ao mês de outubro, é uma Imperial IPA chamada de Hop Rocket cuja receita combina sete lúpulos (Columbus, Cascade, Amarillo, Mosaic, Mandarina, Equinox e Centennial) com maltes Pale Ale, Pilsen, Carared e Melanoidina. De coloração âmbar caramelada com creme branco de boa formação e média alta permanência. No nariz, cítrico impressionantemente discreto e doçura de caramelo brigando para ser protagonista (será que engarrafaram o líquido errado?). Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque traz cítrico e herbal tímidos atropelados pela doçura de caramelo (?). O amargor é suave e está longe, mas muito longe dos 77 IBUs adiantados pela casa (17 talvez? Ok, com boa vontade 27) e, dai em diante, segue-se o perfil de uma cerveja completamente equivocada para o estilo. O final é amarguinho enquanto o retrogosto oferece cítrico suave, herbal e leve terroso.
Para fechar essa sequencia de 10 cervejas especiais da Wäls, um rótulo que surgiu envelopado numa campanha de nanoarte e ganhou até lançamento oficial na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2015. Trata-se da Wäls Unique, uma White Barley Wine de 12% de álcool e 100 IBUs que foi maturada em dornas de cerejeira com produção limitada a 4 mil garrafas. De coloração âmbar alaranjada levemente turva com creme branco de boa formação e média permanência, a Wäls Unique exibe um aroma dividido, em primeiro plano, entre madeira e caramelo com leve sugestão na retaguarda de frutas cristalizadas, suave coco, doce de banana, uva e maçã verdes. Na boca, textura sedosa, quase licorosa, e picante. No primeiro toque, doçura de mel seguida de coco (suave, mas facilmente perceptível) e frutas cristalizadas. 100 IBUs? Esqueça. O amargor é imperceptível, mas trabalha bem ao equilibrar doçura caramelada, madeira e sugestões de coco e vinho branco. O álcool também é discreto, o que numa cerveja de 12% é um mérito. Para o final, doçura e leve condimentação (alcoólica). No retrogosto, vinho branco, pera, maçã verde e leve álcool. Olha… belíssima.
Balanço
Abrindo uma série especial da Wäls com sua segunda receita do clube MadLab (a primeira vem na sequencia), a Passion Witte, uma Fruit Beer bastante condimentada que soa interessante, mas não traz brilho aos olhos nem deixa o paladar querendo outra. Talvez case a perfeição com uma salada ou mesmo com uma pizza marguerita, mas, sozinha, é apenas uma boa tentativa. Já a MadLab Strawberry Sour soou mais interessante, e ainda que seja uma Sour de entrada, não tão arisca quanto os rótulos mais radicais do estilo, exibe personalidade e uma leve complexidade que é muito bem-vinda. Detalhe: melhorou bastante de abril, quando foi lançada, para setembro, quando a segunda garrafa foi aberta. A Wäls Fruit Vintage foi uma bela surpresa, com muita madeira e sugestão de panacota. Gostei bastante! Foi a segunda melhor das sete. Porém, a sétima, Wäls Hop Rocket, foi uma enorme decepção, uma Imperial IPA sem nada de Imperial, com lupulagem discreta e conjunto fraco. É preciso se esforçar muito pra errar numa IPA, e eles conseguiram. A Wäls Halloween é a segunda Pumpkin Ale da casa, e se a primeira, Abróba, era excelente, essa não mantém o nível, mas também não decepciona. Ela sugere uma suave discrição com os elementos presentes de forma tímida, ainda que facilmente reconhecíveis. A versão picante da Halloween, Trick, melhora o conjunto original, mas não arranha o status da Abróba. Duas Pumpkins razoáveis, mas eles já fizeram melhor. Partindo para o trio de Wäls Quadruppel, e abrindo com a original, é incrível como o paladar muda com o tempo. Uma das minhas cervejas favoritas em 2009/2010, hoje a Quadruppel tradicional da Wäls me soa excessivamente doce. Há sugestão apaixonante de cachaça, mas fica difícil beber uma garrafa sozinha com tanto dulçor. A primeira versão Barrel Aged (2015), em barris de cachaça, conseguiu amaciar a doçura, mas o conjunto, simplório, ficou dividido entre madeira, doçura e cachaça. É de se esperar mais de uma Barrel, mas essa aqui melhora a versão original. Porém, a versão MadLab da Quadruppel, que matura em barris de Bourbon Buffalo Trace, coloca as duas versões anteriores no bolso. Incrível! Uma cerveja limitada que deveria ser produzida muito mais vezes porque o resultado é sensacional. Fechando a série com a polêmica Unique, lançada em 2015 com pompa na Pinacoteca de São Paulo, e detonada pelo público posteriormente. A guarda, pelo jeito, fez muito bem ao conjunto, que surpreendeu e escancara um dos problemas da Wäls: a pressa de colocar no mercado cervejas que vão estar no ponto ideal um ano depois. Essa agora está ótima.
Wäls MadLab Passion Witte
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3,05/5
Wäls MadLab Strawberry Sour
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3,30/5
Wäls MadLab Fruit Vintage
– Produto: Wood Aged Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,90/5
Wäls Quadruppel
– Produto: Belgian Quadruppel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,75/5
Wäls Quadruppel Barrel Aged
– Produto: Belgian Quadruppel Barrel Aged
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,82/5
Wäls MadLab Quadruppel Barrel Aged
– Produto: Belgian Quadruppel Barrel Aged
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4,22/5
Wäls MadLab Halloween
– Produto: Pumpkin Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,15/5
Wäls MadLab Halloween Trick
– Produto: Pumpkin Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,17/5
Wäls MadLab Hop Rocket
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.2%
– Nota: 3,15/5
Wäls Unique
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 3,95/5
Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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