por Bruno Lisboa
Natural de Belém, no Pará, Sammliz se destacou à frente da poderosa Madame Saatan, combo de heavy metal que, entre 2003 e 2014, lançou dois ótimos discos – “Madame Sataan”, de 2007; e “Peixe homen”, de 2011 – e rodou o país oferecendo sua mistura de thrash, metal e hardcore. Com o fim da banda, Sammliz seguiu em frente participando do premiado projeto Terruá Pará e, agora, lançando sua estreia solo, o álbum “Mamba”.
Nesta nova fase, Sammliz se distancia da dramaticidade e do hermetismo que marcara seus tempos como vocalista da Madame Saatan na busca por se aproximar de uma estética mais simples, utilizando-se do rock num diálogo com elementos eletrônicos. Lançado pela Natura Musical (ouça o disco na integra aqui), “Mamba” conta com participações de Leo Chermont (Strobo), João Lemos (Molho Negro) e direção artística de Carlos Eduardo Miranda.
Na conversa abaixo, Sammliz fala da sonoridade de “Mamba” (“Essa concepção vem sendo trabalhada há uns três anos”), a mudança estética das letras (“Tenho uma certa queda por letras não lineares, mas nesse trabalho quis soar mais direta”), a boa cena musical de Belém (“Vivemos uma daquelas boas marés”), e da parceria com Leo e Lemos além do Terruá Pará (“Participar desse projeto nos aproximou mais e era óbvia as afinidades musicais que tínhamos em comum”), além de muito mais. Confira!
A Madame Sataan durou 11 anos e deixou como legado dois álbuns, EPs e uma série de fãs. Em 2014 você anunciou sua saída do grupo para se dedicar a projetos pessoais. Há quanto tempo você vem arquitetando “Mamba”? Ele estava na sua cabeça antes de sua saída da banda?
Sim, estava. Mas esse trabalho, com essa concepção sonora, vem sendo trabalhado há uns três anos, período que voltei à Belém justamente para me dedicar à pesquisas sonoras e me dedicar à pré produção. Mas de fato, eu já havia começado a trabalhar nele em meu último ano morando em São Paulo.
O que mais lhe motivou a seguir carreira no formato solo?
Sempre esteve muito claro na minha cabeça que essa hora ia chegar. Ao menos pra mim era o caminho natural. Depois do acidente grave com o Ícaro Suzuki, baixista do Madame Saatan (que foi atropelado em 2012 numa calçada de Belém por um motorista embriagado), e sua saída definitiva da banda para se recuperar, vi que um ciclo havia acabado e que em breve seria também minha hora de partir. Após um tempo cumprindo agenda com a banda, com outros membros, comecei a concentrar em esboços sonoros, procurar músicos e novas parcerias, cheguei a fazer algumas gravinas e experimentos e foi quando decidi retornar à Belém para levantar o disco.
Em “Mamba” você é escudada pelos guitarristas Leo Chermont (Strobo) e João Lemos (Molho Negro), responsáveis pela produção do disco. Como foi o processo de criação e gravação do disco?
Bem, comecei a trabalhar valendo na pré produção em meu último ano em São Paulo, compondo adoidado coisas bem diferentes do que estava fazendo até então com o Madame Saatan, testando alguma coisa com músicos, conversando com alguns produtores, mas na real o processo lá pouco andou. Foi uma fase bem estranha. Quando resolvi voltar pra Belém, já tinha enfiado na cabeça que eu mesma iria produzir sozinha, pois já não botava muita fé que fosse encontrar parceiros que topassem encarar a missão comigo e que sentisse firmeza. Então reencontrei Leo Chermont, que já conhecia há séculos de outros projetos e que vinha fazendo um trabalho ótimo com o Strobo. Falei com ele que gostaria de mostrar um material, mas nem deu tempo por que logo em seguida fomos cooptados para participar de um projeto musical chamado Terruá Pará, que reunia uma parte expressiva de artistas paraenses. Entre esses artistas também estava João Lemos, do Molho Negro, outra banda feroz da cidade. Participar desse projeto nos aproximou mais e era óbvia as afinidades musicais que tínhamos em comum. Em um primeiro momento comecei a mostrar músicas pro Leo, e compor violentamente toda uma nova leva de músicas a partir de batidas que fui criando no Fruity Loops, junto ao violão e guitarra, e em cima disso ia acrescentando mais camadas de guitarras, teclados, efeitos e testando melodias. Começamos a gravar tudo no estúdio em casa, varávamos madrugadas testando músicas, e um pouco mais na frente chamei o João para trazer as influências garageiras e imprimir os timbres que são muito a cara dele. Ali vi que nós três éramos o time. A gravina foi bem rápida, pois já chegamos com o disco bem amarrado da pré, e contamos com Arthur Kunz na bateria, João Paulo Deogracias, no baixo e teclados, Dan Bordallo também teclados, além de Leo e João nas guitarras.
O disco tem direção artística de Carlos Eduardo Miranda. Como foi trabalhar com ele? Quais as contribuições que ele trouxe ao álbum?
Miranda é um apaixonado pelo Pará e o conheci em uma de suas primeiras vindas à Belém. Sempre conversamos sobre música, ideias, bandas e ele foi um dos maiores incentivadores para que eu seguisse sozinha. Foi também uma das primeiras pessoas a escutar músicas minhas, bem lá atrás, e acabou sendo natural a participação dele no disco. Ele sempre esteve por perto. O processo foi bem tranquilo, é muito bom trabalhar com quem acredita e se dedica com carinho a um trabalho, e ele trouxe ao álbum muitas referências, bastante ideias e toques muito certeiros que foram fundamentais no resultado final. Um guru bruxão musical muito querido e afiado.
Elementos eletrônicos convivem em plena harmonia com o peso das guitarras em várias faixas. Nesta nova guinada sonora, quais foram as referências que nortearam o disco?
Eu gosto muito de música eletrônica e pop e quis que isso soasse livre no disco junto a outras referências que passam por sons mais densos e ritmos como cumbia e o velho brega. Geralmente quando falo de referências cito estilos, e não bandas e músicos, mas vamos lá: Siouxsie, PJ Harvey, Black Sabbath, Babe Ruth, New Order, Yeah Yeah Yeahs, Kula Shaker, Tom Waits, Nick Cave, Ministry, Dengue Dengue Dengue, Deltraton, Los Wemblers de Iquitos Jards Macalé, Waldo Squash e toda uma leva de bregas marcantes da década de 80, música eletrônica dos anos 90, rodavam pela minha playlist, seja por que são referências de sempre, ou coisas que ando escutando.
Suas composições na época do Madame Sataan eram marcadas pela dramaticidade e pelo hermetismo. Hoje é perceptível que você opta por uma linguagem mais simples, com um olhar, digamos, mais “ensolarado”. Procede? De alguma forma suas letras refletem sua atual fase pessoal?
Tenho uma certa queda por letras não lineares, mas nesse trabalho quis soar mais direta, já que as músicas são mais simples, e sim, joguei um tanto de luz sobre o trabalho, apesar de ser um uma espécie de rock/pop um tanto sombrio e isso certamente tem a ver com meu momento pessoal atual.
O disco foi lançado sob a bênção do selo Natura Musical. Como se deu a parceria entre vocês?
Quase não me inscrevi para participar (do edital). Foi o ano que perdi meu pai e havia dado uma pequena pausa na pré-produção do disco, que ia seguir por tempo indeterminado. Leo insistiu e me forçou a mandar material para me trazer de novo à tona. Me inscrevi sem pretensão alguma e foi uma surpresa ter sido chamada. A partir daí tudo foi indo rápido, e é realmente um privilégio hoje em dia no Brasil contar com um suporte desses para lançar um disco. Fiquei feliz de poder lançar meu primeiro disco através de uma plataforma desse porte, mas de qualquer forma eu faria o disco, com ou sem edital. É importante para o músico, artista, participar dos editais que estão por aí, tem mais que se inscrever mesmo, mas eles não conseguem abarcar a imensa produção musical independente brasileira. Focar somente neles gera frustração, vejo vários conhecidos e amigos, olhando somente pra esse caminho. Acho que ninguém deve esperar por nada e ir logo se adiantando, fazendo do melhor jeito que puder suas produções.
O mercado independente prolifera com inúmeros artistas em destaque Brasil afora. Mesmo estando em São Paulo acredito que você acompanhou (ou acompanha) o que acontece em Belém. Como anda a cena por lá?
Voltei a morar em Belém há três anos. Vim para produzir o disco e ficar um pouco com minha família. Mesmo enquanto morava fora (seis anos em SP), sempre acompanhei o que acontecia aqui. Belém é uma cidade que brota música de tudo que é lugar, a produção é frenética, há muita banda nova surgindo e recentemente existe cada vez mais espaços que estão abrindo para musical autoral. Vivemos uma daquelas boas marés. Temos os que estão na pista, varando o mundo, como Dona Onete, a nossa rainha mãe, a guitarrada pop com Manoel Cordeiro, Felipe Cordeiro, Lucas Estrela, bandas ferozes como Molho Negro, Strobo, Sokera e os veteranos Delinquentes, Aeroplano e somos um Estado de cantoras de muita personalidade como Luê e Aíla e toda uma nova leva chegando. Os festivais grandes, como o Se Rasgum, e os médios e pequenos que tem aparecido, estão firmes e fortes a cada ano que passa, apesar das dificuldades de captação de recursos.
Você já está excursionando para divulgar “Mamba”. Como será a turnê. Quais os músicos lhe acompanham nesta nova fase?
A banda que me acompanha: Leo Chermont e João Lemos nas guitarras, Júnior Feitosa na bateria, Inês Fernandes no baixo, Dan Bordallo teclados. Lancei o disco em Belém, São Paulo e Belo Horizonte e agora sigo na missão circulação. Há shows marcados no Pará e algumas sondagens pelo Brasil. Como moro em Belém agora, é um tanto mais difícil viajar com a banda nesse formato, mas estou me programando para passar uma temporada em SP ano que vem. Fora isso, já entro em estúdio em novembro para uma gravar uma nova música para lançar começo do ano que vem e tá vindo clipe novo.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. A foto que abre o texto é de Liliane Pelegrini / Divulgação.
Seria justo o Scream colocar o crédito da fotografia.
Essa mulher é foda! Esse primeiro dela é muito bom, e pelo que soube continua sendo morta de arrasadora no palco. Pra mim nossa melhor artista feminina brasileira fazendo rock.