Boteco: Cinco Estados, Dez Cervejas

por Marcelo Costa

PERNAMBUCO
De Recife, uma das primeiras micro cervejarias pernambucanas a receber o MAPA, a Babylon aposta no estilo German Pilsener para o seu primeiro lançamento: Babylon German Lager, uma cerveja de coloração dourada cristalina com creme branquíssimo de ótima formação e media alta retenção. No nariz, presença assertiva de notas derivadas de cereais valorizando a doçura (mel e caramelo), mas, infelizmente, acompanhada do off-flavour DMS sugerindo milho cozido (vale lembrar que DMS é praticamente uma marca registrada de light lagers). Na boca, textura cremosa com leve acidez, estranha ao estilo. O primeiro toque consegue driblar os “defeitos” oferecendo mel, caramelo e suave cítrico (abacaxi passado). O amargor é baixo (24 de IBU) e, dai pra frente, o conjunto valoriza uma cerveja refrescante e que, corrigido o off-flavour, pode surpreender. O final é levemente amargo. No retrogosto, refrescancia, cítrico suave e cereais.

A novíssima Cervejaria Recife chegou ao mercado em janeiro de 2016 com três rótulos da linha Ekäut: Pilsen Tcheca, Munich Helles e esta American IPA, que se utiliza dos lúpulos Made in USA tradicionais: Cascade, Citra e Amarillo – com direito a dry-hopping. De coloração âmbar alaranjada bonita com creme branco espesso levemente alaranjadinho de boa formação e retenção, a Ekäut American IPA apresenta um aroma típico do estilo, com notas assertivas derivadas da lupulagem trazendo algo de cítrico (maracujá, toranja), herbal (pinho) com mel e caramelo suaves na base. Na boca, textura suave e levemente picante. O primeiro toque traz rápida doçura de mel e caramelo atropeladas no segundo seguinte por cítrico e herbal. O IBU 50 sinaliza um amargor caprichado, mas não longo: é uma pancada rápida no final em meio a sugestões de doçura, cítrico e herbal. No retrogosto, amargor suave, toranja, pinho e mel. Boa!

SÃO PAULO
Lançada em março de 2016 pela paulistana Júpiter, a Bretta é uma Farmhouse Ale cuja receita utiliza a famosa e selvagem levedura belga Brettanomyces Trois além de malte de cevada, malte de trigo, centeio e 100% lúpulo Amarillo. De coloração amarela alaranjada com creme branco espesso de boa formação e longa retenção, a Júpiter Bretta exibe um aroma com notas cítricas deliciosas (maracujá, abacaxi e laranja) ao lado de um azedume bem suave. Há, ainda, percepção de especiarias. Na boca, a textura é frisante (começa suave e vai efervescendo). O primeiro toque traz acidez de levedura, azedume suave e um apelo cítrico envolvente. O amargor é eficiente (são 32 IBUs, mas parece um tiquinho mais pela colaboração da levedura) abrindo as portas para um conjunto rebelde e bastante agradável, que finaliza levemente azedo e cítrico. No retrogosto, maracujá e acidez suave.

Lançada em agosto de 2015, a Júpiter 10 Lúpulos (Centennial, Simcoe, Ahtanum, Amarillo, Topaz, Cascade, Columbus, Equinox, Citra e Motueka) é uma Double IPA potente indicada, claro, para hopheads. De coloração âmbar turva alaranjada com creme bege claro espesso de excelente formação e permanência eterna na taça, a Júpiter 10 Lúpulos apresenta um aroma com notas cítricas em primeiro plano (toranja, acerola e laranja) e herbais (pinho) e resinosas na base. Na boca, a textura é picante. O primeiro toque, no entanto, traz rápido caramelo e mel atropelados por resina, herbal e cítrico, que juntos turbinam o amargor, mais longo do que profundo (80 IBUs). Quem espera uma cerveja extrema irá se surpreender com um conjunto bastante saboroso, repleto de nuances cítricas, herbais, resinosas e um fiozinho de doçura. O final é intenso e amargo. No retrogosto, amargor, toranja e pinho. Muito boa!

PORTO ALEGRE
Cervejaria que começou sua produção visando abastecer seu restaurante em Porto Alegre em 1995, a DadoBier passou a engarrafar em 2004 e hoje tem 11 rótulos lançados (meu favorito entre os oito que experimentei é a American IPA) sendo essa Duons um dos lançamentos mais recentes da casa, uma Witbier com cevada, trigo, aveia, açafrão, anis estrelado, cravo, canela e cardamomo. De coloração amarelo turva (mais pra Blue Moon que Hoegaarden) com creme branco de boa formação e permanência, a DadoBier Duons exibe um aroma com especiarias em destaque: canela e anis suaves seguidos de cravo sobre uma delicada base de trigo e aveia. Na boca, a textura é suave. O primeiro toque traz doçura rápida seguida de condimentação (canela, anis, cardamomo) muito bem equilibrada. Dai pra frente, um conjunto refrescante que deve combinar maravilhosamente bem com pratos indianos e mexicanos. O final é seco com leve anis. No retrogosto, anis, cardamomo, cravo e canela distantes. Muito interessante.

Também de Porto Alegre, a Irmãos Ferraro marca presença nesta lista com a Nera Reale, uma Sweet Stout premiada no II Concurso Brasileiro de Cervejas de Blumenau, em 2014. Na taça, uma cerveja de coloração marrom escura exibe um creme bege de baixa formação e média permanência. No nariz, predomínio do malte tostado e torrado em notas que remetem tanto a café quanto a chocolate amargo com leve traço de baunilha e, também, leite. Na boca, a textura é deliciosamente cremosa. O primeiro toque traz doçura achocolatada atropelada no segundo seguinte por café sem nenhuma gota de açúcar e chocolate deliciosamente amargo. O amargor subsequente, porém, é médio e eficiente abrindo as portas para uma baita cerveja, robusta e que mantém o equilíbrio entre o amargor do café (derivado do malte torrado) e a doçura do chocolate amargo. O final é docemente amargo. No retrogosto, café em primeiro plano, mas há chocolate (amargo) também. Uma delicia.

RIO DE JANEIRO
Responsável por uma das American IPA nacionais mais interessantes do mercado no quesito custo benefício, a Jade, a Therezópolis apresenta a Copper, uma American Pale Ale lançada oficialmente no Mondial de La Biere 2015, mas ainda não tão fácil de encontrar (ao menos em São Paulo). De coloração âmbar caramelada com creme branco levemente alaranjado de boa formação e permanência, a Therezópolis Copper exibe um aroma delicadamente frutado, com notas cítricas (maracujá suave e tangerina) juntando-se ao mel e ao caramelo derivados do malte. Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque traz cítrico caprichado seguido quase ao mesmo tempo por doçura caramelada. O amargor é médio e eficiente abrindo as portas para um conjunto que preserva, de forma caprichada, a união de cítrico com caramelo. O final é amarguinho. No retrogosto, leve maracujá, caramelo e sorriso. Boa APA nacional!

Lançada durante o Festival Brasileiro da Cerveja 2016, em Blumenau, a Therezópolis Diamant é uma (tentativa de uma) Belgian Tripel que, na taça, apresenta uma coloração entre o amarelo e o alaranjado e creme branco espesso de ótima formação e permanência. No nariz, presença de álcool (uma porrada de 9.5%), doçura caramelizada (açúcar) e frutado intenso sugerindo banana, laranja, tangerina e pêssego com presença, ainda, de especiarias (semente de cravo). Na boca, textura cremosa. O primeiro toque junta doçura caramelizada com frutado, ambos se sobrepondo ao álcool, que praticamente desaparece em um conjunto de baixíssimo amargor e muita doçura (um tiquinho a mais do que deveria), que ainda traz banana, tangerina e pêssego numa salada de frutas alcoólica (os 9.5% não aparecem, mas estão lá, acredite). O final é frutado e levemente alcoólico. No retrogosto, frutado, açúcar e calor.

CURITIBA
Abrindo uma dobradinha da Way especial para o clube WBeer, mês de julho, com a Farmhouse Mexerica, uma Saison que recebe adição de suco de mexerica. De coloração amarela com média turbidez e creme branco de ótima formação e retenção, a Way Farmhouse Mexerica exibe um aroma bem interessante, valorizando a rebeldia da levedura Saison e acrescentando notas cítricas, que tanto podem vir da lupulagem quando da adição da fruta. Há, como manda o estilo, percepção de acidez e um leve azedinho. Na boca, textura quase cremosa e frisante. O primeiro toque oferece doçura, acidez suave, cítrico e leve percepção de álcool (7.9%) seguida de leve amargor. Na sequencia, um conjunto que sugere um meio termo entre uma Belgian Blond e uma Saison, com bastante doçura (alcoólica) e aridez tradicional das Farmhouse. O final é picante e alcoólico. No retrogosto, mexerica, doçura e leve álcool.

A segunda do pack WBeer de julho é a Way Abbey Ale, releitura curitibana para as cervejas de abadia que surgiram por volta de 1960 na Bélgica, que aqui (como as Abbey tradicionais) recebe Candy Sugar (a Way elaborou uma versão de calda de cana de açúcar especial para essa receita). De coloração âmbar acastanhada com creme bege claro de boa formação e média alta permanência, a Way Abbey Ale apresenta um aroma com forte presença de caramelo em primeiro plano, açúcar queimado e frutado (ameixa bem discreta) na base. Na boca, a textura é cremosa, quase sedosa, com leve picância (da levedura ou dos 7.5% de álcool). O primeiro toque traz caramelo envolvido em tostado e açúcar queimado seguido de leve acidez e leve amargor alcoólico. Dai pra frente, um conjunto com corpo mais leve do que uma Abbey belga, que não surpreende, mas também não decepciona. É simples e ok. O final é amarguinho. No retrogosto, leve adstringência, caramelo e açúcar queimado.

Balanço
Começando o passeio nacional com duas cervejas pernambucanas: a primeira é a Babylon German Lager, que sofreu com o off-flavour DMS, mas que parece ter potencial interessante se corrigido esse defeito. Bom ficar de olho nela! Mais uma de Recife, a Ekäut American IPA segue corretamente os preceitos do estilo e se falta inventividade, sobra uma cerveja bastante agradável prum dia de sol na Praia de Boa Viagem. Partindo para a capital paulista com mais duas novidades da Júpiter, a primeira delas uma Saison deliciosa chamada Bretta, que exibe uma aridez provocante e bem combinada com o lúpulo norte-americano Amarillo. Delicinha. A 10 Lúpulos, por sua vez, não brinca em serviço. Há amargor por toda a parte, mas, também, notas cítricas, herbais e resinosas, assim como um fiozinho de caramelo. Gostei bastante! Representando o Rio Grande do Sul, a DadoBier surpreende com a Duons, uma Witbier bem interessante e repleta de especiarias, que conseguem se equilibrar no conjunto. Boa surpresa. Melhor ainda é a Nera Reale, que representa a Irmãos Ferraro, uma Sweet Stout de responsa, com café sem açúcar e chocolate amargo deliciosamente combinados. O Rio de Janeiro é representado pela Therezópolis, que apresenta a bela irmã da Jade: Copper, uma American Pale Ale caprichada, com menos lúpulo do que a Jade, mas, ainda assim, lupulada e agradável. Já a Diamant é uma Belgian Trippel que peca pela doçura excessiva (além da sugestão intensa de banana), mas compensa no custo benefício. De Curitiba, a Way apresenta duas cervejas exclusivas do clube WBeer: a primeira é uma Saison com mexerica, muito bem inserida no conjunto (é perceptível em todas as fases de forma muito bem equilibrada). O senão aqui é o álcool, mais presente do que deveria, mas, ainda assim, uma cerveja bem interessante. A Way Abbey Ale soa uma boa tentativa da casa, mas aquém do potencial do estilo. Esperava mais.

Babylon German Lager
– Estilo: German Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 1,75/5

Ekäut American IPA
– Estilo: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,5%
– Nota: 2,99/5

Júpiter Bretta
– Estilo: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,2%
– Nota: 3,43/5

Júpiter 10 Lúpulos
– Estilo: Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8,5%
– Nota: 3,85/5

DadoBier Duons
– Estilo: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,13/5

Irmãos Ferraro Nera Reale
– Estilo: Sweet Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,2%
– Nota: 3,52/5

Therezópolis Copper
– Estilo: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,2%
– Nota: 3,25/5

Therezópolis Diamant
– Estilo: Belgian Tripel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9,5%
– Nota: 3,24/5

Way Farmhouse Mexerica
– Estilo: Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7,9%
– Nota: 3,34/5

Way Abbey Ale
– Estilo: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7,5%
– Nota: 3,10/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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