por Bruno Lisboa
Músico. Produtor. Artista gráfico. Gerente de selo musical independente. Estas são algumas das múltiplas atividades assumidas pelo incansável Lê Almeida. Sob a sua batuta e regimento, Lê Almeida coordenas as ações da Transfusão Noise Records (selo responsável por sua carreira de outras bandas como a The John Candy e Gaax), lidera um coletivo artístico e um zine de colagem de imagens, produz discos de parceiros de selo (como “Amor Só de Mãe”, da Giallos), conduz uma prolífica carreira solo e ainda arruma tempo para participar de outros projetos musicais como a Cosmo Amantes.
Prolifico, Lê Almeida fala aqui sobre as motivações do disco “Mantra Happening” (“que surgiu a partir de sessões de improviso que fizemos pra trilhar o filme “Over The Edge”), lançado em março deste ano e disponível para download digital em seu Bandcamp, explicando que esse álbum “atropelou” seu novo disco, “Todas as Brisas”, que já teve o segundo single, a faixa título, divulgado no Soundcloud (tal qual “Meditação Oracular”, o primeiro single do novo trabalho que será lançando em outubro – ouça as duas abaixo) e também gravado no Escritório, o estúdio e “clube de recreação da Transfusão Noise Records”, segundo apresentação própria.
Nesta ótima entrevista concedida por e-mail ele fala também da logística da Transfusão Noise (“Minha ideia de negócios é marginal, gravar os discos, fazer os shows, seguir em frente”), o revival do formato cassete, suas influências, a concorrência com o selo carioca Midsummer Madnes (“Acho natural ter umas concorrências, mas acho bom ela ser pelos bons sons, pelas melhores e maiores ondas, nada mais”), o Escritório (“Lá não tem internet. Então consigo gastar o tempo de modo produtivo”) planos futuros e muito mais. “Meus discos acabam sendo fases da minha vida documentadas em canções”, ele avisa! Confira o papo.
Em “Mantra Happening”, se comparado ao seu disco anterior (“Paraleloplamos”, de 2015), você aposta em canções mais longas e experimentais. Como foi o processo de criação e produção do novo disco?
O “Mantra” foi um disco que surgiu a partir de sessões de improviso que fizemos pra trilhar o filme “Over The Edge” no ano passado no MIS / SP, daí fomos lapidando bem pouco as faixas e gravamos todo o instrumental em uma tarde no Escritório (o estúdio da Transfusão). Só uma das faixas tinha letra e só gravamos depois as vozes. Foi um processo diferente de tudo que já tinha feito. O disco ao vivo sempre é diferente a cada tocada. Hoje em dia ele a gente tá até mais esperto tocando ele, mas foi bom ter gravado sem conhecer de fato as canções a fundo. A última do disco a gente nem passou, 100% improviso. Com o “Mantra” a gente meio que atropelou um disco que eu vinha gravando sozinho e que tá pra sair entre setembro e outubro chamado “Todas as Brisas”.
“Paraleloplasmos” foi um disco conceitual sobre término de relacionamento e com letras mais elaboradas. Já em “Mantra Happening” as letras das canções, de um modo geral, são mais simples, diretas, com uma ótica otimista. Você geralmente compõe em ode a fase que vive? O cotidiano interfere em suas criações?
Acho que isso acontece ao natural, você vai vivendo algo e reflete no que faz. Meus discos acabam sendo fases da minha vida documentadas em canções. O “Mantra” é especial, pois fez os laços de amizades entre eu e os meus irmãos de banda ficarem muito mais fortes. O próximo, por ter sido gravado entre esses dois, pega vibes do “Paralelo” e do “Mantra”.
Você coordena as ações do selo Transfusão Noise Records, responsável pelos lançamentos de seus próprios discos e de uma série de outras bandas. Como se dá seleção do cast?
Hoje em dia essa função não é só minha, o João Casaes, que toca guitarra comigo e masteriza quase todos os discos do Escritório também fica a cargo disso. Como era no início, ainda hoje a Transfusão tem uma ligação de amizade, de laço. As relações são pelos bons sons, mas sempre a galera das bandas acabam virando nossos amigos íntimos. Minha ideia de negócios é marginal, gravar os discos, fazer os shows, seguir em frente.
Além de sua carreira solo e administração do selo você ainda tem uma série de outras bandas e projetos. Como conciliar tantas atividades?
Hoje em dia por causa do Escritório fica mais fácil. Lá não tem internet. Então consigo gastar o tempo de modo produtivo, fazendo não só música e gravações como colagens, que, aliás, comecei uma série que vai ser exposta em breve em uma galeria em São Paulo.
Aparentemente a criação do Escritório foi o ponto de transição tanto para seu trabalho e quanto para o selo. Qual a importância de se ter um espaço como este?
Foi uma mudança muito boa, principalmente pro bem estar dos meus pais, deixar de fazer uma zona em casa e ter um lugar só pra isso sempre foi uma das metas da minha juventude. Junto com o João, Joab e o Bigú passei a explorar muito mais os sons e as canções e por ser bem no meio do centro do Rio, o Escritório passou a ser o nosso ponto de encontro, reuniões, bebedeiras. Mudou a minha vida e passei a conhecer e lidar com muitas pessoas diferentes ligadas a arte.
Em matéria recente o k7 fora apontado como “o novo vinil”. Você há bastante tempo tem lançado fitas k7 através da Transfusão. Como tem sido a receptividade do público deste formato?
Eu não concordo muito com esse “novo vinil”, mas compreendo que a vida é cíclica, então sempre girar essa roda. Ultimamente o cassete tem tido uma boa visibilidade e por conta da crise esta sendo mais viável e melhor de lidar fazer alguns discos em cassete do que em vinil. Sou muito a favor de todas as mídias existirem em cassete e além dos discos saírem no formato acho que algumas bandas poderiam dar atenção as gravações feitas em cassete. Existe muita magia em torno dela, compressores naturais, um aveludado único!
Ainda abordando sobre o formato: como nasceu a ideia e em que consiste o Cassete Club?
A ideia do Cassete Club nasceu pra gente poder gravar umas bandas na fita que nunca tiveram essa experiência e também as nossas bandas. Eu acho o som da fita algo muito bonito, alguns dos meus discos preferidos foram gravados em cassete “Alien Lanes” (1995), do Guided By Voices, e “Love Tara” (1993), do Eric’s Trip. Quero demais que uma galera também possa sentir algum tipo de magia rolando nas fitas. A ideia é gravar e ir lançando os singles no Soundcloud do Escritório e as capas são todas feitas por um coletivo de colagem que acabei de formar chamado Tanto Coletivo, com amigos aqui do Rio e de São Paulo. Quando tivermos uma quantidade de faixas que preencha um disco vamos lançar num formato zine, com todas as capas, infos e algumas coisas a mais.
No livro “RCKNRL” (de Yuri Hermuche) você apontou as dificuldades que você teve no início de carreira. Hoje em dia artistas independentes enfrentam, a nível nacional, dificuldades quanto a conquista de espaço e de público que, geralmente, tem predileção por bandas covers. Como você vê o cenário atual?
Eu acho que continua difícil, mas quando se tem foco no que faz é natural gerar pelo menos alguns frutos. Acho que talvez com o tempo algumas bandas tenham perdido o interesse em fazer bons discos. Às vezes o foco fica meio perdido. Eu ultimamente tenho me interessado mais e mais no pessoal do improviso, muito por causa do Cacá Amaral, da Juliana R. e do Henrique Diaz, e tem me feito evoluir na guitarra e ver como funciona a música fora do contexto indie. Tem sido inspirador. Pra mim a música é um caminho para se aventurar, não quero gastar meu tempo pensando nas artimanhas mercadológicas.
O status de “guitar hero” já lhe fora atribuído. Quem são os seus heróis do instrumento?
Que bobagem, tô longe, mas meus heróis de guitarra são o Steven, do Flaming Lips, o Greg Gin, do Black Flag (embora ele seja um cuzão hoje em dia foi ele quem definiu um estilo de solo de outro mundo). Gosto muito do Doug, do Built to Spill, também, influencia demais.
Em 2013 você lançou um disco de covers que, de certa forma, ajuda a conhecer um pouco das suas referências músicas. Por mais que primordialmente seus discos sejam autorais você já pensou em gravar álbum inteiro de versões? Se sim quais canções você teria o interesse de regravar?
Pode crer, na real foi só um apanhado de versões que tinham entrado em discos tributos ou eram sobras de discos como a do Bunnygrunt que entrou no LP duplo comemorativo da WeePOP na Inglaterra. Eu já pensei em gravar uns covers mais chapados de coisas dos anos 60 nacionais como Renato e Seus Blue Caps, Odair José, Ronnie Von. Adoro essa galera. A gente tá pra gravar no esquema do Mantra uma cover do Cypress Hill.
Ainda falando sobre “RCKRL”, no livro você fala sobre o período em que você fez parte do cast da Midsummer Madness, das desavenças que teve com o selo e de que como este problema o incentivou na criação da Transfusão. Gostaria que você falasse sobre essa concorrência natural e como é a relação de vocês hoje.
Quando eu fiz parte da Midsummer eu já tinha a Transfusão. Eu era muito fã do Second Come, do Stellar, mas quando tive um contato mais aprofundado percebi que a minha filosofia de som era outra. Ainda respeito muito eles, pelo que fizeram no passado. Acho natural ter umas concorrências, mas acho bom ela ser pelos bons sons, pelas melhores e maiores ondas, nada mais.
Você recentemente se apresentou ao lado da Giallos (após ter produzido o álbum “Amor Só de Mãe”, de 2016). Vocês pretendem levar esta turnê para outras cidades? Ou até mesmo gravar algo juntos?
Essa experiência foi mágica. Estamos programando fazer mais vezes esse show e também tocarmos as duas bandas juntas um set inteiro. Tenho vontade de gravar um split com eles. Na real tenho bolado umas ideias. A gente tem uma relação muito boa e todos eles são muito bons no que fazem. Foi uma honra produzir o segundo disco deles
Você já falou sobre alguns projetos engatilhados para ainda este ano. Como ser prolífico que é tem algo a mais que o público pode esperar?
Monte de coisa. Agora dia 23 de agosto (a entrevista fora realizada na primeira quinzena de agosto) a gente toca em SP no SESC Pompeia com uma formação de duas baterias (contando com o Flavio, do Giallos). Em setembro a gente volta pra participar de duas feiras SP também e no meio do mês tem a abertura de uma expo minha chamada “Todas as Brisas” na galeria Recorte. Essa expo é uma série baseada no disco novo de mesmo nome. A gente deve tocar na abertura. O disco sai no inicio de outubro aqui e nos Estados Unidos via IFB Records em LP. Em novembro a gente faz um festival de quatro dias da Transfusão no Oi Futuro, com debates, oficinas e shows e se tudo der certo em dezembro a gente faz uma tour pelo Sul. Em breve eu devo começar a gravar o primeiro disco da Cosmos Amantes e também tô pra gravar um disco de improviso com o Cacá, a Jú e o Diaz em SP ainda em agosto. Recentemente montei um coletivo de colagem chamado Tanto Coletivo com alguns amigos do Rio e de SP, além de um zine, colagens colaborativas e algumas oficinas. Também estamos cuidando das capas do Cassete Club, projeto que criei em junho destinado a gravações de singles somente em fita cassete no Escritório e que está indo para o 4° single.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão