Conexão Latina: Francois Peglau

por Leonardo Vinhas

François Peglau é uma figura, nas muitas conotações possíveis da frase. Magro, sempre de trajes sociais, é um personagem entre um dândi setentista e um galã de subúrbio deslocado. Dono de uma voz aguda e afinada, François é um dos mais criativos compositores em atividade na música pop peruana. Gravou seus dois álbuns – “The Imminent Failure of François Peglau” (2011) e “La Crisis del Segundo Disco” (2013) – praticamente sozinho e em esquema lo-fi, passou anos sem uma banda fixa, e ainda assim tanto shows como discos tiveram repercussão notável além de seu país natal: no México, por exemplo, François já é artista de culto, e até na Inglaterra, onde morou por um tempo, conseguiu gerar certo burburinho cult.

Mas que música faz esse cidadão, advogado por profissão e tão interessado em Direito quanto em canções? Uma música que consegue juntar o melhor do espírito e da sonoridade new wave norte-americana com as estranhezas pop de Beck, um tantinho de dub e reggae, rock sessentista peruano, certa vocação para Mac DeMarco de hablaespana e aquela dose de safadeza própria, necessária para fazer com que tudo isso tenha uma identidade intransferível. Ah, sim, ele também é um bom letrista, seja para narrativas “coerentes” em espanhol ou para versos mais no “fluxo da consciência” em inglês.

“Dubai”, um dos microhits de seu segundo disco, é um belo exemplo: uma letra que sugere intrigas políticas, egotrips e autoilusões sem falar praticamente nada disso – e com uma base musical que deixaria David Byrne e o finado Ricky Wilson (The B-52’s) com sorrisos no rosto. Ou com inveja. “A canção nasceu quando eu estava viajando e passei por Dubai. Nem me lembro porque passei por lá (risos), mas me dei conta de que Dubai não é um lugar, e sim um conceito. Aí veio essa canção que fala do ‘little egomaniac’ (pequeno egomaníaco), que é um personagem que aparece muito na hora de fazer música e divulgá-la… Enfim, gosto muito dessa canção”, explica Peglau, por Skype, ao S&Y.

A canção tem um vídeo simples e divertido – como os demais, todos produzidos e dirigidos por ele e sua esposa Maria Elena. Os clipes ajudam a compor a imagem despretensiosa, mas ao vivo seu som ganha ainda mais força e dinâmica. Acompanhado da Fracaso Band, suas apresentações acentuam o “ska mariachi” de alguns temas graças à dupla de metais, e não dá para não destacar o baixo de Rafa de la Cuba, que adota excelentes timbres para seus riffs simples e pavimenta o caminho para os outros integrantes fazerem suas traquinagens, como os solos breves e fraseados pontuais do guitarrista Michael Dawson.

Peglau (nome de batismo mesmo) viveu por alguns anos na Inglaterra e em 2013 voltou ao Peru. É bastante ativo na cena limenha, onde organiza a festa London Kolin!, com shows e discotecagens que rolam numa casa. E foi falando sobre cenas que a conversa com o Scream & Yell começou: “Estar no Peru está muito bom. Mas o que acontece – não sei se rola o mesmo no Brasil – é que o circuito que há parece um brinquedinho de hamster: ficamos muito girando em torno das mesmas coisas o tempo todo”.

Tem isso por aqui, sim. Por todo tempo que você passou em Londres, creio que foi possível ter uma percepção mais realista da cena underground de lá – uma cena que alimenta muitas fantasias nossas aqui na América Latina. O que funciona por lá e o que não, na sua visão?
Me parece que no Reino Unido as coisas funcionam como em qualquer lado do mundo, salvo o fato de que se você conseguir se posicionar bem, [o país] é uma grande plataforma para você mobilizar sua música. O que me refiro é que ali há 30 mil movimentos independentes de todo tipo, com diferentes tipos de música: eletrônica, grime, UK garage, folk, rock, punk, dubstep etc. Alguns se mantém sob o radar para sempre, outros obtém mais relevância. Isso também é uma realidade em todos os lados. A diferença é que a Inglaterra é e sempre foi um gerador de conteúdos musicais globais, o que faz com que todo mundo preste mais atenção ao sai de lá.

Em uma conversa pessoal com Jorge Olazo (percussionista do Bareto), ele me disse que no Peru “não há rádio”, no sentido que não há espaço para uma programação mais aberta. Sendo assim, com um mainstream pequeno e fechado, qual é a aspiração concreta que um artista peruano independente pode ter?
Bom, digamos que é mais difícil e toma mais tempo, mas mesmo assim você tem que aspirar a encontrar sua audiência. O status quo o obriga a se fazer muito mais criativo. Porém, cada vez mais se veem artistas novos que se tornam populares por meios menos ortodoxos. La La, por exemplo, toca em festas privadas. Kanaku y el Tigre conseguiu colocar canções em um filme e isso os ajudou a encontrar uma audiência. A movimentação tem que crescer de costas para a rádio, como se ela não existisse.

Estamos em um mundo com muita música disponível. Se por um lado isso é bom porque o acesso está mais fácil, por outro é difícil não ser só “mais um” em meio a tanta oferta.
Essa é a grande pergunta que todo músico tem que fazer a si próprio. E não existe uma resposta única. Não há uma “bala de prata”. Cada um tem que ver como se posiciona diante de uma oferta tão excessiva. O primeiro passo é que o músico tem que se sentir cômodo com a música que faz e depois deve ter foco para ver como coloca isso. Encontrar o nicho. E a partir daí pensar “out of the box” e tratar de se colocar. É a parte mais difícil deste oficio. Mas [o músico] tem que inovar nisso também.

Como é o lance com a Fracaso Band? Ela não tinha formação fixa no começo, certo
Sim. Quando eu comecei a tocar, sempre dava um jeito de juntar quem pudesse para estar comigo para tocar junto. A Fracaso Band tem integrantes em Lima, no México, na Inglaterra… No fim, todos que se juntam para tocar comigo são parte da Fracaso Band. Mas antes era um tanto cansativo: juntar o pessoal, ensaiar em pouco tempo e seguir em frente. Agora esse processo está mais fácil, tenho uma banda fixa – Michael Dawson, Dani Reyna, Carlos Sanchez, Rodrigo Morales e Rafo de la Cuba – e já estamos todos bem ensaiados, bastante seguros das canções. No México existe uma Fracaso Band também, já que toco bastante por lá.

De alguma maneira você pensa em passar esse conceito de tocar com quem quiser ao estúdio, no próximo disco?
Sim, os dois primeiros discos gravei quase sozinho, mas nesse próximo quero tentar levar essa experiência para o estúdio em algumas canções. Também tem um clima bem “upbeat” do primeiro disco que eu quero trazer de volta.

E esse terceiro disco já tem data de lançamento?
Em dezembro eu já começo a divulgá-lo!

Eu noto uma grande diferença entre o “The Imminent Failure…” e “La Crisis del Segundo Disco”. Mesmo os dois sendo gravados em casa, o de estreia tem uma produção notadamente lo-fi, e no segundo já dá para escutar um som bem mais rico, os arranjos ganham muito destaque. Isso foi intencional, ou apenas consequência do processo de aprendizado?
Olha, engraçado você dizer isso, porque eu pensava que o primeiro disco tinha um som ruim, e o do segundo achei que ficou ainda pior (risos). É tudo uma progressão, na verdade, um aprendizado que vai se montando à medida que vou fazendo as coisas. E sobre a sonoridade: quero trazer tudo que gosto para o meu som e não penso de onde vem, se do México, da Inglaterra, de Cuba. Neste segundo disco teve muito reggae, que foi uma coisa que ouvi muito na Inglaterra. Várias coisas vão entrando como inspiração, é um processo dinâmico e que me pegou em vários momentos, no sentido de ver coisas que me interessavam e começar a compor a partir daí. Pode ser algo do La Pimpinela – não sei se vocês conhecem aí no Brasil, mas é um grupo muito romântico, exageradamente romântico (risos), e isso foi um ponto de inspiração, por exemplo.

Com a inspiração diferente, públicos tão diferentes, e shows em tantos lugares, como são as reações que surgem como consequência da sua música?
As pessoas têm [reações] de todo tipo. Tem quem goste de uma canção só, e outros que escutam tudo, outros que escutam passando roupa (risos). Para mim, acho ótimo que alguém escute e sinta como quiser. É um pouco como é com filhos: você os cria e deixa irem pro mundo e seguirem seu caminho. E é difícil controlar a reação das pessoas. Mas teve uma vez que foi bem chocante: uma moça do México me escreveu sobre “La Vida es Um Misterio”, para a qual fiz um vídeo com meu primeiro filho, e essa moça me dizia no e-mail que adorou a canção. Estava grávida, em dúvida se abortava ou não, e quando escutou minha canção decidiu ter o filho. (Suspira, faz uma pausa) É forte, é um aspecto super radical, mas isso foi algo bem louco, intenso, que alguém pegasse uma canção minha e tomasse a decisão de transformar vidas.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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