por Marcelo Costa
Total cidadão do mundo, o blumenauense Gustavo Kaly está morando atualmente em Barcelona, mas, lembrando-se de um tour que fez por Nova York passando pelas bibocas históricas do punk rock teve a ideia de transformar as memórias em uma canção para homenagear os 40 anos do movimento punk, uma data conectada diretamente com o lançamento do primeiro disco dos Ramones. Nascia “Primavera Punk”, a música.
“Entre os ângulos retos das paralelas e perpendiculares do East Village, nos banheiros do CBGB, num vagão que chega a Forest Hills e pelos corredores do Chelsea Hotel, cruzamos Iggy Pop, Lou Reed, Dee Dee Ramone, Patti Smith e outros malucos que deram bananas ao globalmente tão cobiçado american way of life”, conta o release, assinado por Julio Manzi.
Na canção, Gustavo Kaly surge acompanhado por dois Hóspedes do Chelsea (Duda Mendonça e Guilherme Almeida) e por uma companhia bastante especial: Frank Jorge. “Mostrei a canção, e o convidei pra dividir as vozes comigo e ele topou na hora”, ele conta. Na conversa abaixo, ele ainda fala como “descobriu” o punk e relembra histórias com Wander Wildner em Berlim e Amsterdã. Confira o papo e baixe gratuitamente “Primavera Punk” abaixo via Soundcloud.
Como surgiu a ideia de comemorar 40 anos de punk com uma música nova? E como o Frank entrou nessa?
Foi meio por acaso. Eu tinha essa canção meio inacabada, que havia composto em uma viagem a Nova York onde fiz esse “roteiro” histórico (da letra) com dois amigos, e estava separando material para o meu segundo álbum solo e lembrei dela. Isso foi em 2014, logo após o “Porres, Ressacas e Canções“. Deixei gravada no Brasil antes de partir pra Europa. O Guilherme Almeida e o Duda Mendonça (ambos que tocam com a Pitty) basicamente gravaram toda a base comigo. Aliás, o Guilherme também produziu os dois singles anteriores que foram lançados no fim do ano passado e esta lá com quase um disco inteiro que deixamos gravado no fim de 2014 começo de 2015 e estamos trabalhando aos poucos, remotamente. Naquela época tínhamos recém feitos (com os Últimos Românticos da Rua Augusta) alguns shows com o Frank Jorge, em SP e Porto Alegre, e eu precisava de algum registro com ele, que é uma das figuras mais influentes pra mim e pra toda uma geração. Mostrei a canção, e o convidei pra dividir as vozes comigo e ele topou na hora. Daí resolvi deixar ela pra lançar agora, que é um ano icônico para fãs de Punk Rock, 40 anos do lançamento do primeiro álbum dos Ramones. Uma homenagem a eles e a todos os outros personagens da história. Tudo isso veio a calhar e fazer mais sentido agora (risos).
Como o punk rock entrou na sua vida?
De três formas: uma fita K7 dos Replicantes. A capa era original, mas ela estava no bolso de trás da calça do meu vizinho quando ele caiu de skate e a fita se espatifou. Daí ele trocou a carcaça, fez um transplante com a fita magnética em um corpo novo da Basf. Nada mais punk que uma K7 transplantada e remendada com durex! “Historias de Sexo e Violência”! Era tudo que eu queria ler em uma capa de fita. Tenho até hoje. Eu era bem jovem, tipo, foi em 88, 89. Nessa época eu vi o disco em vinil branco do Dead Kennedys (“Fresh Fruit for Rotting Vegetables”, de 1980) e antes mesmo de ouvir o som já gostei. Pensei, “com uma capa dessas e um disco branco, não pode ser ruim”. E era fantástico. A parte mais bacana era a foto do verso do disco, com os músicos de uma bandinha, sem cabeça. Não existia a menor possibilidade de sair algo não-subversivo daquilo tudo. E, por fim, carimbando de vez a onda, a “Revista Pop apresenta o Punk Rock“, uma coletânea que trazia Sex Pistols, The Jam, Ramones, Runaways. Lembra disso? Isso foi lançado em 77, mas acho que demorou uns 15 anos pra chegar na minha cidade natal (risos).
Você tá morando em Berlim? Curiosidade: quando você escreveu “Boas Notícias”, você já tinha morado em Berlim?
Estou morando em Barcelona agora. Mas a história da música é engraçada. Eu estava em Berlim, a passeio, visitando o Wander Wildner, em 2010, e ele estava lá passando uma temporada, compondo o disco “Caminhando e Cantando“. Alugou um quarto gigante no Kreuzberg. Me mostrou as músicas e eu toquei “Boas Notícias” pra ele que, na hora, disse: “Essa é a música que faltava pro disco”. Gravamos uma demo caseira no mesmo dia. Até então a letra não falava de Berlim, citava São Paulo, que era pra ser algo de um cara, vindo do Sul, indo morar em São Paulo e tal… Daí ele que veio com essa ideia e eu achei legal. Aquela viagem foi super louca, fomos pra Amsterdã juntos (eu queria fazer a viagem seguindo o livro “Nos Rastros do Chet Baker”, do Bill Moody), saíram umas 4 ou 5 músicas fodas e esquecemos todas. Só restou “Canivetes, Corações e Despedidas” (dos Últimos Românticos, mas que lancei a pouco, solo) que chamava originalmente “Canivetes, Canais e Despedidas”, mas a letra era sobre um diretor de cinema perdedor que estava em Amsterdã para um festival, tão confusa e maluca que ninguém ia entender nada (segundo o Wander). Usamos só algum fragmento da letra e a melodia dela (risos). Um dia quero morar em Berlim, ou passar uma temporada, não sei. Se tiver um banheiro pra lavar lá em troca de um quarto e uma cerveja local, tô dentro!
Tu assina a capa do “Wanclub”, o novo disco do Wander, junto com a Aline, e a arte ficou demais! Como surgiu a ideia?
O Wander me convidou pra fazer a capa e eu pensei na hora que tinha que ser de colagem manual, sem computador. O lance de arte de colagem está muito ligado com do punk dos anos 70, dos antigos fanzines, alguma coisa de desconstrução da Pop Art e quando ele me disse que eram regravações dos clássicos, incluindo coisas dos Replicantes, não pensei duas vezes. Além do mais tem toda a história dos discos lá do Sul, a capa do “Histórias de Sexo e Violência” (1987), dos Replicantes, é feito de colagem manual, o “Screw You” (1989), do Defalla, também. Perguntei pra Aline se ela toparia fazer em parceria, pois isso da uma trabalheira fudida e ela está diretamente ligada com o lance de colagens. Foram quatro noites intensas recortando papel e colando. Estávamos morando na Irlanda, e aproveitamos o inverno pra isso. Fizemos baseados em uma foto da Fernanda Chemale, uma fotógrafa que já havia trabalhado nas fotos do “Buenos Dias” (1999) além de vários outros trabalhos com o Wander. Acho que o trabalho ficou bem bacana.
Você tem várias músicas suas gravadas pelo Wander, montou uma banda com ele (Os Últimos Românticos da Rua Augusta) e agora está lançando uma gravação com o Frank Jorge. Quando você estava lá com a Stuart, no começo da banda, tinha ideia de que iria passar por tudo isso, gravar com os caras que você admirava? Quem é o próximo “ídolo” da lista com quem você gostaria de gravar?
Não tinha a menor ideia. As coisas acontecem por acaso, por acidente (risos). Conheci o Wander quando fui buscar ele em 2001 no aeroporto em Floripa para um show no Interior. Era em um lugar clássico, Curupira Rock Club, um sítio onde rolavam shows na região. Eu ia abrir o show, sozinho, e acabei tocando com ele já nesse dia. Mas nada nesse dia foi tão punk quanto nossa chegada (vide a foto abaixo). Eu queria tocar com o Stanley Brinks, mas um dia, depois de um show em Glasgow, vi ele fumando na porta de um pub, com cara de poucos amigos, ignorando as pessoas, nem cheguei nele (risos). Na verdade quero poder gravar com o Jimi Joe, não sei porque não gravamos uma ainda, Jimi! A voz dele é foda, já dividimos algumas vezes o palco, mas não registramos nada ainda! Tem que ser uma parada meio Leonard Cohen fase “I’m Your Man”.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Gustavo Kaly: “Esse ambiente boêmio é tema de quase tudo que faço” (aqui)
Nessa época eu vi o disco em vinil branco do Dead Kennedys (“Fresh Fruit for Rotting Vegetables”, de 1980) e antes mesmo de ouvir o som já gostei. Pensei, “com uma capa dessas e um disco branco, não pode ser ruim”. Bah!!!!!, um amigo nós apresentou esse disco por volta de 87/88, ele comprou em uma loja de discos em Passo de Los Libres, nossa cidade Uruguaiana/RS, faz fronteira com essa cidade.
PUNK? Isso é um bolero a la rock gaucho que por sua vez sonha em ser MOD mas na verdade soa como uma Jovem Guarda falida (se é que isso é possível). Se tivessem feito cover de Pet cemitery seriam mais autênticos. Que síndrome é essa dos Brasileiros querem ser e soar com algo que não são e que não fazem parte? O punk Brasileiro dos anos 80 foi excessão, assim como a Bossa Nova, uma linda variação do Jazz. Mas o resto é isso ai, chupação da chupação da péssima chupação!!
Saudosos Joe Strummer, Lou Reed, Redson e Joey Ramone não foram representados aqui.