por Marcos Paulino
Bruna Caram quase não compunha. Para seu novo disco, “Multialma”, assinou 11 das 12 faixas. Ela também não gostava de tocar instrumentos. Agora tem um acordeão como companheiro inseparável. E também não atuava na TV. Pois em breve vai aparecer em uma série da Globo. Mas tem algo que não mudou na vida de Bruna Caram: ela continua cantando. E muito, em todos os sentidos.
Aos 30 anos, completados há pouco, ela já se assume como uma multiartista, o que explica o título do quarto álbum de sua carreira, recém-lançado. Nele, canta e toca canções que ela mesma compôs, várias geradas das poesias que escreve. Ah, sim, ela também é poeta, e já reuniu sua obra no livro “Pequena Poesia Passional”. Enfim, Bruna está em todas. E quer ainda mais, como conta nesta entrevista ao Plug, parceiro do Scream & Yell.
Você completou recentemente 30 anos, que é uma fase marcante na vida de todo mundo. Do ponto de vista pessoal e profissional, como você se sente neste momento?
É o momento mais completo, mas ao mesmo tempo o mais sereno da minha carreira. Sou muito ansiosa, mas me sinto mais tranquila. Ter abraçado outras artes me colocou num caminho mais feliz. Hoje me alimenta tanto fazer show quanto estudar minha sanfona em casa, ou fazer um papel na TV, escrever. Demorei um tempo pra entender que tipo de artista eu era. Procurei muito ser a melhor cantora possível, até entender que não era bem cantora o que eu era. Sou uma pequena aberração artística muito feliz. [Risos]
Faz quatro anos que você lançou “Será Bem-Vindo Qualquer Sorriso”, seu disco anterior. Por que demorou esse tempo pra maturar este novo álbum?
Entre a turnê passada e esta aconteceram duas obras diferentes, que também foram lançamentos, embora não em disco. Fiz uma turnê do meu livro, que também tinha uma questão de teatro e música, e fiz um trabalho na TV que durou oito meses. Então fiquei bem ocupada. Só quando voltei do Rio pra São Paulo, comecei a gravar este disco. Fiz isso quase secretamente, nem meus amigos sabiam que eu estava fazendo um disco autoral.
No disco anterior, só duas de 11 músicas eram de sua autoria. Na época, você disse que estava começando a tomar gosto pela composição. Neste, você assina 11 das 12 faixas. Tomou gosto de vez?
[Risos] Conhecendo tantos compositores bons, eu achava desnecessário compor. Também tive muitas travas pra compor, sempre fui muito exigente com a música alheia, e com a minha sou pior ainda. Sou meu pior público, não aceitava minhas composições. Apesar de sempre estudar piano, ele não era meu amigo. Desculpa, piano. Há dois anos, comecei a tocar acordeão, um instrumento tão difícil e que sempre endeusei, e com o qual me encontrei muito naturalmente. Foi simples tocar e nunca mais parar. O acordeão me reconciliou com os outros instrumentos e me trouxe pra mais perto da composição. E também tem meus parceiros, artistas que gosto e admiro, que botaram fé que eu poderia compor e me deixaram mais leve, sem tanta cobrança.
Do que você produz, como separa o que vai ser poesia e o que vai ser letra de música?
Não divido. O gol que descobri é que não preciso mais dividir as artes. Sou fissurada por ler e escrever desde criança. Uns anos atrás, comecei a fazer um projeto de Instagram, o “Poesia Avulsa”. Eram pequenos poemas que coubessem numa foto pra poder postar. No fim, escrevi 208 poemas, que viraram meu livro. Quando bato o olho em alguns dos meus poemas, vejo neles um refrão, fácil de cantar. Sou mais compulsiva como escritora do que como compositora. [Risos] Vou deixando os poemas por aí e um dia tento cantar.
Alguns parceiros entraram no disco como produtores, caso do Zeca Baleiro, outros cantando, como Chico César e Roberta Sá, outros compondo com você, como novamente o Chico e a Roberta e também a Duda Brack e o Zeca. Enfim, como você definiu quem faria o quê?
Sempre relutei em trazer parceiros pros discos, ou em chamar alguém pra compor, por medo de parecer pretensiosa, interesseira. Por isso, esperei 10 anos pra ter grandes participações. [Risos] Agora chamei grandes amigos, como o Chico e a Roberta. O Zeca conheci há alguns anos, num show que fizemos juntos e fiquei com vontade de chamar pra produzir uma faixa. E viramos amigos nesse processo. O único que não conhecia foi o Antônio Nóbrega, que toca violino numa faixa. Ele é o meu Chico Buarque, o rei. Ouvi muito ele tocando e dançando no Carnaval de Recife. Ele é o multiartista que eu posso admirar.
A única faixa que você não assina é “Além da Última Estrela”, do Dominguinhos. Por que essa escolha?
Essa é uma exceção irresistível. Quando comecei a trazer músicas minhas pro estúdio, também trouxe algumas consagradas, porque ainda não sabia que seria um disco autoral. Descartei todas as conhecidas, mas essa ainda me pegava. Como queria um disco com referência nordestina, entendi que o Dominguinhos é o grande rei. Acordeonista, nordestino, brasileiro, melodista maravilhoso e talvez não tão consagrado quanto ele mereça. Fazia todo sentido nesta minha nova fase, tocando acordeão, trazer uma canção dele. Por isso ela fecha o disco, que começa e termina com a sanfona chorando.
Sua mais nova faceta é a de atriz, que vai estrear na nova série da TV Globo, “Dois Irmãos”. Como surgiu essa oportunidade?
O convite foi completamente surpresa. Recebi uma mensagem pelo Facebook do produtor de elenco, ainda não explicando exatamente do que se tratava, mas dizendo que era um teste pra uma série da TV. Nem sabia que era a Globo. Estudei um pouco de teatro. Aí topei, e só depois ele me falou que já havia um papel que queriam que eu fizesse e que tinham me conhecido pelos vídeos no YouTube como cantora. Mais uma vez, as artes se abraçaram na minha vida. Se não fosse cantora, nunca teria sido chamada, porque nunca mandei material pra TV. A série é baseada num livro do Milton Hatoum, um novo clássico. Devorei o livro em cinco dias, decorei o texto em um segundo. [Risos] Em um mês tinham me escolhido, fui morar no Rio pra gravar. Foi maravilhoso, assustador, encantador, tudo aconteceu dentro de mim nesse tempo. O que posso dizer é que me apaixonei.
Agora você canta, toca acordeão, compõe, escreve poemas e atua. E o dia continua tendo 24 horas. Como você dá conta de tudo?
[Risos] Estou tendo um pouco mais de calma. Estava em turnê na Espanha e em Portugal e lancei o disco. Então, pela primeira vez, decidi que iria deixar o disco rolar sozinho, e fazer turnê só no ano que vem. Neste tempo, já estou escrevendo o próximo livro. E quero muito fazer cinema. Como a série ainda não passou, não colhi frutos como atriz, mas já pintaram alguns convites pra filmes que ainda não se sabe quando vão começar a rodar. Sei que, o que aparecer, vou me virar, porque quero fazer tudo isso pra sempre.
Pra essa turnê de 2017, já há datas certas?
Temos algumas datas, mas como não estão totalmente confirmadas, prefiro pedir pra olharem na agenda do site (www.brunacaram.com.br). A turnê vai começar em janeiro. Estou sempre com um quarteto no palco, mas mudei metade da banda da última turnê pra esta. Meu pianista vai tocar acordeão, porque não vivo mais sem esse timbre nos meus ouvidos. [Risos] Além de muitas das músicas novas e algumas dos discos anteriores, vou trazer canções mais populares, talvez até popularescas, que tenho experimentado cantar em casa e acho bonito. Teremos Zezé Di Camargo e Luciano e Chitãozinho e Xororó nesse show. [Risos] Com toda elegância. A música brasileira é muito rica e cabe muita mistura. Vou fazer mais esta multimistura. [Risos]
– Marcos Paulino é editor do caderno Plug (www.mundoplug.com), da Gazeta de Limeira.