texto por Pedro Salgado, de Lisboa
fotos por Dewis Caldas
Quando os Boogarins iniciaram a sua atuação diante de uma lotada Musicbox, explanando uma torrente sonora intensa, mas propícia às linhas melódicas, a familiaridade do público depressa deu lugar ao primeiro momento de comunhão total na viagem alucinante de “Lucifernandis”. Denotando um equilíbrio perfeito entre as explosões rítmicas e a calmaria, a banda de Goiânia apresentou também temas novos, como “Tempo”, perante uma assistência heterogênea e rendida ao trabalho desenvolvido pelo quarteto.
“Vocês devem achar que somos loucos tocando desse jeito”, disse o cantor e guitarrista Dinho Almeida, provocando uma gargalhada geral que se repetiu em outras ocasiões. Embora temas como “Avalanche” remetam para o universo d´Os Mutantes, as comparações com esse e outros projetos de renome do rock psicodélica não inibem a personalidade vincada de um grupo que respira confiança e justifica o hype da mídia. Parte da explicação deste fenômeno deriva da síntese entre a versatilidade instrumental e o conceito artístico do agrupamento.
Outro aspecto marcante da passagem do conjunto brasileiro por Lisboa foi a excelente articulação entre as canções do disco de estreia (“As Plantas Que Curam”, 2013, que está sendo lançado agora no Brasil em vinil e CD com faixas bônus), e o atual trabalho, “Manual”, conseguida pelo domínio aprimorado dos vários tempos musicais, gerando uma assinalável fluidez entre as diversas faixas. Essa particularidade harmonizou as diferentes sensibilidades artísticas, fazendo com que o público acompanhasse interessado as improvisações livres e os trechos mais animados da banda.
Em palco, Dinho Almeida interpretou o papel de diabo doce, alternando um registro vocal insinuante com fases singulares de arrebatamento. O baterista Ynaiã Benthroldo e o guitarrista Benke Ferraz denotaram iguais níveis de empolgação, em contraponto com o controle emocional do baixista Raphael Vaz. A abordagem ao swing psicodélico (“Despreocupar”) e, particularmente, a eficácia pop de “Doce” (cantada a plenos pulmões pelo público), sublinharam a maleabilidade artística dos Boogarins na parte final do concerto.
No encore, para além da banda enveredar pelos solos prolongados que caracterizam a sua identidade, Benke Ferraz apresentou a solarenga “Benzin” como “uma canção que tocamos pouco nos shows”. Já a faixa “Infinu”, magistralmente interpretada, definiu melhor o experimentalismo do grupo e encerrou de forma brilhante o show. Depois da despedida da banda e com a alegria estampada na cara dos novos e velhos roqueiros, os Boogarins partiram para a reta final da sua tour europeia não apenas como a banda do momento, mas igualmente capazes de criar bons momentos.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
– Dewis Caldas (www.facebook.com/DewisCaldas) trabalha na empresa Maranhas Filmes.