por Leonardo Vinhas
“Homem-Animal – O Evangelho do Coiote”, de Grant Morrison, com Chaz Truog, Doug Hazlewood e Tom Grummet (Panini Comics)
O trabalho que o escocês Grant Morrison desenvolveu com o personagem Homem-Animal, da DC Comics, em meados dos anos 1980, marcou época e abriu as portas das grandes editoras para experimentações narrativas e temas controversos. A Panini Comics compilou todo esse trabalho em três volumes, e já no primeiro deles, “O Evangelho do Coiote”, dá para entender porque o trabalho foi tão revolucionário. Buddy Baker é um super-herói casado e desempregado, que depende do emprego da esposa para pagar as contas e sustentar os filhos. Não bastasse a vida suburbana, ele acaba se envolvendo com ecoativismo e defesa dos direitos dos animais ao ponto de ser considerado terrorista, enquanto envereda por textos religiosos de um mundo povoado por desenhos animados, tiranos metalinguísticos, seres interplanetários e vilões decadentes de ficção científica. O sucesso da série deu a Morrison confiança para criar obras ainda mais ousadas (Patrulha do Destino, Os Invisíveis, etc) e abriu a cabeça de uma infinidade de leitores pelo mundo. Apesar do traço datado e meio infantilizados dos artistas que passaram pela série, o impacto da obra não perdeu a validade. Compre, pegue emprestado ou leia numa biblioteca, nem que seja apenas pela história que dá título ao álbum, com um cartunesco coiote padecendo as dores da carne, tal qual um Jesus Cristo do universo Looney Tunes.
Nota: 8,5
“Kingsman – Serviço Secreto”, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughan (Panini Comics)
Em seus últimos trabalhos, Mark Millar parecia estar mais preocupado em criar livros que tivessem sinopses que seus agentes pudessem vender com facilidade para Hollywood do que em criar boas histórias que honrassem seu amor pelos quadrinhos e pelas boas narrativas. Ainda não dá para saber se “Kingsman – Serviço Secreto” é uma retomada de rumos, um novo caminho ou apenas um “lapso de criatividade” no meio da porcariada em série, mas o fato é que é o seu melhor álbum em muitos anos. Ele e o diretor e produtor de cinema Matthew Vaughan, seu parceiro no primeiro filme “Kick-Ass”, trabalharam juntos no conceito da série e já estabeleceram as diferenças entre a versão em papel e a cinematográfica (que chegou às telas brasileiras no ano passado). Dessa maneira, ambos se sustentam independentes um do outro, e cada qual tem seu atrativo. Essa versão em papel, com a belíssima arte de Dabe Gibbons (“Watchmen”), é supreendentemente menos anárquica e violenta que a versão em celuloide, mas nem por isso menos divertida. A transformação do jovem Gary, de jovem desempregado e delinquente a superespião sofisticado e encarregado de salvar o mundo, é povoada de referências nerd, mas tem também o subtexto de que a origem social não pode determinar seu comportamento pro resto da vida. Com esse misto de mensagem otimista, reverência ao passado e recuperação de valores, tudo temperado com humor britânico e aventura, Millar e Vaughan criaram ótimos personagens, que são, sim, capazes de ter longa vida em uma franquia pop, mas nem por isso são tolos ou passageiros.
Nota: 8
“Cavaleiro da Lua”, de Warren Ellis, Declan Shalvey e Jordie Bellaire (Panini Comics)
No final dos anos 90, o então editor-chefe da Marvel, Joe Quesada, contratou os amigos Jimmy Palmiotti e Justin Gray para tentar tirar a editora da irrelevância de mercado. O trio era fanático pelos personagens exploitation lançados pela editora nos anos 1970, como Luke Cage, Punho de Ferro, Mestre do Kung Fu, Sheena e outros. Como consequência, eles e seus contemporâneos – Brian Michael Bendis, Ed Brubaker e outros – reapresentaram esses personagens às novas gerações, uns com maior sucesso e outros nem tanto. O Cavaleiro da Lua foi um dos personagens que ganhou uma nova vida nessa leva, e depois de passar pela mão de vários autores, encontrou na cabeça malucona de Warren Ellis (nada a ver com o parceiro de Nick Cave, a não ser pela semelhança das barbas) seu melhor caminho. Ellis abandonou todas as sandices inventadas pelos autores anteriores (desordem de personalidade, personas super-heróicas na cabeça, etc…) e passou a utilizar o personagem para contar pequenas histórias sobre um figura com uma indumentária muito bacana enfrentando punks fantasmas, vapores de sonhos mortos e atiradores em série. Se parece doideira é porque é mesmo. Mas Ellis e seus novos parceiros de crime, o casal Declan Shalvey (traço) e Jordie Ballaire (cores), domina as ferramentas narrativas dos quadrinhos, e as 22 páginas de cada história se resolvem em si próprias, não se estendendo em longos arcos caça-níqueis. Numa comparação um tanto exagerada, dá para dizer que é “The Spirit” em versão neopsicodélica. Mas é mais justo não comparar com nada, e reconhecer que este álbum, com seis histórias completas, é algo novo e vibrante. Aprecie sem moderação.
Nota: 8,5
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.