por Marcelo Costa
De Stolberg, cidade do distrito alemão de Aachen, praticamente na fronteira com a Bélgica, surge a primeira de três cervejas da Freigeist Bierkultur, projeto do cervejeiro Sebastian Sauer que começou como um brewpub e se esforça atualmente para reviver estilos clássicos alemães esquecidos, como o Gose, representado por esta belíssima Geisterzug, uma cerveja de coloração dourada com leve turbidez a frio e creme branco de boa formação e rápida dispersão. No nariz, cereais (com trigo à frente) disputando espaço com herbal (há adição de galhos de pinho na receita) e acidez cítrica (limão). No meio de tudo isso, sugestão de especiarias (coentro e pimenta do reino) e salgado bastante discreto. Na boca, a textura é levemente frisante. O primeiro toque traz doçura herbal seguida de acidez suave, amargor médio e uma combinação de cítrico (limão), sal (bem leve) e doçura de trigo. O final é mais herbal que salgado enquanto o retrogosto, levemente acético, traz herbal e cítrico. Muito boa.
Segunda da turma de Stolberg, a Freigeist Pimock é uma German Weizen bastante diferente, pois utiliza levedura de Kölsch e recebe dose extra de lúpulo, o que radicaliza o estilo, pois abandona suas principais características: as notas de banana e cravo. Na taça, uma cerveja de coloração alaranjada exibe um creme branco com traços alaranjados de boa formação e média retenção. No nariz, nada de uma Weiss tradicional. No lugar, doçura caramelada e frutado puxando para a escola belga. Há leve sugestão de laranja, malte tostado e pão. Na boca, a textura é levemente picante. O primeiro toque traz doçura caramelada envolvida em frutado cítrico (laranja). O amargor é caprichado, mas não agressivo, abrindo caminho para mais malte tostado (sugerindo pão, caramelo e leve defumado) e cítrico suave, em segundo plano. O final traz leve terroso e doçura. No retrogosto, maltado, terroso suave e cítrico. Interessante.
A terceira da Freigeist traz, em seu belo rótulo, uma garçonete levando em sua bandeja uma fatia de bolo e uma Coffee Stout. Trata-se da Nosco’s Cafe, uma Sweet Stout que recebe café em sua receita. De coloração marrom clara com creme bege de média formação e retenção, a Freigeist Nosco’s Café apresenta um aroma de… café, gelado. E é isso (ok, também tem malte torrado puxado para… café). Na boca, a textura é cremosa com suave aspereza. O primeiro toque traz café seguido de leve acidez, toffee e caramelo. O amargor é baixo e parece mais derivado do malte torrado do que do lúpulo. O conjunto que surge mantém o café à frente, mas há mais: toffee bastante presente, caramelo e chocolate distantes na base. O final traz… café 🙂 enquanto o retrogosto mantém as características principais do conjunto, ou seja, mais café com leve caramelo e toffee. Boa, mas eu esperava mais equilíbrio.
Quarta Freigeist da lista, a Köpenickiade é a Berliner Weisse da casa, uma cerveja de ataque tradicionalmente ácido cuja receita nas mãos da turma de Stolberg utiliza malte de cevada e espelta. De coloração amarelo turva com creme branquíssimo de excelente formação e longa retenção, a Freigeist Köpenickiade apresenta um aroma suavemente e deliciosamente azedo e avinagrado, com delicada sugestão salgada mais acidez coçando o nariz, trigo, pão, limão não tão cítrico, abacaxi verde e palha. Na boca, como era de se esperar, a textura é frisante. O primeiro toque traz salgado, doçura de trigo, acidez e azedume, tudo isso formando uma forte onda de amargor, que irá impressionar desavisados tanto como fazer sorrir amantes do estilo. Dai pra frente, uma cerveja altamente refrescante e provocante – diria ainda apaixonante. O final é acético e salgado. No retrogosto, adstringência, limão azedo, sal e trigo. Delícia.
A Freigeist Ottekolong é uma Kölsch e foi uma das primeiras receitas do brewpub Braustelle, de Colônia, que deu origem a Freigeist – seu nome original era Braustelle Helios. A releitura de Sebastian Sauer para o estilo mais famoso da cidade resulta em uma cerveja de coloração alaranjada e levemente turva (diferente do dourado tradicional) com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, mais lúpulo do que nas Kölsch tradicionais: herbal (grama) e cítrico suaves com bastante percepção de cevada (trigo, feno, biscoito). Na boca, a textura cremosa. O primeiro toque traz doçura de trigo seguida de herbal e cítrico. O amargor é mais potente do que numa Kölsch tradicional e traz consigo bastante herbal (grama), cítrico mais ativo do que no aroma e feno, biscoito e trigo. O final é amargo e herbal. Já o retrogosto traz leve adstringência, mais grama, cítrico, amargor e biscoito. Gostei.
Além da Freigeist Bierkultur, Sebastian também criou, com mais dois amigos, a The Monarchy, uma cervejaria sediada em Colônia que mantém o espírito aventureiro da Freigeist apostando na recriação de antigos estilos, como no caso dessa Methusalem, uma Adambier, versão mais robusta das Altbiers, bastante popular no século 19. O nome refere-se a guarda, já que a casa avisa que ela envelhece muito bem (a validade dessa garrafa é 2020!). De coloração ambar acastanhada com creme bege claro de boa formação e longa retenção, a Methusalem exibe um aroma com leve (e apaixonante) defumado em primeiro plano, açúcar queimado, frutas escuras, couro, balsâmico suave e nada dos 10% de álcool. Na boca, a textura é cremosa. O primeiro toque começa com doçura frutada e vai incorporando defumado e amargor eficiente, abrindo caminho para um conjunto que equilibra a perfeição o defumado com frutas escuras, sugestão de vinho de Porto e leve remissão à conhaque. O final é doce e picante. O retrogosto traz mais vinho do Porto, azedume, banana caramelada e leve defumado. Uou!
Balanço
A Freigeist Bierkultur capricha na recriação do estilo Gose da ótima Geisterzug, mas os galhos de pinho conseguem amaciar a aridez o estilo oferecendo herbal e trazendo algo de cítrico enquanto acidez, azedume e sal ficam na retaguarda, presentes, mas comportados. Gostei muito. A Freigeist Pimock é uma German Weizen bastante diferente, pois utiliza levedura de Kölsch, o que muda radicalmente o paladar (esqueça as notas clássicas de banana). Acho ok como proposta, mas foge totalmente ao estilo. Com belíssimo rótulo, que sugere um pedaço de bolo para acompanhar a cerveja, a Nosco’s Café é uma Sweet Stout que soa como se fosse uma garrafa de ótimo café gelado… e com 5% de álcool. Gostei. A Freigeist Köpenickiade é uma Berliner fidelíssima a escola original, sem nada para distrair o bebedor do azedume, do salgado e do avinagrado. E vou te dizer: uma delícia. O mesmo adjetivo pode ser usado para a Ottekolong, uma Kölsch um tiquinho mais lupulada e exalando frescor. Fechando o passeio, um rótulo arrebatador da The Monarchy: Methusalem, uma Adambier sensacional!
Freigeist Geisterzug
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,45/5
Freigeist Pimock
– Produto: German Weizen
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5,3%
– Nota: 3,18/5
Freigeist Nosco’s Cafe
– Produto: Sweet Stout
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,19/5
Freigeist Köpenickiade
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 3,5%
– Nota: 3,37/5
Freigeist Ottekolong
– Produto: Kölsch
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 4,8%
– Nota: 3,42/5
The Monarchy Methusalem
– Produto: Adambier
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3,99/5
Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)