Virus Tropical, Turma da Mata, Bone

por Adriano Mello Costa

“Vírus Tropical”, Power Paola (Editora Nemo)
Paola Gaviria nasceu em Quito, capital do Equador, em 1977, mas sua família é de origem colombiana, o que levou a uma frequente relação entre ela e os dois países. Filha de um pai metido a padre, mas que atuava na clandestinidade, e de uma mãe dramática que lia o futuro das pessoas no dominó, ela foi a caçula que veio fazer companhia para duas irmãs. A mãe ficou grávida dela mesmo após fazer uma operação para não ter mais filhos, tanto que diversos médicos acreditavam que ela estava com algum tipo de vírus e não grávida. Com o decorrer do tempo, essa caçula que veio ao mundo meio sem querer virou a artista Power Paola e esse processo de crescimento está relatado na graphic novel “Vírus Tropical”, publicada originalmente lá fora em 2010 e com lançamento aqui esse ano pela Editora Nemo. Com 160 páginas e tradução conjunta de Nicolas Llano Linares e Marcela Vieira, a história envereda pela infância e juventude da autora, que retrata em preto e branco o processo de amadurecimento e formação da própria personalidade. Histórias autobiográficas tem lugar cativo e habitual nos quadrinhos das últimas duas décadas, pelo menos. Cada vez mais autores utilizam a nona arte como meio de expressão e “Vírus Tropical” segue essa toada. Power Paola usa do humor para espantar alguns demônios pessoais e fazer as pazes com o passado. O tom é melodramático, mas permite risadas ao leitor. Com a arte transitando entre o cartum e o fanzine, optando por ser brusca e direta, Power Paola apresenta um trabalho que, se não traz nada de novo, pelo menos é um mais do mesmo com luz própria.

Nota: 6,5
Leia um trecho gratuitamente: http://grupoautentica.com.br/nemo/amostra/1245

“Turma da Mata – Muralha”, Artur Fujita, Roger Cruz e Davi Calil (Panini Comics)
Dentro do projeto Graphic MSP (da Mauricio de Souza Produções) foi o artista paraibano Shiko que havia conseguido avançar mais no que diz respeito a liberdade criativa. Isso até agora. Com o lançamento de “Turma da Mata – Muralha”, esse posto é repassado sendo esta graphic novel que mais se distancia da obra referencial, apesar de manter no seu âmago os conceitos básicos. Se assemelha bastante com o que Shiko fez em “Piteco – Ingá” tanto na questão do ritmo quanto na reinvenção dos personagens, mas vai além, bem além. Utilizando muitas referências que vão desde quadrinhos da Marvel até desenhos animados da televisão, passando pela literatura de fantasia, a obra é um gol e tanto feito pelo trio Artur Fujita (roteiro), Roger Cruz (arte) e Davi Calil (cores). Jotalhão, Coelho Caolho, Rei Leonino, Raposão, Rita Najura, Tarugo e companhia estão irreconhecíveis (o que é muito bom), mesmo preservando as características criadas por Mauricio de Sousa. O roteiro cria toda uma trama política com traição, egoísmo, ambição demasiada e golpes, para rechear com uma história de perseverança e luta por ideais. Explorando uma rixa entre a turma da mata e o reino por conta da exploração de um minério raro que vale muito dinheiro, o roteiro é inspirado até a última palavra. A arte de Roger Cruz, artista de talento reconhecido que por muito tempo trabalhou com a franquia dos X-Men, é absolutamente precisa e forte, retratando as ações com força, e contando com o auxílio das cores de Davi Calil que não se furta de brincar com estas de diversas maneiras. “Turma da Mata – Muralha” sai pela Panini Comics com 82 páginas e carrega o mérito de não só ser original dentro de um processo de revitalização, como também gerar um trabalho que vai surpreender quem já conhecia os personagens propondo algo independente do passado para os novos leitores.

Nota: 8,5

“Bone”, Jeff Smith (HQM Editora)
Maior criação do quadrinista norte-americano Jeff Smith, “Bone” volta a ser publicada no Brasil, agora em cores. A HQM Editora lançou no primeiro semestre o primeiro de nove álbuns previstos com o personagem e pretende ir até o final da trama, algo que a Via Lettera não fez quando publicava a série por aqui. Jeff Smith é um artista altamente influenciado pelas tirinhas que saíam nos jornais e por nomes como Charles M. Schulz e Bill Waterson. Começou a narrar a saga de “Bone” em 1991 e nela se estendeu por anos angariando por diversas vezes os maiores prêmios do mundo dos quadrinhos. O primeiro volume, chamado “Fora de Boneville”, traz 144 páginas e apresenta a figura central e seus dois primos (Smiley Bone e Phoney Bone) quando eles são expulsos de sua cidade devido a alguns planos escusos executados por um deles, bastante ganancioso e sem índole ou moral. Fone Bone é que salva Phoney Bone do linchamento em praça pública e leva o outro primo Smiley Bone só para aborrecer o familiar mau, já que Smiley é descompromissado, inquieto e até meio bobo. Os três se veem então perdidos no meio de um deserto, se desencontram e a partir disso abordam várias encrencas para se reencontrar, sem saber que algo está na espreita e nutre interesse especial sobre eles. É difícil achar somente um viés para “Bone”. Nele, Jeff Smith construiu uma aventura que mescla humor simples com doses politicamente incorretas, mas sempre fazendo o leitor sorrir. No meio disso enxerta a série com muita fantasia (nas temáticas e na criação de criaturas exóticas e estranhas) e críticas pungentes sobre comportamento humano, ética e política, sem deixar de fazer dessas críticas instrumentos para a diversão. “Bone” é uma série de extremo valor, recomendável para todos os tipos de públicos e é uma alegria saber que enfim vamos ter toda a série disponível no país. Vale muito.

Nota: 9,5

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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