39ª Mostra SP: Um filme por dia

por Marcelo Costa

Dos meus 15 anos como cidadão de São Paulo, acho que esse foi um dos meus melhores aproveitamentos pessoais na Mostra Internacional de São Paulo: dos 20 filmes que escolhi (a grande maioria, a esmo), apenas um me decepcionou, mas não completamente, já que a história da Rainha Cristina (que eu desconhecia) se mostrou muito mais interessante do que a fraca adaptação. Outros dois também ficaram em débito (“Para O Outro Lado” e “Aqui Está Harold”), mas a grande maioria, ou seja, os outros 17, mostraram muita qualidade e temas interessantíssimos, que recomendam ir atrás. De todos, a trilogia portuguesa (da qual só vi os dois primeiros filmes, mas felizmente estreia essa semana no Brasil) “As Mil e Uma Noites” foi a obra que mais me emocionou na sala de cinema, seguida pelos excelentes “Chronic”, de Michel Franco, e “Flocken”, de Beata Gårdeler. Abaixo, textos rápidos dos 20 filmes (e minha lista de preferências). E, desde já, a expectativa pelo ano que vem.

01 – “Chronic”, Michel Franco
02 – “As Mil e Uma Noites – Volume 2, O Desolado”, Miguel Gomes
03 – “As Mil e Uma Noites – Volume 1, O Inquieto”, Miguel Gomes
04 – “Flocken”, Beata Gårdeler
05 – “O Botão de Pérola”, Patricio Guzmán
06 – “O Filho de Saul”, László Nemes
07 – “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, José Barahona
08 – “O Idealista“, Christina Rosendahl
09 – “Camino a La Paz”, Francisco Varone
10 – “1001 Gramas“, Bent Hamer
11 – “Uma Noite em Oslo”, Eirik Svensson
12 – “Outras Garotas“, Esa Illi
13 – “Ninguém Ama Ninguém… Por Mais de Dois Anos”, Clovis Mello
14 – “Boas Coisas Acontecem”, Phie Ambo
15 – “Monty Python – The Meaning of Live”, Roger Graef e James Rogan
16 – “Para o Outro Lado”, Kiyoshi Kurosawa
17 – “Aqui Está Harold“, Gunnar Vikene
18 – “Jovem Rainha“, Mika KaurismÄki“

Hors-Concours
– “O Rei da Comédia”, Martin Scorsese
– “Intermezzo”, Gustaf Molander

FILME 1
– Título original: “Flocken”, Beata Gårdeler (Suécia, 2015)
– Título em inglês: “Flocking”
****

Eis um daqueles roteiros aparentemente simples que, na verdade, esconde uma profundidade enorme em seus mínimos detalhes. Inspirado em fatos reais, ele conta a história de uma garota de 14 anos que diz ter sido estuprada por um colega de sala de aula. Ambos vivem em uma pequena cidade sueca, e ainda que o mote da trama seja “comunidade” e o roteiro se utilize do crime para discutir a cegueira conjunta de um grupo de pessoas, a maneira com que os temas são jogados na tela repercute várias discussões no âmago do espectador. “Flocking” não é só importante por colocar o tema “estupro” em pauta e universaliza-lo (acontece aqui, acontece na Suécia, e o mundo precisa discutir isso), mas por aprofundar questões, como a necessidade de consenso para o ato sexual (o fato de duas pessoas “ficarem” não desobriga o consentimento), a amplitude do termo “estupro” e, polemicamente, olhar o estuprador como um doente. Por tudo isso, “Flocking” necessita de uma longa reflexão. E é um grande filme.

FILME 2
– “Camino a La Paz”, Francisco Varone (Argentina, 2015)
***

Estreia do cineasta Francisco Varone na direção de filmes (com um vasto currículo de prêmios em publicidade), “Camino a La Paz” é um road movie comovente sobre relações humanas. Na trama, o desempregado Sebastian (o excelente Rodrigo de la Serna, o Alberto de “Diários de Motocicleta”, 2004) acaba de se mudar para uma nova casa com a esposa, e, insistentemente, o telefone toca na residência a procura de uma empresa de taxis. Em certa altura, Sebastian decide aceitar uma corrida, e ganha uma nova profissão. Entre os passageiros que costuma atender está Khalil (o respeitado ator e diretor de teatro mendocino Ernesto Suarez), que lhe faz uma proposta: leva-lo em uma viagem de mais de 3.000 km até La Paz, na Bolívia. O mote, simples e bastante eficiente, choca a personalidade dos dois personagens, e engrandece o cinema. A bela fotografia da região andina e sacadas bem-humoradas bastante pertinentes são outros pontos positivos de um filme simples que merece ser visto.

FILME 3
– “Chronic”, Michel Franco (México/França, 2015)
**** ½

Vencedor (merecido) do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, “Chronic” conta a história de um enfermeiro, David (Tim Roth), um homem bastante dedicado e eficiente no cuidado de seus pacientes terminais, que desenvolve uma forte e até íntima relação com cada um deles, ainda que, em sua vida particular, seja bastante desajeitado e reservado. O roteiro escrito por Michel Franco, que também assina a direção, não só mostra como nos afastamos de entes doentes, delegando seus cuidados para outra pessoa, como nos distanciamos de seus próprios desejos. De forma direta, “Chronic” discute com sobriedade a eutanásia ao menos tempo em que observa (em silêncio – a trilha sonora é extremamente econômica) o fracasso das relações familiares. O ponto positivo a se ressaltar é a profundidade de David, uma aula de criação de personagem, muito distante do maniqueísmo óbvio que contamina blockbusters e telenovelas. Um filme para ver e ficar horas em silêncio.

FILME 4
– “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, José Barahona (Portugal/Brasil, 2015)
***
½

Primeira exibição oficial do filme inspirado no romance homônimo de Luiz Ruffato, presente na sessão ao lado do diretor português José Barahona e do ator principal, Paulo Azevedo. A trama conta a história de Sérgio de Souza Sampaio, um mineiro batalhador que trabalha no escritório de uma empresa na pequena cidade de Cataguases, próxima de Juiz de Fora, e vê um futuro brilhante descortinar-se ao abandonar o cigarro, comprar uma moto, se casar e ter seu primeiro filho. Porém, a vida prega peças, e, desempregado e desiludido, Sérgio aceita o conselho de um amigo e parte atrás de emprego em Lisboa. Seu plano, como o de milhares de brasileiros que tentam a sorte no exterior, é trabalhar muito, juntar um bom dinheiro, voltar para o Brasil, comprar uma casa e “ser patrão”, em suas próprias palavras. Porém, as coisas não são tão fáceis para o rapaz em terras lusitanas, fazendo de “Estive em Lisboa e Lembrei de Você” um filme triste, muito triste… como a própria vida. Um filme dolorosamente verdadeiro.

FILME 5
– Título Original: “
Kishibe no Tabi”, Kiyoshi Kurosawa (Japão/França, 2015)
Título Nacional: “Para O Outro Lado”
**

Com roteiro adaptado do romance “Kishibe no Tabi” (2010), do escritor Kazumi Yumoto, o novo filme de Kiyoshi Kurosawa acompanha a trajetória de Mizuki (Eri Fukatsu), uma professora de piano que, sem nenhum recado ou informação, foi abandonada pelo marido Yusuke (Tadanobu Asano). Três anos depois, ele retorna como se estivesse numa transição, mais propriamente no Purgatório: apesar de todas as pessoas o verem, Yusuke está morto (e a esposa sabe disso), mas sua alma só irá descansar após ele cumprir seu papel na Terra, e por isso os dois partem juntos em uma aventura de acerto de contas com o passado (e com outros mortos que passam pela mesma situação de Yusuke). A bela fotografia de Akiko Ashizawa é um dos destaques do filme, que rendeu a Kiyoshi Kurosawa o prêmio de Melhor Diretor na mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes 2015. Apesar dos créditos, “Para O Outro Lado” é um road movie que traz poucas novidades e soa longo demais em seus 128 minutos.

FILME 6
– Título original: “Saul Fia”, László Nemes (Hungria, 2015)
– Título em inglês: “Son of Saul”
****

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2015 e favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Son of Saul” chama a atenção pela forma (nitidamente influenciada por games de ação) com que desenvolve a história de Saul Ausländer (Géza Röhrig), um húngaro preso pelos nazistas no campo de Auschwitz-Birkenau, 1944. Ele integra o Sonderkommando, grupo de prisioneiros judeus destacado para ajudar os nazistas no “serviço braçal” dos campos de extermínio (limpar a “sujeira”: organizar filas para a câmara de gás, empilhar e queimar os corpos, se livrar das cinzas). Sua rotina em Auschwitz é assustadora (mas apenas sugestionada pela edição) e, em um dos crematórios, Saul descobre o corpo de um garoto que acredita ser seu filho, o que o motiva a seguir um novo caminho em meio a barbárie. Com a câmera na mão focada apenas em Saul (quase todo o resto é desfocado), a edição frenética leva o espectador por um tour traumático por Auschwitz, e ainda que o resultado final não tenha o impacto violento de “Katyn” (2007), de Andrzej Wajda, “Son of Saul” consegue abalar e recontar, de forma inovadora, uma história que todos conhecem (e não podem esquecer).

FILME 7
– Título original: “SÅ Meget Godt I Vente”, Phie Ambo (Dinamarca, 2015)
– Título nacional: “Boas Coisas Nos Aguardam
***

Niels Stokholm tem 80 anos e é o dono da fazenda Thorshojgaard, na costa dinamarquesa. Dedicado à agricultura biodinâmica, Niels é elogiado por consumidores, incluindo um dos melhores restaurantes do mundo, o Noma, de Copenhague. Totalmente conectado com o ambiente, ele acredita na harmonia do universo. Logo nos primeiros minutos do documentário ajuda uma vaca a parir um pequeno bezerro (no meio do processo pede para a cinegrafista: “Largue a câmera e nos ajude, por favor”). Logo depois, conversando com um representante do Noma em um celeiro, comenta: “Essa parte do boi oferece uma carne muito boa… mas não gosto de falar isso perto dele”. O bom documentário “Boas Coisas Nos Aguardam” (“SÅ Meget Godt I Vente”) acompanha a rotina dedicada de Niels, incluindo sua conturbada relação com as autoridades locais, que ameaçam retirar sua licença. “Dizer que um fazendeiro biodinâmico está maltratando seu gado é uma piada”, ele comenta. Faltou completar: uma piada sem graça, afinal Niels é um raro homem disposto a pensar num futuro melhor para a humanidade, sem se importar que esse futuro seja daqui “a 100, 200, 300 anos”, e ele não esteja mais vivo. O que o interessa: ele está fazendo a sua parte. Aplausos.

FILME 8
– Título original: “Idealisten“, Christina Rosendahl (Dinamarca, 2015)
– Título nacional: “O Idealista
***
½

Após o fim da Segunda Guerra começou a Guerra Fria, período em que EUA e Rússia criaram um arsenal temível de bombas atômicas. Enquanto milhares de pessoas protestavam contra a corrida armamentista, os dois países abasteciam seus aliados. No caso dos EUA, dois acidentes revelaram seus intentos: o primeiro aconteceu em 1966, quando um avião B-52 se chocou com outro avião e quatro bombas nucleares caíram na aldeia de Palomares, na Espanha (o caso foi abafado pelo ditador Francisco Franco). O segundo ocorreu em 1968 na base dos EUA em Thule, Groenlândia, território então controlado pela Dinamarca. Durante décadas, políticos dinamarqueses negaram que o país tivesse armas de destruição de massa, e a mentira se perpetuaria caso o jornalista Poul Brink não tivesse enfrentado as autoridades e revelado a verdade. Durante 10 anos, Poul cobriu o assunto e “O Idealista”, ao chocar imagens reais de época com ficcionais atuais, soa quase como um (essencial) documentário ao mostrar a trajetória heroica de Brink, que foi processado pelo governo dinamarquês por revelar segredos de Estado, mas ganhou o Prêmio Cavling, de Jornalista do Ano, em 1997. Uma aula.

FILME 9
– Título original: “Tyttokuningas“, Mika KaurismÄki (Finlândia, Alemanha, Suécia, 2015)
– Título nacional: “A Jovem Rainha
*

Da série “a vida real pode ser mais ficcional do que a própria ficção”, a história de Cristina é um deslumbre. Única herdeira do rei Gustavo II Adolfo, Cristina foi criada como Príncipe (para atender as necessidades do reino) e ascendeu ao trono sueco em 1632, com apenas 6 anos. Em 1644 foi coroada Rainha da Suécia e, apaixonada por filosofia e artes, início uma grande reforma no país visando tornar Estocolmo “a nova Atenas”. Paralelamente, enquanto súditos pediam um herdeiro, ela mantinha um romance com sua dama de companhia, a condessa Ebba Sparre, para desespero da corte, que tratou de “abrir os olhos” da amante, que a abandonou. Desiludida, Cristina fez de seu primo, seu filho (sim, isso que você leu), passou-lhe a coroa e, contrariando a todos, abdicou do trono de um reino luterano, se converteu ao cristianismo e foi viver em Roma com o Papa. Amiga de Descartes e Bernini, Cristina morreu virgem (diz o filme) aos 63 anos e é uma das raras mulheres enterradas no Vaticano, numa história que teria tudo para render um grande filme, o que não é o caso de “A Jovem Rainha”, um pastelão dramático com momentos dignos das passagens mais bregas de novelas mexicanas. Quem esperava algo no nível do ótimo “O Amante da Rainha” (2012) sairá decepcionado, ainda que “A Jovem Rainha” seja daqueles filmes que de tão ruim chegam a ser bons. Cristina merecia algo melhor.

FILME 10
– “Intermezzo”, Gustaf Molander (Suécia, 1936)
***½

Ingrid Bergman estreou no cinema em 1932, aos 17 anos, e quatro anos depois, em seu sétimo trabalho, se destacou em “Intermezzo”, cujos direitos seriam vendidos para a United Artists, nos EUA, que faria um remake de sucesso em 1939 marcando a estreia da atriz em Hollywood (seu quinto filme nos EUA seria “Casablanca”, mas isso é outra história). Presente no Panorama Nórdico da Mostra SP 2015, a versão original de “Intermezzo” é muito mais poética e menos carola do que a versão USA, que explicita a ode à família que o drama original – mais focado nos (des)encontros da vida – acena. Na trama, Holger, um violinista famoso, retorna para Estocolmo (e para a família) após dois anos em turnê pelo mundo, se apaixona pela pianista Anita (e por sua musicalidade), que dá aulas para sua filha, e decide abandonar tudo pela paixão. Juntos, eles partem em turnê como duo, e o romance floresce, mas Anita tem dúvidas quanto ao futuro profissional (ela sonha ser solista) e não se sente bem como destruidora de lares. Holger também tem dúvidas e, se você se atentar ao título, entenderá a moral deste bom filme, muito mais equilibrado na versão original.

FILME 11
– “Monty Python – The Meaning of Live”, Roger Graef e James Rogan (Inglaterra, 2014)
***

Em 2013, a trupe Monty Python perdeu um processo na Justiça devido a royalties referentes a “Spamalot (2005), um musical derivado do filme “Monty Python e o Cálice Sagrado” (1975) – o produtor do filme, Mark Forstater, alegou que também tinha direitos sobre o musical, e os cinco Pythons originais (o sexto, Graham Chapman, faleceu aos 48 anos em 1989) tiveram que arcar com £ 800.000 em taxas legais (quase R$ 5 milhões) num processo que durou sete anos. Como levantar a grana? Voltando aos palcos, e, pela primeira vez (e talvez última) em 34 anos, John Cleese, Eric Idle, Terry Gilliam, Terry Jones e Michael Palin se reuniram para 10 noites de apresentações no imenso O2 Arena, em Londres (com 16 mil lugares). Este documentário flagra a reunião em interessantes (e reveladoras) conversas com a trupe. Das memórias do primeiros shows no começo dos anos 70 até os ensaios pré retorno, “The Meaning of Live” não só cria um painel interessante que aproxima o público dos cinco comediantes, como faz ter (muita) vontade não só de tirar os DVDs da estante, mas de vê-los ao vivo. Era uma vez?

FILME 12
– Título original: “The King of Comedy“, Martin Scorsese (EUA, 1982)
– Título nacional: “O Rei da Comédia
****

Um dos destaques da retrospectiva da The Film Foundation na Mostra SP 2015, esta comédia afiada de Martin Scorsese conta com Jerry Lewis no papel de Jerry Langford, um famoso e consagrado comediante e apresentador de sucesso (um misto de Jô Soares com Silvio Santos) que é sequestrado por uma fã e um psicopata pretendente a humorista. A fã (daquelas loucas que sabem tudo sobre o astro) deseja ser groupie – em papel ótimo de Sandra Bernhard. O psicopata (vivido por um Robert De Niro estupendo) quer… fama e reconhecimento. O roteiro esperto de Paul D. Zimmerman vasculha (e critica) com sobriedade o universo das celebridades, e nas mãos de Scorsese se transforma em um filme absolutamente brilhante, sarcástico, irônico, “aterrorizante” (grifo do próprio cineasta) e, num mundo dominado por paparazzis, atualíssimo. Um retrato ao mesmo tempo realista e absurdo do mundo moderno. “O Rei da Comédia” é, talvez, o filme definitivo sobre o vazio da indústria de celebridades. E uma pequena obra prima que merece estar na lista dos melhores filmes de Scorsese..

FILME 13
– Título original: “1001 Gram“, Bent Hamer (Noruega, 2014)
– Título nacional: “1001 Gramas
***

Filme selecionado pela Noruega para representar o país na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014 (vencida pelo polonês “Ida”), “1001 Gramas” parte de um ponto inusitado para criar o retrato do momento exato em que uma determinada pessoa começa a reconstruir sua vida. Marie (Ane Dahl Torp) é uma cientista que trabalha com pesos e medidas. Sua vida passa por um sério momento de turbulência: seu casamento fracassou (e o ex-marido, que ainda tem as chaves da casa, todos os dias visita o imóvel para buscar algo – uma mesa, um quadro) e seu pai, também cientista, está doente. Em meio ao caos pessoal, ela precisa levar “o peso – de um quilo oficial – da Noruega” para uma competição em Paris, o que a obriga a sair do momento letárgico. Delicado, suavemente melancólico e pontuado com agradáveis escapes cômicos, “1001 Gramas” se utiliza da leveza para falar do fardo peso da vida e cresce consideravelmente devido a atuação contida de Ane Dahl Torp, que consegue conquistar o espectador. Um filme modesto… e muito bonito.

FILME 14
– Título original: “Her Er Harold“, Gunnar Vikene (Noruega, 2014)
– Título nacional: “Aqui Está Harold
**

A premissa deste drama cômico norueguês é bem interessante (e bastante comum no mundo capitalista que vivemos): após 40 anos vendendo móveis em uma pequena cidade da Noruega, Harold vê seu pequeno comércio falir quando uma imensa loja da Ikea (conhecida pelo design arrojado e preços baixos) aporta na cidade. Harold não se conforma. “Eu mobilei essa cidade”, esbraveja para a esposa, que está bastante doente. Como vingança, Harold planeja ir até a Suécia e sequestrar o criador da Ikea. O que ele não conta, porém, é que Ingvar Kamprad, o tal criador, achará a ideia do sequestro interessante, porque será uma boa publicidade para a marca. No meio do caminho, Harold tenta se aproximar do filho, um jornalista desempregado que se ressente do pai ter dedicado sua vida ao negócio e ter dado pouca atenção a ele. Apesar da boa premissa, de alguns bons momentos cômicos e da boa atuação do elenco, “Aqui Está Harold” não mantém o pique em seus 88 minutos, e se perde no trecho final, esvaziando uma boa ideia. Para ver sem grandes expectativas.

FILME 15
– Título original: “Toiset Tytöt“, Esa Illi (Finlâdia, 2015)
– Título nacional: “Outras Garotas
***

Eis a história de quatro garotas finlandesas de 18 anos terminando o ensino fundamental. Elas se chamam Jessica, Jenny, Taru e Aino, e poderiam ter nascido e crescido em qualquer lugar do planeta, pois seus dramas não se diferem em quase nada dos vividos por uma garota norte-americana, inglesa ou brasileira: a primeira grande paixão e a consequente desilusão, gravidez, famílias estilhaçadas (os homens são praticamente todos ausentes), inadequação, humilhação e bullying, desejos. E por mais que essa lista de temas soe absolutamente óbvia, o grande acerto do diretor Esa Illi, que também assina o roteiro, é respeitar a natureza comum dos dramas pessoais. Baseado em acontecimentos reais (em 2011, quatro garotas de Helsinki mantiveram diários em vídeo sobre suas vidas durante o período de um ano), “Outras Garotas” é um pequeno filme indie que não traz absolutamente nada de novo, mas tem um frescor que consegue dar vida a temas que já foram bastante gastos na cinematografia mundial. Um filme simples, bonito e triste.

FILME 16
– “As Mil e Uma Noites – Volume 1, O Inquieto”, Miguel Gomes (Portugal, 2015)
*****½

Responsável por “Tabu” (2012), um dos melhores filmes em língua portuguesa deste sofrido novo século, o cineasta português Miguel Gomes volta a soar esplendido com uma trilogia que empresta apenas o formato do “Livro das Mil e Uma Noites” para recontar a história recente de Portugal (mais propriamente entre 2014 e 2015), quando o governo federal baixou leis que deixaram a população na miséria. Neste “Volume 1”, com trechos notadamente inspirados em Fellini, o próprio Miguel Gomes se sente incapaz de contar a história, e covardemente foge. Em seu posto é colocada a bela Xerazade, que precisará distrair o rei Xariar com suas histórias sobre um pobre país europeu levado à bancarrota por políticos inescrupulosos – que recebem a “benção” de um gênio, que lhes endurece o “pau mole” (um político britânico graceja: “Já gozei três vezes só de lembrar da costa da Escócia”). Seguem narrativas intensas sobre amores, incêndios, galos falantes e a crescente onda de desemprego que abala o povo português. Numa palavra: essencial.

FILME 17
– “As Mil e Uma Noites – Volume 2, O Desolado”, Miguel Gomes (Portugal, 2015)
*****½

O segundo filme da trilogia de Miguel Gomes é mais poético e inicia com um trecho que soa uma homenagem a Pier Paolo Pasolini, que também se inspirou no formato do “Livro das Mil e Uma Noites” no filme que encerra sua “Trilogia da Vida” (“As Mil e Uma Noites”, 1974). Nesta abertura, um ladrão é perseguido pela policia, que usa até drones para captura-lo. Na fuga, participa de um bacanal e de um belo jantar. Em uma das histórias mais interessantes contadas por Xerazade, uma juíza ensina sua filha, que acabou de perder a virgindade, a fazer um bolo de chocolate para o amado, isso antes de enfrentar um terrível tribunal que irá testar sua fé na justiça. No terceiro conto, o espectador acompanha a rotina de um grupo de moradores de um prédio: garotos que observam um casal transando por um buraco na parede, festeiros que fazem de banheiro um elevador enguiçado, papagaios mortos que voltam à vida, brasileiras naturistas, um casal cansado de receber a mesma comida da ajuda comunitária e fantasmas (de pessoas, de cães e, pior, da crise econômica) que assombram os moradores. É Portugal, mas poderia ser o Brasil (se soubéssemos nos revoltar).

FILME 18
– Titulo Original: “Natt Til 17”, Eirik Svensson (Noruega, 2014)
– Titulo Nacional: “Uma Noite em Oslo”
***

16 de maio, véspera do Dia da Constituição Norueguesa, principal feriado do país, e enquanto famílias se preparam para o tradicional desfile anual do dia seguinte, Thea, de 15 anos, planeja fazer uma festa em casa, aproveitando a ausência dos pais, que todo ano aproveitam o feriado para sair da capital e viajar. A venda de álcool é proibida para menores de 18 anos no país (só é possível comprar bebida acima de 4.7% de álcool em Vinmonopolets controlados pelo governo, de segunda a sexta em horário comercial), mas Thea consegue que um garoto mais velho abasteça a festa. Paralelamente, dois garotos (imigrantes), Sam e Amir, também de 15 anos, estão passando por um teste de amizade: Amir é apaixonado por Thea, que agora está saindo com Sam. Inicialmente, o roteiro de Sebastian Torngren Wartin sugere um drama romântico adolescente, mas “Uma Noite em Oslo” vai além, ampliando (de forma surpreendente) o olhar sobre a juventude da Noruega, com suas dores, dramas, drogas, bullyings e medos. Para pensar.

FILME 19
– “Ninguém Ama Ninguém… Por Mais de Dois Anos”, Clovis Mello (Brasil, 2015)
**
*

Primeiro longa-metragem de Clovis Mello, diretor premiado em publicidade que começou a carreira no início dos anos 1980 como editor na Rede Globo, onde trabalhou em novelas e seriados, “Ninguém Ama Ninguém… Por Mais de Dois Anos” inspira-se em cinco contos (interligados) do genial Nelson Rodrigues, com roteiro adaptado a seis mãos por Paula Santos, Marina Meira e Rodrigo Vasconcellos. Inevitavelmente, a produção carrega um jeitão de programa especial da TV Globo, mas das melhores safras (como “A Vida Como Ela É” e “Comédias da Vida Privada”), e boa parte da virtude vem do texto impagável de Nelson Rodrigues, que ora conta a história de uma esposa infiel (numa baita atuação de Gabriela Duarte), ora de um marido trabalhador que ama a esposa acima de todas as coisas (no sensacional conto “Coroa de Orquideas”), ora da bela Rainha de Sabá, entre outros. Num momento em que o politicamente correto soa como o 11° mandamento da Bíblia, nada como Nelson Rodrigues para arejar as ideias (e polemiza-las) num filme divertido (e que faz pensar). Estreia dia 19/11 com o bordão: “Se você nunca foi traído, é comédia; Se já foi, é drama”. 🙂

FILME 20
Título original: “El Botón de Nácar“, Patricio Guzmán (Chile, 2015)
– Título nacional: “O Botão de Pérola”
****

Logo no início de seu filme, Patricio Guzmán (que também assina o premiado roteiro) busca convencer o espectador de que o oceano contém a história de toda a humanidade. A narrativa, neste ponto inicial falando sobre a importância da água (momento em que se torna impossível dissociar o filme de certo político paulista), rememora passagens de programas do canal de TV a cabo National Geographic. Esse prólogo desemboca na relação do povo indígena do sul do Chile (e próximo da Patagônia) com a água, e, delicadamente, Guzmán começa a desfiar seu grande intento: propor uma dolorosa cobrança de acerto de contas chilena com seu próprio passado, dos bandeirantes que dizimaram tribos inteiras de índios aos militares da ditadura de Pinochet, que de helicópteros jogavam corpos amarrados em trilhos de trem para afundarem no fundo do oceano, um cemitério em alto mar (isso no começo dos anos 80). Vencedor do Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim, “O Botão de Pérola” pega o espectador de surpresa e o emociona tanto quanto o enraivece. Felizmente e dolorosamente, não é possível apagar o passado.

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