Allan Sieber, Graphic MSP, Julia Wertz

por Adriano Mello Costa

“Ninguém Me Convidou”, de Allan Sieber e Jouralbo Sieber (Mórula Editorial)
Allan Sieber nunca foi muito próximo do pai. Não que eles tivessem brigado ou algo do tipo, mas, como ele mesmo afirma, nunca foi o preferido da casa. Mesmo sem esse vínculo, foi através do pai que o autor de “Preto no Branco” (2004) e “Vida de Estagiário” (2005) adquiriu amor pelos quadrinhos lendo, da coleção do velho, coisas como The Spirit e Fantasma. No decorrer da década passada, Allan começou a entrevistar o pai e ouvir suas centenas de histórias e peripécias em Porto Alegre como ilustrador e fotógrafo dos anos 40 até meados dos anos 90. O resultado disso é o álbum “Ninguém Me Convidou”, que já havia sido publicado pela editora Conrad em 2010, mas saiu de circulação por erros de impressão. Em 2015, a Mórula Editorial recolocou a obra no mercado com 116 páginas e um trabalho cuidadoso com muitos textos e artes da época que Jouralbo Sieber, o pai, batalhava pelas ruas gaúchas. “Ninguém Me Convidou” é uma espécie de biografia de Jouralbo, que conta com a maioria dos desenhos dele e o texto também, sendo que este foi lapidado e convergido para o formato dos quadrinhos pelo filho. Contudo, vai além e pode ser entendido como o retrato de uma época, com tudo o que isso acarreta, de costumes ao trabalho em si, ainda longe da existência de computadores e programas de edição. E a obra acaba vingando mais por aí. Com os traços dos desenhos remetendo àqueles anos, focando o realismo, temos uma pequena amostra de como as coisas funcionavam anteriormente. O trabalho conjunto de pai e filho produzido pelos Sieber não é dos mais instigantes, mas tem valor e, acima de tudo, serve como um tratado de reaproximação.

P.S: A parceria deu tão certo que outro álbum está a caminho.

Nota: 6

“Papa-Capim – Noite Branca”, de Marcela Godoy e Renato Guedes (Panini Comics)
O selo Graphic MSP continua a todo vapor e mais um produto da série que visa revitalizar os clássicos personagens de Mauricio de Sousa para os nossos dias chega ao mercado. Agora é a vez do indiozinho Papa-Capim repaginado pela mente de Marcela Godoy (“Fractal”, “A Dama do Martinelli”) e pelo traço e cores do craque Renato Guedes (“Superman”, “Vingadores Secretos”). A graphic novel tem 84 páginas e mais uma vez lançamento pela Panini Comics que dispõe as habituais versões em capa cartonada e capa dura. A trama apresenta o personagem principal, seu melhor amigo Cafuné e a paixonite Jurema mais velhos do que nas revistas, já adolescentes e próximos de encararem papéis mais importantes dentro da aldeia. Tudo corre razoavelmente bem, porém um mal sem nome começa a ameaçar todos. Primeiramente de modo súbito e, depois, avançando para um terror mais vigoroso, Papa-Capim se vê como potencial salvador da tribo contra essa escuridão secular. Para compor o roteiro do álbum, Marcela Godoy mergulhou nos mitos do folclore indígena tupiniquim, fazendo um trabalho interessante não somente do ponto de vista da composição do roteiro, como também para deixar vivos esses mitos e lendas nacionais. Ela usou ainda como base textos do historiador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) para criar os vilões da trama, como também embelezou o texto com um poema de Gonçalves Dias (1823-1864). A arte de Renato Guedes apresenta a já conhecida categoria do artista que utiliza habilmente os tons escuros que o trabalho pede e desenha sempre objetivando traços mais próximos do real. “Papa-Capim – Noite Branca” amplia o leque de estilos abrangidos dentro do projeto aproveitando de modo muito sagaz um personagem bem secundário do universo de Mauricio de Sousa.

Nota: 7,5

Leia também:
– “Penadinho” não resgata o encanto das primeiras edições da Graphic MSP (aqui)
– “Lições”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, deixa um sorriso bobo no rosto (aqui)
– “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, faz releitura emocional e delicada (aqui)
– Entrevista: Sidney Gusman -> “Tem quadrinho para todos os públicos”.  (aqui)

“Entre Umas e Outras”, Julia Wertz (Editora Nemo)
Sair de casa nunca é fácil. Deixar para trás alguns confortos tem seu custo, ainda mais quando se vai para outra cidade e ficam os amigos, os lugares prediletos, a vida. É preciso crescer, encarar a busca por trabalho, ralar para pagar contas, economizar tudo que for possível, sonhar com um lugar legal para morar enquanto se arruma em alguma espelunca e criam-se novos laços de amizade até que um dia as coisas começam a andar e dar certo. Histórias desse de crescimento, da transição da adolescência para a vida adulta são comuns tanto nos livros quanto nos cinemas ou quadrinhos. E, para ser bem honesto, esse tipo de enredo depois de um tempo começa a ficar repetitivo e chato. Porém, não é isso que ocorre em “Entre Umas e Outras” (“Drinking at The Movies”, no original), graphic novel de 208 páginas da norte-americana Julia Wert, com tradução de Eduardo Soares e lançamento nacional pela editora Nemo. Indicada para o Eisner Awards (um dos prêmios mais importantes dos quadrinhos), Julia Wertz é autora da cultuada série “The Farty Party” (ainda inédita no Brasil), mas por quais motivos “Entre Umas e Outras” não é enfadonha como tantas? Pelo mais simples deles: pela sua autora. Julia, que deixou São Francisco rumo a Nova York para começar outra vida, é uma pessoa que, apesar de todas as agruras e rasteiras que recebeu, apresenta sua história com extremo bom humor e inteligência. Meio estranha e esquisita, ela usa traços juvenis carregados de expressão no olhar para narrar todas as desventuras em preto e branco. Com comentários rápidos e fulminantes, síndrome de Peter Pan e uma boa carga de tragicomédia (além de muito álcool), a autora expõe situações que todo mundo se identifica ao menos uma vez. Faz rir e emociona em um dos melhores lançamentos do ano por aqui. Vale muito.

Nota: 9

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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