por Adriano Mello Costa
“Aurora”, Felipe Folgosi, Klebs Junior e Leno Carvalho
Sites de financiamento coletivo são atualmente grandes aliados para quadrinhistas nacionais com vários projetos. “Aurora” é mais um fruto disso, porém tem uma pequena diferença, uma vez que o criador do argumento e do roteiro é o ator Felipe Folgosi. De galã jovem global dos anos 90, esse fã de quadrinhos hoje atua em produções questionáveis como as novelas “Os Mutantes” e “Chiquititas”. Com formação em Cinema e especialização em Los Angeles, Felipe Folgosi concebeu “Aurora” inicialmente como um roteiro de cinema, só que como para filmar um projeto com esse teor não é lá muito fácil, ele resolveu migrar para os quadrinhos. Com a produção do Instituto dos Quadrinhos e apoio de crowndfunding, “Aurora” chega às livrarias e bancas do país. Mesmo ostentando somente o nome do ator na capa, o álbum foi adaptado por Klebs Junior que também armou os layouts para os desenhos de Leno Carvalho. A trama é de ficção científica e apresenta nosso planeta passando por um fenômeno que desenhará o próximo passo evolutivo da humanidade. O protagonista é Rafael, um pescador absorvido por esse fenômeno, que passa a desenvolver certos poderes e habilidades. Logo o governo vem ao seu encalço, não medindo esforços para tanto e eliminando quem se colocar no caminho. Com uma ótima premissa para ser desenvolvida em hq’s nacionais, “Aurora” peca bastante no ritmo e na aplicação das ideias, como a pressa desmesurada para chegar a um diagnóstico para o personagem principal, que surge tão exato e didático que decepciona. O uso da religião em contraponto a ciência e outro ponto negativo. Se nos planos mais gerais, a arte corresponde, deixa a desejar em vários momentos. “Aurora” tem seu valor, porém exibe muitas falhas e a principal delas é não exprimir emoção suficiente para envolver o leitor.
Nota: 5
“Punho de Ferro: A Arma Viva – Vol. 1”, Kaare Andrews
O Punho de Ferro foi criado por Roy Thomas e Gil Kane e estreou em uma revista de 1974 buscando aproveitar o sucesso dos filmes marciais da época, mas é coerente afirmar que, mesmo vivendo com o ostracismo em alguns momentos, o personagem conseguiu ir além disso. Punho de Ferro é, na verdade, o empresário Daniel Rand, que junto com heróis como Demolidor, Luke Cage e Justiceiro faz parte do universo mais urbano da Marvel. Não é à toa, por exemplo, que a Netflix também irá produzir uma série sua assim como fez com Demolidor e Jessica Jones e fará com Luke Cage. Todos fazem parte do mesmo micro universo. A Panini Comics lança agora uma edição cartonada com 130 páginas chamada “Punho de Ferro: A Arma Viva – Vol. 1”, reunindo as edições de 1 a 6 de “Iron First: The Living Weapon” publicadas nos EUA entre junho e novembro do ano passado, contendo a fase recente do personagem. Sob o comando de Kaare Andrews (de “Doutor Octopus: Origem”) no roteiro e na arte, a história apresenta um Punho de Ferro mais fechado, de poucas palavras e com tormentos constantes lhe tirando o sono. Recorta então a atualidade de um ataque que sofre em seu apartamento e lhe direciona novamente para Kun Lun, a cidade que lhe fez ser o que é, com fatos do passado adicionando novos elementos. O tratamento de Kaare Andrews é louvável e consegue o objetivo de trazer nova vida a um personagem mal utilizado – na maior parte do tempo. A arte desfocada, escura e brutal, é um bom adendo a trama. Se ainda não supera a estupenda fase comandada pela dupla Ed Brubaker e Matt Fraction há alguns anos no mundo pós-Guerra Civil da Marvel, tem suas virtudes e se manter a toada das primeiras edições pode render algo muito bom no futuro.
Nota: 7,5
“O Árabe do Futuro – Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984)”, Riad Sattouf
Riad Sattouf é filho de uma francesa e um sírio. Seus pais se conheceram no início dos anos 70 quando faziam faculdade na Sorbonne, em Paris. Em 1978, Riad nasceu e logo depois o pai aceitou um trabalho como professor na universidade de Trípoli, na Líbia, e para lá se mandou com a família. É dessa premissa que nasce a graphic novel “O Árabe do Futuro – Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984)” (L’Arabe du Futur: Une jeunesse au Moyen-Orient, no original), que a Editora Intrínseca publicou no Brasil em 2015 com 160 páginas e tradução de Debora Fleck. Aqui o autor relembra a infância vivida na França, na Líbia e na Síria, para onde a família também foi por causa do trabalho do pai. O pai, aliás, talvez seja a principal figura da obra. Culto, com título de Doutor no currículo e adepto da teoria de que os árabes deveriam estudar muito para assim poder fugir do obscurantismo da religião e almejar um futuro melhor (daí vem o título), contrastava isso com uma ingenuidade demasiada no que tange as questões do Oriente. O choque é constante na hq e dá o tom da obra. Tanto de ambiente, pois contrasta a França com rascunho socialista de François Miterrand contra a ditadura de Muamar Kadafi na Líbia e Hafez Al-Assad na Síria, quanto comportamental, nos costumes díspares e na formatação das duas famílias, com destaques para as avós. O autor, que além de quadrinhista é escritor e cineasta tendo publicado vários livros e realizado dois filmes, além de ser colaborador da revista Charlie Hebdo, resolveu cavar as lembranças pessoais depois da guerra civil eclodida na Síria em 2011 e nas consequências geradas por isso para os familiares. “Árabe do Futuro” é um álbum que explora muito o humor do estranho, do diverso, repassando ao leitor a sensação de como seria para uma criança passear nesses mundos. Exibe também uma arte forte com opção de cores direcionadas a cada tópico e um trabalho primoroso no que tange a feições, além de tratar com destreza situações complexas que vem assombrando o mundo nos últimos anos.
Nota: 8
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
O Árabe do futuro é excelente, valeu!