por Marcos Paulino
Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno, gostava de desenhar tirinhas com um personagem chamado Beeshop. Ele vivia aventuras baseadas em histórias pessoais de seu criador, que o tem como uma espécie de alter ego. Das tirinhas, Beeshop migrou para a música, num projeto solo de Lucas que acaba de chegar ao segundo disco, “The Life and Death of Beeshop”. Em oito faixas, entre inéditas e novas versões de canções lançadas no intervalo do CD anterior para este, o músico experimenta caminhos bastante diferentes daqueles a que estão acostumados os fãs da Fresno.
Já em 2010, quando o Scream & Yell encontrou Lucas para conversar sobre “The Rise and Fall of Beeshop”, o primeiro disco, Lucas explicava: “As pessoas já têm uma expectativa em relação ao Fresno, porque o universo em que a gente trafega musicalmente é mais fechado. É rock, popular, mas rock, onde todos da banda colaboram (leia a entrevista completa)”. Agora ele se volta ao indie rock neste “The Life and Death of Beeshop”, mas esclarece: “O Beeshop é um projeto mais estético, mais de criação, do que um porta-voz pra minha mensagem”. Nesta entrevista ao Plug, parceiro do Scream & Yell, Lucas fala mais sobre esse projeto.
No disco anterior (“The Rise and Fall of Beeshop”), você falou da ascensão e queda do Beeshop. Neste, trata da vida e da morte dele. Ele vive neste eterno sobe e desce?
Matou a charada. O principal motivo desse título é uma analogia com as pequenas mortes e as pequenas vidas do dia a dia. Nossa vida passa o tempo inteiro nessa montanha-russa. Neste segundo disco, vou mais fundo ainda na melancolia e também na alegria.
Você iniciou esse projeto em 2008, com o EP “The Really Really I’m Sorry”. Então demorou dois anos pra lançar o primeiro CD e seis pro terceiro. Foi proposital essa demora?
Fui fazendo naturalmente, por isso o calendário é tão espaçado. A coisa vai acontecendo, não tem pressão de agenda ou de gravadora. O Beeshop só aparece quando ele quer. Como é um projeto que levo de maneira secundária em relação à Fresno, acabei demorando porque fiz uma infinidade de outras coisas com a banda. E isso mostra porque um álbum é muito diferente do outro, muita água passou debaixo dessa ponte. Não sei quando vai sair o próximo, mas sei que será bastante diferente também, justamente porque não preciso seguir uma cartilha ou atender a expectativa das pessoas. Muito pelo contrário. Meu objetivo principal é surpreender quem está ouvindo, mostrar um lado que até pra mim era secreto.
Enquanto o primeiro disco do Beeshop é mais pop, este está mais indie rock. Concorda?
Concordo. No primeiro disco, eu me sentia como alguém que estava querendo provar um monte de coisas. Quando a Fresno assinou com uma gravadora grande, a gente precisava provar pros fãs que a gente tinha conquistado que a banda não iria mudar, que a gente continuava sendo gerente da nossa vida. Ao mesmo tempo, precisávamos provar pra pessoas que nem sabiam quem a gente era que conseguíamos fazer outras coisas, outro tipo de música. Era aquela coisa de adolescente de procurar uma aprovação. Nessa busca, que nem acho muito saudável, consegui fazer um disco do qual me orgulho muito, que foi o primeiro do Beeshop. Foi aquela coisa de mostrar o que eu conseguia fazer, como eu conseguia cantar. No disco novo, tive um desapego muito maior, meus lados musicais multifacetados já são mais conhecidos das pessoas. E também já não me importo mais tanto com a opinião dos outros, que não afeta mais minha produção artística. Essa falta de pretensão faz o som soar mais legal ainda pra não conhece.
Você fez o disco dividido em duas partes, com duas abordagens, inclusive com engenheiros diferentes pra mixar cada “lado”. Qual o motivo dessa decisão?
Nesse disco, o que fica mais latente, até pra quem não sabe o que eu quis dizer, é o desprendimento que tive pra fazer. Não ensaiei as músicas com ninguém, nem sozinho, não tinha certeza sobre nenhuma harmonia, sobre nenhuma nota vocal. Só tinha as músicas de maneira bem inacabada na mente. Chamei um baterista, o Guerra, que hoje também toca na Fresno, pra registrar comigo essas ideias. Peguei ele meio de supetão, ele já foi tocando em cima e fomos gravando. Acabou virando um samba do crioulo doido, uma mistureba de levadas e sons. Depois passei um tempão editando, selecionando, fazendo a curadoria dessas viagens nossas, pra dar um esqueleto pras músicas. Então fui pra um segundo momento, que era gravar o resto do instrumental. Isso confere ao disco uma aura de complexidade. Tem músicas que, mesmo com uma estrutura pop, têm camadas de detalhes, nas quais uma banda que se junta pra ensaiar não chega. Há coisas que nunca se repetem ao longo das músicas, não seguem o fluxo natural que as pessoas estão acostumadas a ouvir. Seguem o fluxo do ímpeto. A primeira música, principalmente, é a mais sem pé nem cabeça, e quis manter assim pra que a pessoa tenha um apanhado de muitas sonoridades diferentes numa mesma faixa.
Quando você lançou o primeiro disco do Beeshop, especulou-se que estava tentando engrenar uma carreira internacional, até por ser cantado em inglês. Seis anos depois, você tem alguma pretensão nesse sentido?
Pelo fato de ser em inglês, muitas pessoas pensaram isso. Mas não é algo no qual despendi muita energia. Já é tão difícil começar uma carreira no Brasil, e nos Estados Unidos é 20 vezes mais. Eu teria que largar tudo pra tentar alguma coisa, e essa nunca foi minha pretensão. Minha intenção é desovar minha criação. Se ela é em inglês, realmente aumentam minhas chances de acontecer alguma coisa lá fora, mas não estou investindo nisso. Carreira é um negócio muito sério e é bem difícil quando você está dedicando 100% de sua energia, imagina quando é um projeto secundário. Acho que é mais um laboratório de composição. Já vi nas estatísticas do YouTube que tem gente lá de fora que ouve, mas é insignificante perto do tanto de gente que ouve no Brasil. Além disso, hoje em dia, há uma volta das bandas brasileiras que tocam em inglês, como era antigamente com o rock alternativo.
Além do Beeshop, você tem outros dois projetos paralelos, o SIRsir e o Visconde. Como você faz pra controlar essas frentes todas de trabalho?
Não controlo, não exerço nenhuma gerência sobre isso. O que demora mais pras pessoas entenderem é que o objetivo disso tudo é muito mais a criação, a composição pura e simples, ver a reação das pessoas, que ter carreiras paralelas. Pelo menos pra mim, a parte fácil e divertida é entrar no estúdio e gravar uma coisa nova, fazer um trabalho do zero. A parte que chamo de trabalho é lançar, dar entrevista, e depois fazer shows. Isso despende muito tempo, muita energia. E essa energia administrativa fica muito focada na Fresno, que hoje é uma banda independente, então o trabalho fica muito nas nossas mãos. A gente cuida de todas as áreas da banda justamente pra que tudo reflita a mesma mensagem. O que acaba ficando mesmo, mais do que os shows, é a tua obra, teus discos, o que você lançou. Aquilo vai mostrar no futuro o que você é. Agora estou me preparando pra fazer uma pequena série de shows do Beeshop, mais pro final do ano. Mais pra coroar o trabalho, porque não tem como uma pessoa ter duas bandas, uma hora elas vão acabar concorrendo. É aí que a carreira solo vira um problema pro resto da banda.
Há quem defenda que você se dedique a uma carreira solo, porque você estaria transcendendo os limites da Fresno. O que acha disso?
Quem bom que alguém acha isso. Mas quem tem a leitura mais próxima do que acontece no meu dia sou eu, e vejo a Fresno como meu principal megafone. E através dele posso explanar ideias e passar de fato uma mensagem, mais do que fazer músicas bonitas. Tenho que usar meu poder de persuasão que adquiri virando um músico pra tentar dar uma melhorada no mundo. O Beeshop é um projeto mais estético, mais de criação, do que um porta-voz pra minha mensagem.
Você costumava monitorar na internet o tempo todo o que estavam falando do seu trabalho. Continua assim?
Um pouco menos, desapeguei um pouco disso. Claro que minha presença nas redes sociais ainda é muito grande, gosto do Twitter, que é onde mais consumo humor e informação. Tenho que estar onde meu fã está. A divulgação das bandas está ficando cada vez mais digital. Mas desapeguei daquela coisa de antes, de ficar preocupado se alguém não gostou. Hoje sou um cara mais ocupado. [Risos]
Como vão ser os shows do Beeshop no final do ano?
Vai ser uma série de shows, não chega a ser uma turnê. Não vou parar com os shows da Fresno. Vai ser mais pra marcar o lançamento, e também porque é muito legal pegar um disco novo, ensaiar e tentar encontrar uma linguagem pra transmiti-lo ao vivo. Vamos aproveitar e filmar alguns deles.
– Marcos Paulino é editor do caderno Plug (www.mundoplug.com), da Gazeta de Limeira.
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