por Leonardo Vinhas
Mateo Kingman parece gostar de deixar imprecisos os limites de suas ideias. O cantor e compositor equatoriano adora o contato com a natureza e a busca pelo primitivo, mas isso não o impede de “urbanizar” os arranjos de algumas de suas canções. Também está a par das veleidades materiais, mas não tem pudores em falar do “umbral dos dois mundos” ou do “voo do pássaro sob a água” para o repórter.
“Respira”, seu primeiro álbum, é uma forte estreia, que parece traduzir adequadamente o conceito de “beats da montanha”, criado pelo próprio para definir o que faz nos palcos e estúdios. O potencial de voz de Kingman se destaca, indo do canto romântico à rudez do rap e do ragga. A produção do veterano Ivis Flies, um dos músicos mais respeitados da indústria fonográfica equatoriana, confere sensibilidade à eletrônica e potência aos instrumentos acústicos, como violões e percussões.
O Scream&Yell teve acesso com exclusividade ao disco antes de seu lançamento – o que deve acontecer ainda nesse semestre – e constatou que a fusão de hip hop, ragga, folk latino-americano e rock em espanhol dos anos 90 encontrou em Kingman uma síntese bastante precisa. “Dame Tu Consuelo” e “Lluvia” são exemplares da sutileza e introspecção que fazem parte da proposta do artista, mesmo que a última tenha vocais fortemente inspirados pelo rap. Quando é para falar alto, ele tampouco se avexa: “Agua Santa” e “No Se Va” são brutas e ritmadas, enquanto a faixa-título, “Ragasónico” e “Pala y Machete (Mi Pana)” se encaixam em boas pistas de dança.
Mesmo faixas mais “comuns”, como “Fuerza de Pantera” e “Levanta”, exalam um charme particular, e é preciso dizer que, escutadas dentro do contexto de álbum, ganham sentido mais significativo. Decididamente, “Respira” é um álbum, e não apenas uma coleção de canções. Escute um preview do disco aqui. Por e-mail, Kingman respondeu algumas perguntas acerca de sua formação e seu processo criativo. Nem todas as respostas primam pela precisão – como já se disse, o rapaz gosta de uma doideirazinha imaterial. Mas a conversa é um bom convite para sua música.
Sua música tem uma influência bem forte dos anos 1990 – Mano Negra, em especial, mas também reggaeton, o começo da carreira solo de Manu Chao.
Mano Negra é uma influência, porém não é a principal. Meus referentes estão mais para Simón Díaz (cantor folclórico venezuelano), Juaneco (do Juaneco y Su Combo, banda essencial para a chicha, a cumbia peruana), Violeta Parra (cantora de protesto chilena), Atahualpa Yupanqui (argentino, também do folk combativo) – esses dentro da música tradicional latino-americana. Entre os mais contemporâneos, tem o Control Machete, o Sidestepper e o próprio Mano Negra, entre outros.
Apesar dessas referências de artistas políticos, suas letras têm mais referências elementares: água, vento, o clima está sempre presente. Além disso tudo, o nome do álbum é “Respira”. É algo bastante xamânico, não?
“Respira”, me disse uma vez um curandeiro amazônico quando eu já estava passando pelo umbral dos dois mundos (Nota: Mateo se refere a um estado de consciência alterada, obtido através de meditação ou alucinógenos como a ayahuasca, no qual se está “entre o céu e a Terra”). A água e o vento estão presentes todo o tempo, sim, “o voo de um pássaro sob as águas”.
Ainda assim, é um disco muito urbano, de cidade grande. As metrópoles também inspiram?
A parte da sonoridade urbana não é pela cidade em si, e sim pela curiosidade de conhecer os sons eletrônicos – beats, samples, sintetizadores – e o equilíbrio que pode haver entre eles e outros elementos mais orgânicos.
E é possível viver mais introspectivamente na cidade?
A cidade é um bom lugar para trabalhar, mas definitivamente minha inspiração e minha querência estão no campo.
Seu modo de cantar passa do romântico ao rap, da herança tradicional latino-americana aos sons de pista. Como foi sua formação nesse sentido?
Comecei cantando muito ritmicamente porque não podia segurar uma nota – isso é, eu não conseguia fazer melodias. Com o passar do tempo senti uma necessidade de expandir as possibilidades de criação e comecei a trabalhar com melodias, a estudar mais. Gosto de ter os dois recursos no momento de criar. Respeito e disfruto dos cantos tradicionais do Equador, são minha grande inspiração melódica.
O Equador é um mercado fonográfico pequeno, mas a AYA Records, seu selo, tem alcance internacional. Portanto, imagino que suas pretensões sejam internacionais.
Não sei como responder isso (risos). Que os sons voem aonde têm que voar!
O produtor de “Respira”, Ivis Flies, tem uma história marcante na música contemporânea de seu país. Quanto a participação dele foi decisiva para a sonoridade do álbum?
Eu viajei a Quito para procurar alguém com quem produzir as ideias que eu tinha. Cheguei a Ivis batendo em muitas portas. Ele se interessou pelo meu projeto, e sem muita demora começamos a trabalhar na produção do disco. Ele de fato colocou sua alma no trabalho e agora é uma espécie de guia musical para mim e evidentemente já é meu irmão no caminho.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.