por Marcelo Costa
“Procurando Dory”, de Andrew Stanton e Angus MacLane (2016)
A Pixar não erra. No mínimo, quase acerta. Dentre seus 17 filmes lançados (este incluso) há desde obras primas (“Ratatouille”, “Up”, “Toy Story 3”, “Divertida Mente”) e filmes excelentes (“Monstros S.A.”, “Os Incríveis”, “Procurando Nemo”) até uma longa lista de animações muito boas, mas menores. “Procurando Dory” se encaixa exatamente nesta última lista, o que não desmerece o filme, mas, inevitável, frustra quem esperava a inspiração de “Divertida Mente” (2015). Ainda assim é impossível não se encantar pela fofurice da pequena Dory, peixinho azul que sofre de perda de memória e que, um dia, se desgarra dos pais e vai nadar solitária e espevitada neste enorme oceanão de Deus. “Procurando Dory” flagra a busca da peixinha por sua família, o que a leva a diversas aventuras espalhadas num roteiro com poucos momentos de brilho e muito pastelão. O recado final é direto: valorize a família, os amigos e respeite as diferenças. Se antes da estreia gerou polêmica o frame de um hipotético casal gay, a Pixar provoca genialmente ao mostrar o “herói” não como um ser belo e divino, mas sim como um polvo malandro que perdeu um tentáculo, e ainda cede alguns deliciosos minutos de brilho para um pássaro aparentemente maluco: nos dois casos, os personagens mostram que atrás de sua “diferença” existe uma boa “pessoa”. Com vários personagens menores interessantes (a tubarão-baleia míope Destiny é adorável), o grande momento de “Procurando Dory” não está no filme, mas no curta “Piper” que antecede a sessão: esse sim é a Pixar sendo genial.
Nota: 6
“Um Belo Verão”, de Catherine Corsini (2015)
“La Belle Saison” lança luz sobre Cécile de France (da encantadora trilogia “Albergue Espanhol”, “Bonecas Russas” e “O Enigma Chinês”, de 2002, 2005 e 2013, respectivamente), mas quem realmente brilha é Izia Higelin, jovem rock star francesa que já havia ganhado o César de Atriz Revelação em 2012 por sua estreia em “Mauvaise Fille” e chamado atenção em “Samba” (2014). Aqui Izia interpreta Delphine, uma jovem que trabalha com os pais numa fazenda, sendo que eles sonham vê-la casada com um rapaz vizinho sem perceber que a filha é lésbica. A trama se passa no começo dos anos 70 e após ser abandonada por uma garota, Delphine se muda para Paris, conhece a professora revolucionária Carole (Cécile) e se apaixona. Há paralelos possíveis tanto com “Trago Comigo” (2016), de Tatá Amaral (o entrar na “revolução” não por amor à causa, mas a uma pessoa) quanto com “Os Sonhadores” (2003), de Bernardo Bertolucci (quando o amor ofusca a revolução), mas o roteiro simplista prefere ater-se ao (óbvio) fetiche romântico que o título (infeliz) sugere acompanhado de um esvaziamento de intenções que, como em centenas de milhares de outros amores de estação marcados por sucesso repentino e fracasso posterior (independentes de ideologias de gênero), ficará marcado em todas as demais estações na alma das “premiadas”. Romance de paixão e frustração, tal qual uma bela maçã arremessada para o alto que se esborracha na queda, “Um Belo Verão” é um filme tão bonito quanto clichê. Cécile e Izia mereciam mais.
Nota: 6
“Julieta”, de Pedro Almodóvar (2016)
Vigésimo filme da carreira do genial cineasta espanhol, “Julieta” coloca Almodóvar nos trilhos depois do bobinho, divertido e dispensável “Os Amantes Passageiros” (2013), e ainda que não tenha estofo para figurar na galeria de obras primas do diretor (a saber: “Carne Trêmula”, de 1997; “Tudo Sobre Minha Mãe”, de 1999; e, o melhor de todos, “Fale com Ela”, de 2002), é muito provavelmente um dos filmes mais focados, econômicos e diretos de Almodóvar, que conduz a obra com encantadora elegância e um apreço impecável pelas cores fortes. No início da trama, Julieta (Adriana Ugarte na juventude, Emma Suárez na maturidade) está arrumando as malas para viajar com o namorado Lorenzo (Dario Grandinetti) a Portugal quando desiste não só da viagem como do relacionamento. “Eu sabia que você tinha segredos que nunca havia me contado, e respeitei-os”, diz ele. “Espero que você continue respeitando”, responde ela. Tal qual um alcoólatra que sofre uma recaída (“Uma dose é muito e 100 não são suficientes”, diria um personagem de Billy Wilder), Julieta cai em depressão, se muda para um velho edifício repleto de lembranças e começa a dividir seu drama com o espectador. É exemplar como Almodóvar mantém o ritmo da história com pulso firme, liberando para o público apenas o necessário para que ele se afeiçoe a personagem e compartilhe de seu sofrimento interessado pelo desfecho. Drama delicado que discute família e perdão com sobriedade e emoção contida, “Julieta” não é um simples filme: é uma aula de cinema.
Nota: 8
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– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne