por Bruno Lisboa
O recifense Bruno Souto tem regularmente o seu nome associado à banda Volver que, desde 2003, angaria elogios do público e da crítica. Na bagagem o grupo, tem três ótimos discos (“Canções Perdidas Num Canto Qualquer”, de 2005; “Acima da Chuva”, de 2008 e “Próxima Estação”, de 2011) e turnês Brasil afora. Porém, desde 2013, Bruno Souto tem se dedicado a carreira solo.
Seu primeiro disco sem os parceiros da Volver foi o elogiado e maduro “Estado de Nuvem” (2013, independente), que ganhou lançamento em vinil e figurou em diversas listas de melhores do ano de sites especializados (Scream & Yell incluso). Passados três anos, Bruno Souto retoma seu carreira em formato solo com “Forte” (2016, Deck), um trabalho com apelo pop, dançante, jovial, mas que tem como tema central a separação.
Na entrevista abaixo, Bruno Souto fala sobre a fase atual (“Forte” ter uma sonoridade mais pop foi consequência de uma escolha puramente estética, não comercial”), o processo de criação do novo disco, o seu lado intérprete, suas pretensões (“A minha pressão interna em fazer um disco que me satisfizesse e que se aproximasse ao máximo do que imaginava já é sempre enorme!”), suas influências, a temática de suas letras, planos futuros e mais. Confira.
Em um texto polêmico (“O sucesso da nova MPB e o fracasso da música impopular brasileira”) o jornalista André Forastieri aponta para o que ele chama de falta de ambição dos novos artistas, pois muitos não querem ser populares já que isto representaria “uma traição ao movimento independente”. Em “Forte” você rema “contra maré” e aposta numa sonoridade pop sem temeridade. Por que você acha que acontece este fenômeno?
Esse é um assunto bem amplo e complexo, mas tem que tomar cuidado para não generalizar. Existem sim artistas que “temem” uma grande exposição, e com isso perder o seu público, e existem também os que simplesmente não conseguem romper a barreira que divide o underground do mainstream. Simples assim. Em muitos casos não é falta de ambição. Mas como se consegue colocar, por exemplo, uma música sua na programação das grandes rádios e/ou se apresentar nos programas de grande audiência na TV sem grana pra pagar jabá? Pouquíssimos conseguem. E ainda há aqueles que são espertos e auto crítico o suficiente pra saber que o tipo de música que fazem definitivamente não conquistaria um grande público mesmo se tivessem uma boa exposição. E não estou dizendo necessariamente com isso que tais artistas fazem música ruim. Às vezes esses artistas acham que o público que consome deu trabalho não é o da grande massa. Entende? Até porquê o contexto de artista/público hoje em dia é bem diferente do que na época do Chacrinha e outros, por exemplo. São muitos pontos de vista e perspectivas diferentes. Não é tão simples quanto pode parecer para muitos. O disco “Forte” ter uma sonoridade mais pop foi consequência de uma escolha puramente estética, não comercial.
“Forte” é um disco temático sobre separação, mas envelopado numa sonoridade dançante e jovial. É difícil compor trabalhando com elementos aparentemente dicotômicos?
A decisão de fazer um disco um pouco mais dançante que o anterior veio antes de eu entrar em um longo processo de separação da minha ex-esposa. E quando estava passando por aquilo me vi naturalmente escrevendo sobre. Segui minha intuição e não quis desistir da minha ideia inicial e então resolvi agregar essas letras a esse clima “mais pra cima”. Na verdade esses elementos aparentemente opostos nem chegaram a entrar em conflito, pelo contrário, isso me deu um start para escrever algumas letras e versos mais otimistas de superação aqui e ali, de esperança, o que acabou sendo uma espécie de processo terapêutico que me ajudou a passar por tudo aquilo. Além do mais me pareceu bem interessante não fazer um disco “obviamente deprê”. Gosto dessa particularidade e da dinâmica do disco. Pra mim, uma canção em especial, “Amor Demais”, escancara esses lados opostos.
Como foi o processo de criação deste disco?
Tudo começou quando mandei o “Estado de Nuvem” pra fábrica. Nesse momento estava focado nos shows de divulgação do “Estado”, mas ao mesmo tempo já comecei a pensar no próximo disco. Me instiga muito eu estar pensando num novo disco, apesar de também me deixar tenso (risos). A discografia é o que mais me fascina em uma carreira musical. Enfim, me decidi por um disco um pouco mais dançante, pop, leve que o meu disco anterior. Mas não quis fazer nenhuma letra ou música, queria só pensar sobre, especular. Foi difícil muitas vezes não colocar em prática o que vinha pensando, mas eu queria que as músicas fossem compostas com pouco espaço de tempo, refletindo assim um momento mais próximo possível do lançamento do disco. Não deu muito certo, pois o disco passou meses parado por falta de grana pra mixar e masterizar (risos), mas a intenção foi essa. Quase todas (as canções) em que eu sou o autor foram feitas num intervalo de cinco meses (talvez seis) antes de entrar no estúdio. E calhou de esse ser justamente o período da minha separação. Coisas da vida…
“Estado de Nuvem” foi um disco largamente elogiado e merecidamente figurou em listas de melhores discos daquele ano. O que você espera alcançar com “Forte”?
Não faço a mínima ideia (risos). Não parei pra pensar sobre isso, principalmente enquanto estava produzindo e gravando o disco, primeiro porque não passaria de um exercício de especulações e segundo que poderia crescer em mim algum tipo de pressão externa. A minha pressão interna em fazer um disco que me satisfizesse e que se aproximasse ao máximo do que imaginava já é sempre enorme! (risos). Realmente não sei o que os críticos vão achar… Eu sempre gostei da ideia de que cada disco meu tenha um som próprio, mesmo que sutilmente. Acho o “Estado de Nuvem” mais “artístico”, denso, com alguns toques experimentais… Era o que eu queria fazer naquele momento. Não queria fazer do “Forte” um “Estado de Nuvem 2”, queria que o disco tivesse uma estética diferente, uma espontaneidade maior, um frescor a mais, com mais pulsação… Creio que conseguimos. Estou feliz com o resultado.
O disco é composto por nove faixas. Em sua maioria elas tem sua assinatura, mas há algumas em que você divide a autoria e outras que você é interprete. Como é compor em parceria e interpretar a canção de outro compositor?
Ah, é um lance meio inexplicável, né. A música te acerta e você sente que foi feita pra você. (risos). Aconteceu no disco anterior com “Se Você Quiser” e nesse disco novo com “Desconserto” (de autoria do João Vasconcelos, que também compôs “Se Você Quiser” e com quem divido “Amor Demais”) e “O Que Resta” (do Diogo Soares). Foram canções que me conquistaram e quis gravar por achar que estavam dentro do contexto que eu percebia. Os autores foram muito generosos em me deixar interpretá-las… E é isso, eles fizeram e nós gravamos da forma que senti e cantei como se fossem minhas. E isso é o grande barato em ser intérprete, um desafio, mas acima de tudo, um imenso prazer e alegria. Já compor em parceria não é com qualquer um nem a qualquer hora. A gente até tenta, mas às vezes as parcerias ou o momento não funcionam. E tudo bem, pode funcionar em outro momento, outra energia. Esse lance de energia é muito real… Eu estava empacado na letra de “Madrugada” e pedi uma mãozinha pro meu amigo e ótimo compositor Daniel Groove. Só de ele estar junto no processo e rabiscar umas palavras já me inspirou muito. Aí num instante a gente desatou o nó. Mas no geral meu processo de composição é mais solitário. Me sinto mais à vontade, no meu tempo, pois geralmente é um processo bem trabalhoso e por vezes sofrido, até que todo o trabalho e intenção se transforme em algo que valha a pena ser jogado ao mundo, que você se orgulhe. E quando isso acontece, quando uma composição e/ou uma parceria dá certo, é uma das melhores sensações do mundo.
Ainda abordando o seu processo de criação: você disse que costuma compor sozinho. Como diferenciar o que é material para o Volver ou para a sua carreira solo?
Ah, não tem como diferenciar não. (risos) Tocando-as só ao violão é tudo o Bruno compositor e intérprete. As diferenças se dão principalmente no resultado final com a banda, nos arranjos, na intenção… E às vezes são bem sutis. Na parte harmônica e nas letras, não há uma diferença radical. As letras expressam o que eu queria passar naquele momento, seja Volver ou carreira solo. Nas canções gravadas pela Volver, por exemplo, as guitarras são as protagonistas, mais incisivas… No último disco da Volver, “Próxima Estação”, algumas gravações poderiam muito bem estar no meu trabalho solo, como “Ana” e “Simplesmente”, mas acho que isso era um ponto de transição estética que inconscientemente eu já estiva burilando.
“Forte” soa musicalmente como um tributo a escola pop brasileira de ontem e de hoje, pois são perceptíveis ecos de artistas como Djavan, Skank e Marcelo Jeneci. É uma leitura correta? Quais as influências nortearam a composição deste disco?
Se soa como uma espécie de tributo ou algo do tipo, tudo bem, não tenho o menor problema com isso, mas não foi a intenção. A música pop é tão vasta, né… Quem sabe eu não me influenciei em quem influenciou os nomes citados acima? (risos) Entendo que é difícil, no meu caso, dizer de onde vem exatamente cada coisa, quais foram as verdadeiras influências e tal… São décadas ouvindo e absorvendo música pop. É tudo misturado… Eu quase nunca paro pra pensar em influências na hora de criar, simplesmente jorra naturalmente. No fim das contas, só quero me sentir satisfeito com o resultado. Eu poderia te dar uma lista enorme de discos que acho que influenciaram, mas, ao mesmo tempo, você poderia talvez não encontrar nada explicito de alguns desses discos em “Forte”, que por ser um disco mais “pop” pode remeter a muita coisa. Depende de quem tá ouvindo na verdade. E várias ideias de arranjos foram sugeridas por terceiros, pelos músicos, e isso é massa porque acaba se tornando um caldeirão de influências e sensibilidades diversas. Dito isso, particularmente ouço em “Forte” elementos (mesmo que alguns bem sutis) de vários artistas, aqui e ali, nomes como Chic, Tim Maia, Cassiano, Lulu Santos, Marina, Steely Dan, Michael Jackson, Rita Lee, Guilherme Arantes, McCartney, Harrison, Bowie, etc, etc. Mas isso é minha visão.
Você tem em seu cancioneiro letras amorosas, mas também versa sobre desilusões. Qual a diferença de compor sobre estes dois universos? Você tem mais afinidade com algum deles?
Sinto que esses universos andam lado a lado, às vezes de mãos dadas, às vezes totalmente entrelaçados que chegam a se confundirem entre si. Faz parte do crescimento, da aprendizagem, afinal de contas. Escrevo sobre perdas, recomeços, conflitos internos, esperança, negação, etc. Tudo isso em um contexto de relacionamentos e seus desdobramentos, incluindo a tal desilusão. Na verdade, as letras realmente românticas são minoria no meu cancioneiro (desde a Volver). Isso não me faz um pessimista na maior parte do tempo, mas as tensões e aflições me instigam mais na hora de escrever. É uma forma de desabafo, de efeito terapêutico mesmo. É clichê, é real e é o que sinto vontade de dizer. Quase tudo é sobre mim ou sobre os que me rodeiam, me projetando, me colocando em situações alheias. Por vezes me sinto uma espécie de cantor de protestos dos relacionamentos amorosos (risos), noutras apenas um transeunte emocional que compõe sobre impressões do mundo interior e exterior.
Como se deu o apoio da Deck para o lançamento no novo disco?
Mandei algumas músicas do disco, ainda sem mixagem, pro Rafael Ramos e ele curtiu muito e disse que ele e o pai gostavam muito do meu trabalho e tal. Daí ele propôs lançarmos o disco pela Deck, de forma digital, com um suporte inicial de assessoria de imprensa. Conversamos algumas vezes e eu assinei com eles tanto pro lançamento digital quanto pra edição das músicas. Ou seja, as músicas do disco estão editadas pela Deck. Estou esperando bons frutos dessa parceria. Vamos ver o que o futuro nos reserva.
Quais são seus planos futuros?
Acabei de voltar pra São Paulo após uma temporada morando em Pernambuco e vou preparar o show de lançamento e os shows subsequentes, lançar o disco em CD, divulgar da melhor maneira que eu puder e começar a pensar no próximo disco. Não pode parar.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. A foto que abre o texto é de Ri San / Divulgação.
Gosto bastante dos dois discos do Bruno (principalmente o novo), mas sinto saudades da Volver. Ainda tenho esperanças de volta da banda.
O escritor do texto forçou a barra com “ecos” de Jeneci , hein … com a obra que ele tem falta muito para influenciar alguém… seria mais apropriado pegar a fonte “original” – Guilherme Arantes – para usar como referência