por Marcelo Costa
A guerra de formatos de música, que milésimos de segundos atrás parecia ter sido vencida com folga pelo MP3 e outras variantes digitais, ensaia uma reviravolta. Em outubro de 2015, a RIAA (Recording Industry Association Of America) divulgou uma pesquisa que concluía que as vendas de vinil no primeiro semestre daquele ano renderam mais do que YouTube, a versão gratuita do Spotify e VEVO juntos.
Segundo a associação, foram US$ 222 milhões em vendas de discos contra US$ 163 milhões arrecadados nos outros meios. Não foi só isso: segundo a RIAA, as vendas de LPs entre janeiro e março de 2015 nos EUA foram 53% maiores do que no mesmo período de 2014. E é neste cenário interessante que cada vez mais artistas apostam na ressurreição de outro formato que até pouco tempo atrás parecia condenado ao esquecimento: a fita cassete.
Não à toa, em outubro de 2010, a Sony encerrou a produção de Walkman nos Estados Unidos, o aparelho que (lançado pela empresa em 1979) popularizou a fita cassete nos anos 80, tornando a música portátil. Fabricantes chineses mantiveram o licenciamento para produzir Walkmans, que ainda são vendidos na Ásia e no Oriente Médio, e o encerramento nos Estados Unidos aconteceu no mesmo momento que o cassete sinalizava uma volta.
Na Califórnia, o revival começou forte em 2010, como conta Fernanda Ezabella em reportagem para a Folha de São Paulo: “Em sete anos, a Burger Records já vendeu mais de 350 mil fitas. Em 2014, foram mais de 300 lançamentos, contra cem em 2011. Seu projeto mais ambicioso foi uma caixa com cinco fitas do The Go, primeira banda de Jack White” (leia a reportagem na integra aqui). Entre os lançamentos, novidades de Weezer e Skrillex.
Em 2013, um grupo de selos independentes britânicos (Suplex Cassetes, Kissability e Sexbeat), inspirados pela Burger Records, criou o Cassette Store Day, que em 2015 celebrou sua terceira edição. “Fitas cassete não são apenas um formato, elas são uma cultura, e a cultura da fita cassete é tanto sobre colaboração como mantê-la sozinho”, opina Jen Long, co-fundador do Cassete Store Day, responsável pelo selo Kissability.
O Brasil não ficou de fora! Em 2011, a Apanhador Só lançou o álbum “Acústico-Sucateiro” em fita cassete e download gratuito. “Aprendi a escutar Radiohead em fita cassete”, relembrou o guitarrista Felipe Zancanaro em entrevista ao Scream & Yell (leia aqui). O selo Midsummer Madness, do Rio, que fez sua fama lançando fitas cassete nos anos 90, retomou o formato lançando “Um Ritmo Vai Nascer”, do The Gilbertos, e, recentemente, “Selfish”, do Fabrin.
Em 2015, Stela Campos aceitou uma sugestão de Adriano Cintra e lançou “Dumbo Reloaded” em fita cassete Made in Canadá. “Foi uma aventura. O resultado ficou ótimo. Meu primeiro trabalho em uma fita cassete original, cor de rosa, linda! Muita emoção!”, contou depois. Em 2016, a Hearts Bleed Blue anunciou dois lançamentos no formato: “Hitler’s Dog Stalin Rats”, do Mukeka di Rato, e “Pushed Out…of Society”, do Questions.
Na banquinha da Selton, que recém-lançou o álbum “Loreto Paradiso” com show em São Paulo, estão disponíveis uma versão do disco em vinil azul e também fita cassete. “Não tem um motivo particular, senão o de propor um formato legal que cedo ou tarde vai ser revalorizado”, explica Ricardo, da Selton. “A gente acha a arte do disco muito bonita e versátil”, opina. Outro grupo que apostou na fitinha foi o Wry, que lançou “Deeper in a Dream” pelo selo curitibano Terry Crew em 2014.
A Bike esgotou uma leva do álbum “1843” em cassete, e já providenciou uma nova. “Adoramos música alternativa em geral, lo-fi, shoegaze, música underground. Viemos desse ambiente”, conta Julio, da Bike. “E as fitinhas K7 ocuparam espaço na nossa infância, somos dessa geração que cada bróder gravava a sua e emprestava pro amigo, e era assim que conhecíamos muitas bandas. Lá fora as cassetes e vinis nunca pararam. Nossa dificuldade aqui era como faríamos isso, mas sempre achamos o formato foda. A partir do momento que tínhamos os equipamentos possíveis pra fazer isso (sim, gravamos e produzimos nós mesmos cada cassete) não ouve nem discussão! Vamos lançar em K7 sim!”
Júlio só tem elogios para o formato. “É lindo, o som fica com outra textura. Geralmente quem pode ouvir tem algum aparelho antigo em casa, isso dá outra sensação, ainda mais sendo nosso som que é feito pra viajar, separar um momento. Tem tudo a ver com a gente. Muita gente compra pra ter como souvenir também, pra ajudar a banda. Então é muito interessante. Nesses tempos de consumo rápido, onde todos querem logo a MP3, a gente oferecer um produto onde a pessoa não vai poder trocar de faixa, vai ter que ouvir tudo, é a garantia que quem tem vai assimilar toda a proposta da banda”.
A fita cassete leva a turma da Hierofante Púrpura a retornar para 2003, época em que eles se depararam com o split “Não Use o Termo”, produzido e captado todo em fita pelo Rafael Crespo. “Aquela sonoridade explodiu nossas cabeças juvenis e a partir daquele momento começamos a pesquisar nas lojas de São Paulo em busca de arranjar um gravador semelhante e assim realizarmos as nossas próprias gravações. Encontramos, compramos e foi um divisor de águas no processo todo!”, eles contam.
Árdua defensora do formato, a Hierofante produz a web-série “Sessões no Sótão“, que convida bandas do Brasil inteiro para conhecer o estúdio Mestre Felino, em Mogi das Cruzes (SP), e gravar duas músicas em 4track K7. “Já são 33 episódios, o objetivo é que chegue a 100!”, dizem animados. “É um processo muito cru, muito orgânico e posso dizer até mesmo simples, o barato é fazer disso o trunfo master da sonoridade dos álbuns, obrigando de alguma maneira que a música produzida se resolva com aspectos mais espontâneos (arranjos, timbres, mixagem, panoramas e etc…)”, eles explicam.
Mercado agitado, os lançamentos não param: Boogarins oferta seu “Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos” em CD, vinil, MP3 e também em fita cassete. “Est”, projeto de Edgard Scandurra com Silvia Tape, também ganhou versão no formato. E o selo paulistano Contra Boots já colocou na rua “en BsAs”, registro ao vivo dos Ratos de Porão na capital argentina em 2015, e diversos outros lançamentos bootlegs (entre eles, Muzzarelas).
Se a Vinil Brasil, sediada na Barra Funda, em São Paulo, deve começar a produzir discos ainda nesse semestre de 2016, o cassete também já tem representante e local: dois sócios se uniram na Rua Treze de Maio, no bairro paulistano do Bixiga, e adquiriram uma copiadora de cassetes da empresa norte-americana Kaba Research & Development. A máquina é capaz de gravar 100 fitas por hora em altíssima qualidade (leia reportagem aqui). Mas você também pode encarar o “faça você mesmo”: saiba como gravar fita K7 em casa!
Tanta movimentação (que inclui o lançamento do livro “Magnéticos 90”, de Gabriel Thomaz e Daniel Juva) demonstra que há público sim para todos os formatos. Se MP3 e streaming são mais populares e de fácil acesso e portabilidade, os vinis e as fitas cassete vão além da nostalgia oferecendo o toque, o manuseio, a cumplicidade com o artista e, claro, a música. No fim das contas quem sai ganhando é o público, que pode ouvir música da maneira que quiser. Melhor assim.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
O disco de vinil proporciona sim uma experiência auditiva diferenciada e tem o fetiche da mercadoria, mas a fita cassete só tem o fetiche. Acho que é um exagero esse retorno, daqui a pouco vão pedir a volta do VHS e beta.
Tem espaço pra fita cassete. É um saudosismo saudável. Tem gente que tem um fusca, mas para viagens e longos percursos usam outro carro, o fusca é só pra curtir. Acho que é o mesmo sentimento. Tá valendo.
Não acho que seja saudosismo isso,senão o vinil estaria restrito ao seu espaço de nicho para “saudosistas”.O vinil veio pra ficar e a fita cassete também.O fato é que ninguém aguenta mais MP3,que desvalorizou os sons,todos eles,só decaiu e pouquissimas pessoas usam ainda.Tanto que o streaming é a nova coqueluche do dia.Mas é muito bom que os formatos de verdade voltaram e vieram pra ficar,essa que é a real.Pela volta da verdadeira musica.
Apenas fetiche? Quem acredita nisso provavelmente ou nunca ouviu ou apenas ouviu fitas type 1 gravados em um 5 em 1 aiwa com músicas direto do rádio… aí sim nego, até flac fica ruim…
A cassete é bem quente, tanto quanto o rolo, adoro tanto essa porra que prefiro gravar em k7 do que em vinil…
Falando nisso, porra, como é bom gravar coisas em versão de cameras de fita cassete, impossivel simular isso no computador
Boa noticia pra quem foi headbanger nos anos 1970/1980/1990!!! – Marcio Osbourne/Jlle-SC
Para quem viveu os aos 80 curtindo vinil em equipamentos como: cygnus, gradiente, garrard, ouvir uma gravação em MP3, dói na alma! A qualidade de som dos meus vinis de Rock não são superados por nenhum equipamento digital ainda inventado. Sem dizer da magia “física” de poder sentir a capa do LP o cheiro do vinil etc….. Até mesmo o som que era transmitido nos anos 80/90 pelas rádios FM eram de qualidade superior as transmissões atuais “digitais” = lixo.
K7? – A magia de poder gravar em fita magnética não se supera.