por Pedro Salgado, de Lisboa
Numa tarde quente encontro-me inicialmente com a baixista Helena Andrade e trocamos algumas impressões sobre a chegada do verão a Portugal e outros aspectos relativos à atualidade musical. A sua irreverência e sentido de humor, uma característica identitária das Anarchicks, depressa se estenderá à baterista Catarina Henriques e juntos abordamos o momento presente do mais conhecido grupo feminino de punk rock português, numa esplanada do Parque das Nações, na zona oriental de Lisboa.
O segundo álbum da banda, “We Claim The Right To Rebel And Resist” (2016), que foi antecedido pelo EP digital “We Claim The Right”, editado pela Blitz Records, representa uma tentativa das Anarchicks de alargarem a sua base instrumental, integrando o funk e uma elaboração sonora superior no punk pop que as define. “É natural que as nossas canções apontem para novas direções, porque trabalhamos livremente e não temos pudor em experimentar estéticas variadas. Isso também se deve aos diferentes estados de espírito por que passamos”, explica Catarina.
Um dos fatores determinantes para o maior vigor do grupo foi a chegada da nova vocalista, Marta Lefay, em 2013. “Ela tem uma faceta roqueira muito vincada, o seu timbre vocal assenta muito bem nesse conceito e ao vivo tem um cunho pessoal que valoriza as Anarchicks”, explica a baterista. Relativamente ao interesse da mídia na banda, prevalece uma atitude despreocupada, em função do meio underground português ser pequeno, mas o presente é encarado com otimismo. “Globalmente, a mídia e o público percebem que estamos maduras, fazemos temas mais complexos, elaborados e acima de tudo continuamos”, afirma Helena. De Lisboa para o Brasil, as Anarchicks conversaram com o Scream & Yell. Confira:
O álbum “We Claim The Right To Rebel And Resist” é um manifesto ou um grito de revolta das Anarchicks?
São as duas coisas, um manifesto de revolta (risos). Existe sempre um manifesto subjacente ao grito de revolta, porque sem isso a mensagem ficaria esvaziada. O manifesto suporta o nosso grito de revolta e pretende cortar os dogmas. Há uma força interior que nos diz que temos de escutar a própria voz e a materialização disso é o manifesto musical.
A faixa “Sloppy Seconds” tem um forte pendor urbano e noturno. Como vocês conciliaram a colaboração com a cantora canadense Peaches?
Quando fizemos a canção estávamos pensando na Peaches. Como a conhecíamos há algum tempo e tínhamos uma boa relação, lançamos o desafio para que ela fizesse o que pretendia sem qualquer limitação. Mandamos-lhe a música pela Internet e ela gravou a parte que escolheu, enviou-nos de volta e o nosso produtor (Fernando Matias) encaixou as várias peças e o resultado está na música. Achamos que funcionou a perfeição e era mesmo aquilo que queríamos. Levamos em consideração o estilo da Peaches, porque fizemos o tema nessa base e quando delineamos a música achamos que era perfeita para ela cantar.
Na apresentação do disco, na Musicbox, no dia 2 de Abril, o show foi bastante dinâmico, mas fiquei com a sensação de que o palco foi pequeno demais para o entusiasmo do grupo. Concordam?
Concordamos plenamente. Podemos fazer shows em palcos duplos com cada uma das integrantes tocando em diferentes pisos, isso seria ideal para a banda (risos). Gostamos de abrir os braços e esticarmo-nos, porque cada uma de nós ocupa muito espaço (risos). Falando sério, não há nenhum palco que seja maior ou menor para as Anarchicks, o que pretendemos é tocar a nossa música com entusiasmo, energia e ter um bom público assistindo. Tivemos a sorte da Musicbox estar praticamente cheia nessa noite, nós adoramos o show e o público também gostou. Foi ótimo tocar o álbum na íntegra e embora nos agradem palcos grandes, agradou-nos essa atuação, porque é tudo rock n´roll.
Durante o show, vocês tocaram “Helter Skelter”, dos Beatles e “Anarchy In The UK”, dos Sex Pistols. A inclusão destes temas no setlist foi apenas uma questão de gosto pessoal ou pretendiam inflamar o público?
Inflamar é sempre positivo, mas foi acima de tudo por gosto pessoal. A nossa guitarrista (Ana Moreira) é super fã de Beatles e já tocamos “Helter Skelter” há muito tempo por puro gozo. Sentimos uma grande química, é uma faixa bem ao estilo das Anarchicks, dá-nos prazer tocá-la e o público reage bem à nossa versão. Como você perguntava, é uma mistura das duas coisas, mas é sempre o gosto da banda que impera. A “Anarchy In The UK” foi uma brincadeira, trocamos Anarchy por Anarchicks e alteramos igualmente o refrão para “I Wanna be an Anarchick!”. Tinha que acontecer e sem ser planejado fez todo o sentido. Foi nesse show que a tocámos pela primeira vez ao vivo.
Em função dos vários concertos que fizeram fora de Portugal e da colaboração com a Peaches nunca equacionaram a hipótese da internacionalização?
Sim e gostávamos muito que isso acontecesse. O que é preciso fazer para tocarmos no Brasil? (risos). As experiências que recolhemos dos nossos shows em França, Alemanha e na Espanha foram muito positivas e superaram as expectativas. Quando atuamos no exterior, pensamos sempre que somos uma banda portuguesa, ninguém nos conhece, mas o público adere ao espetáculo, são apresentações energéticas, com a assistência gritando, saltando e fazendo mosh. No final dos concertos, as pessoas pedem autógrafos e batem fotos conosco. Nos dias de hoje, com a ferramenta decisiva da Internet, já não é difícil conhecerem o nosso som nos vários cantos do mundo. Concluindo, estamos totalmente receptivas à internacionalização das Anarchicks.
Gostariam de deixar uma mensagem aos leitores do Scream & Yell?
Pegando no conceito do nosso disco, “We Claim The Right To Rebel And Resist”, desejamos que agarrem os seus sonhos, façam valer os vossos direitos e lutem por aquilo em que acreditam e gostam. Sabemos que o Brasil passa por dificuldades e, por isso, a mensagem que passamos não está ultrapassada e faz todo o sentido. Aqui em Lisboa temos os nossos problemas e nem sempre temos a noção dessas situações. Por isso, expressamos esse direito pessoal e queremos tocar no Brasil. Vamos lá!
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
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