por Leonardo Vinhas
Sob o nome The Blank Tapes, Matt Adams lançou 21 títulos, entre álbuns completos, EPs, trilhas sonoras e singles. Tudo isso em 13 anos. E, nesse meio tempo, conseguiu emplacar dois pequenos hits no Brasil graças a um comercial do chocolate Sonho de Valsa: “Listen to the One” e “Long Ago”, ambas do álbum “Daydreams”, (2007), tiveram boa difusão no Brasil em 2010 e impulsionaram a primeira vinda da banda nesse mesmo ano. Retornariam no ano seguinte para uma turnê maior.
Embora não tenha voltado mais ao país, Adams não deixou de tratar com carinho o público local. “Ojos Rojos” (2016) foi distribuído no Brasil pela Honey Bomb Records numa edição com uma faixa exclusiva, “Early Bird”. Em entrevistas a publicações estrangeiras, o californiano não se furtou a mencionar seguidas vezes o impacto que as temporadas brasileiras tiveram em sua vida e em suas composições – duas coisas que se misturam muito facilmente, aliás.
Todo o imaginário que vem à sua mente quando você escuta uma canção do The Blank Tapes torna-se real quando você conversa com Matt Adams. O cotidiano simples, as nuvens canábicas, a predisposição à praia e a paixão pela música sessentista estão em suas palavras e na sua cara – que estava bastante “amassada” pelo fato de Adams ter recém-despertado (eram 13h30 em Los Angeles).
Com uma camiseta puída, Adams atendeu à nossa chamada de Skype enquanto preparava um baseado e dava eventuais espiadelas no celular. Não que isso significasse indisposição, já que suas respostas eram longas (dificultando bastante a edição dessa matéria) e gentis. Na conversa, ele discorreu detalhadamente sobre a sonoridade que busca, seu processo criativo e seu método de trabalho. Mas calma, falamos do Brasil também.
Matt Adams: Brasil, cara! Faz tempo que estivemos aí da última vez!
Foi em 2012, certo?
Isso. 2012. Desde então estamos tentando voltar, mas ainda não conseguimos fazer com que rolasse. (nota: na verdade foi em 2011…)
Pois é. No começo do ano, o pessoal do selo Honey Bomb havia me dito que vocês talvez viessem à América do Sul, Brasil incluído, no fim de 2016, mas como não houve nenhuma notícia até agora, imagino que não vai rolar.
Não. Não sei por quê. Eu disse para que me avisassem se soubessem de alguns shows que pudessem nos pagar alguma coisa, e, você sabe, não rolou mais nada depois. Tenho amigos no Brasil, eu poderia ir por minha conta e montar uma banda aí. Gostaria de ir. Espero ir um dia desses. (Nota: Jonas Bustince, um dos responsáveis pela Honey Bomb, disse que “acabamos nem falando mais com ele e a ideia foi morrendo”, confirmando a versão de Adams).
Quando se olha as redes sociais do Blank Tapes, parece que vocês estão constantemente em turnê. Procede?
Na verdade, não. Fazemos turnê como “jatos”. São poucos dias com muitos shows. Em junho agora fiz uma semana de cinco shows na Califórnia, seguidos por um mês e meio de turnê na Europa. Foi meio que só isso nesse ano. Não é como se saíssemos para seis meses de turnê. Mas sempre rolam pequenos shows lá e cá, sempre aparece alguma coisa. Morei em São Francisco, e sempre pinta algo por lá, eu vou com frequência, mas não é algo que eu chamaria de turnê. Também toco muito solo ou com outras bandas, mas, como disse, é nos arredores. Não viajamos tanto como The Blank Tapes.
Por muitos anos, a banda foi só você. Quando você decidiu que era o caso de virar uma banda? O que te motivou a isso?
Desde o começo era um projeto solo. Tanto que costumo tocar todos os instrumentos nos discos. Por outro lado, sempre tive bandas. Ultimamente mais pessoas têm contribuído, especialmente bateristas, mas sempre foi um projeto solo. Quando vim com o nome The Blank Tapes havia muitas bandas que eram apenas o compositor tocando todos os instrumentos. Os músicos são uma banda de apoio. Eles são importantes, mas são intercambiáveis. Até porque muitos dos membros da banda não querem passar tempo demais no que é um projeto paralelo para eles, é por isso que eles não tocam constantemente comigo. Diria que hoje tenho cerca de uma dúzia de integrantes na banda, e chamo quem estiver disponível, quem estiver mais próximo geograficamente ou quem se adequa melhor àquele grupo de canções que estou tocando no período.
Suas canções podem ser mais folk, mais roqueiras, ou mais pop. Em vídeos ao vivo, dá para ver bastante improvisação, o que não acontece tanto em estúdio.
(longa pausa) Em algumas canções realmente improvisamos bastante. O que acontece é que junto muitas canções ao vivo. Mas todo álbum tem uma canção na qual dá para estender com improvisos. Talvez no “Vacation” ou no “Ojos Rojos” não tenha isso, que são discos bem pop, mas estou trabalhando num álbum que provavelmente terá mais esse lado [do improviso]. Por exemplo, tem uma canção, “Look Into the Light”, que é popular no Youtube, mas nunca gravei uma versão boa dela. Vou entrar em estúdio para tentar fazer certo. Tenho umas três boas canções para fazer jams longas e estendidas, as quais pretendo gravar. Não saiu ainda, mas gravei uma que costumamos tocar ao vivo e está com nove minutos nessa versão de estúdio. Quando faço um setlist mais rock’n’roll, sempre vai ter uma canção com um solo para que eu possa esticar mais. “The One”, “Holy Roller”, essas são algumas das canções onde dá para fazer isso. Posso fazer um show em que cada canção terá um solo. Mas a maioria das minhas composições são pop songs de três ou quatro minutos.
Sabe-se que você é um apaixonado por música, que escuta muita coisa diferente. E igualmente, produz e lança muita música. Apesar de adotar majoritariamente esse formato pop que você falou, imagino que exista uma vontade de explorar outras sonoridades.
Sim! Se você pegar os primeiros álbuns, “Landfair” e “Daydreams”, vai ver que eles são bem ecléticos. Quer dizer, ainda são discos de rock e folk, mas… Você já ouviu meu álbum “Hwy 9”?
Não, não ouvi.
Esse é o mais eclético de todos. É um álbum duplo, mas que é cheio de canções de um minuto, um minuto e meio. São 40 faixas. Diria que esse é o maior exemplo dos outros tipos de música que faço. Tem elementos de erudito, de barroco, coisas experimentais, ambient. Ali tem uma amostra de todos os estilos que eu gosto. Comecei a tocar música clássica ao piano quando era criança, mas ouvia Guns ‘n’ Roses e tocava air guitar. Uma hora finalmente peguei uma guitarra, acho que com 14 anos, e comecei a tocar. Aprendi canções dos Eagles, fui aprendendo aos poucos. Ouvia música pop dos anos 60, Beach Boys, essas coisas. Mas eu tinha um amigo que escutava música country antiga, como Johnny Cash, Hank Williams e um monte de outros, e peguei essa influência também, adoro country antigo! Os alternativos dos anos 90, Nirvana e tal, também ouvi muito. Agora quase não ouço esse tipo de música, mas foi uma influência. Via todo tipo de música na MTV, tinha um irmão fã de Doors… Acho que os tipos de música que mais gosto são as coisas dos anos 60 – digo, o rock, a psicodelia e a música dançante desse período – soul da Motown e da Stax. O country antigo também, tanto que tenho umas canções country nos meus discos. Gravei um disco – o qual não devo lançar tão cedo, pra dizer a verdade – ao vivo, de country, com uma banda, só com canções originais minhas, mas nesse estilo antigo. Gosto também de sintetizadores, de baterias eletrônicas. Não ouço muita música eletrônica, mas tenho curiosidade em fazer minha versão do gênero. Tenho lá minha curiosidade pela produção moderna – não ouço muito, mas sei que tem coisa realmente fantástica rolando, e eu poderia explorar isso num projeto paralelo com outra pessoa.
Bem, você produz muitos artistas novos.
A maioria das pessoas que produzo tem esse estilo rock. Veronica Bianqui, que toca na minha banda, ela tem uma mistura de Beatles com uma coisa ao estilo da Amy Winehouse, com metais e tal, e isso é um lance meio diferente. Mas existe um estilo no pessoal que produzo. De qualquer forma, se eu lançar algo diferente musicalmente, provavelmente será com o nome The Blank Tapes, porque a essa altura da vida já não faz sentido adotar outros nomes. Isso deixaria tudo ainda mais obscuro. Tudo o que faço está ligado ao Blank Tapes, então não me incomoda que o nome, a “marca”, esteja ligado a um projeto muito variado, como é o caso do Ween ou mesmo do Beck, por exemplo. Eles são pessoas que têm liberdade para fazer o que querem e seus fãs, ou a maior parte deles, aceita isso. São pessoas multifacetadas. O Beck pode fazer álbuns super melódicos como pode fazer um de hip hop, seja qual for ele vai estar fazendo o lance dele. Me vejo como esse tipo de artista.
Você é músico e produtor em tempo integral. Creio que, para muitos artistas brasileiros, seria interessante saber como você consegue fazer isso e de maneira tão prolífica, lançando tantos discos diferentes. Digo isso porque as cenas não são diferentes quanto se julga aqui: um artista independente nos EUA têm também dificuldades, e não é fácil lançar tantos discos – mesmo que digitalmente – e viver deles.
Faço bastante coisa mesmo. Também desenho, mas a música toma conta da minha vida. São tantas as partes da música que me mantém ocupado… Compor, por exemplo, é algo que me toma muito tempo. Não tenho feito muito isso ultimamente porque tem muita coisa já gravada que estou lançando ou tentando lançar. Gravar também consome muito tempo e dinheiro, bem como as turnês. Toco em shows e turnês de outros músicos, e isso me ocupa muito. Mas a maior parte do meu dinheiro vem do licenciamento das canções para comerciais e programas de TV. Quando eu emplaquei minhas canções no comercial do Sonho de Valsa, eu comprei essa bateria aqui (gira a webcam e mostra um enorme kit no meio da sua sala). Foi uma das primeiras vezes em que consegui algo assim. Foi uma bela grana e foi bem legal. Mas ao menos que você seja grande e toque em grandes arenas, esse é o único jeito de fazer algum dinheiro com música mesmo. Também faço algumas coisas customizadas: um artista pede algo num determinado estilo, ou é algo para uma trilha sonora. Isso também ajuda.
O Brasil parece ter tido um grande impacto em você. Não só em canções que falam obviamente sobre sua passagem aqui, como “Brazilia” ou “The Biggest Blunt in Brazil”, mas na sonoridade, no imaginário da banda.
Bem, eu e alguns dos integrantes da banda sempre tivemos curiosidade pelo Brasil. A música é realmente única e tem fama mundial. Samba, bossa nova, Tropicália, essas coisas. É uma cultura musical única, e isso muito nos interessava. Mas escrevo canções onde quer que eu vá, tenho canções sobre estar no Japão, fiz algumas na Europa – embora não mencione nenhuma cidade europeia. Só que não sei dizer por que o Brasil parece ter tido mais… (hesita, esboça o começo de um raciocínio por duas vezes e desiste). Olha, posso te contar a história por trás de “Brazilia”. Incialmente eu tinha escrito a melodia e saquei que ela tinha uma cara de Tropicália, e isso foi antes de eu ter visitado o Brasil. Escrevi a letra já de volta do Brasil. Acho que estava no México. Não tinha visitado Brasília – aliás, ainda não conheço a cidade – mas achei que o nome soava bem. Sabe, Brasil e México são lugares que conjuram uma imagem de uma espécie de paraíso tropical: as praias, as mulheres, o clima. É como o sul da Califórnia, tem um tipo de fantasia que vem junto com esses lugares. Idealizei o paraíso de verão no Brasil. Brasil e México, na verdade. Quando estive aí foi inspirador. O álbum “Vacation” é muito inspirado pelo país – a canção “Vacation” eu já tinha a melodia antes de ir, mas depois fiz com que a letra fosse sobre o Brasil. A segunda ida ao Brasil inspirou também muito do álbum “Ojos Rojos”: “La Baby”, “Sexxy Skyype”, “The Biggest Blunt in Brazil”, “Let Me Hear You Rock”, “Pass the Potato”, isso tudo foi escrito da última vez que estive aí. Na primeira vez foram três semanas de turnê pra valer, já na segunda fiquei bastante tempo, foi um mês e meio em que eu tocava uns shows e depois ficava de bobeira curtindo a cidade. Isso foi inspirador. Porque foi minha fantasia tropical, saca?
Suas letras, aliás, trazem referências às drogas. O que é comum à psicodelia, mas não tanto à música pop como a que você toca, pelo menos não atualmente. E as menções são sempre muito naturais, nunca apologéticas. Então imagino que drogas sejam parte da sua vida. São também parte de seu processo criativo?
Eu bebo cerveja, fumo muita maconha, mas não diria que… Sabe, eu não diria que escrevo melhores canções quando estou chapado ou algo do tipo. Se tanto, diria que componho mais quando não estou chapado. Ocasionalmente curto uns psicodélicos, mas não escrevo música sob o efeito deles. Pode ser que depois da viagem eu use a informação ou a experiência para escrever as letras, ou para levar minha mente a um lugar diferente, ou para desenhar, mas na verdade escrevo canções sobre tudo. Às vezes elas são embaraçosas, outras pessoais demais, e têm até as meio bestas ou bobonas. Tem até as que escrevo como piada e acabo gostando depois, e não vejo razão para mudar. Não tenho um filtro quando componho ou mesmo quando lanço. Devem ter umas duas canções que não lancei porque são completamente ridículas ou vergonhosas, mas lanço 99,99% do que escrevo. O álbum “Geodesic Dome Piece” começou como um álbum de piadas, a maioria das canções são sobre fumar maconha ou ficar chapada, mas depois ele acabou ficando. Escrevi mais umas canções [para o disco] para que ficasse até mais exagerado. Drogas fazem parte da minha vida, mas não é uma parte tão grande. Talvez maior que na de outras pessoas, mas não sou um freak das drogas.
Suas canções são bem cotidianas. E autobiográficas.
Os Beatles são minha banda favorita, mas das letras gosto mais das do Ray Davies, dos Kinks. As letras dos Beatles são muito impessoais – John Lennon era mais pessoal, mas o Paul McCartney era aquele lance de criar personagens e mundos: “Eleanor Rigby”, “Maxwell sei -lá-das-quantas…”. Eram sempre fantasias sobre outras pessoas. Ray Davies cantava sempre sobre as experiências pessoais com seus amigos, sobre sua vida. Tinha menos a ver com fantasia e mais a ver com a realidade. Tinha mais brincadeira, tinha muitas canções engraçadas. Ele é meu compositor preferido, e me influenciou. Também tem o lance que para mim é mais fácil falar sobre minha própria vida, assim como para alguns é mais fácil inventar coisas.
Ray Davies é tua maior influência. Da mesma maneira, já encontrei com músicos que me disseram que são influenciados por você. Você já se deu conta que, após ter tantos anos de estrada e tantas canções gravadas, pode ter se tornado referência para alguém, assim como o líder dos Kinks foi para você?
É! Quer dizer, eu não sei… É… Pô, isso é louco! Eu ainda nem acredito nisso. Já ouvi aqui e ali, de amigos e de gente que toca comigo. Porque eu também sou influenciado pelos meus amigos, pela minha comunidade. Acho que faz sentido que isso aconteça no meu meio, mas é uma loucura pensar que isso pode acontecer no Brasil, porque eu não… É bem bacana, para falar a verdade. Mas na mesma sinceridade, te digo que vivo na minha própria bolha, então muita coisa não me chega. Adoraria ouvir a música de quem se diz influenciado por mim! Sinto que plantei umas sementes, porque deixei muitos CDs aí e toquei em vários lugares, e saber que há quem responda positivamente a isso é incrível.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Kristin Cofer / Divulgação.