Livro: Submissão, Michel Houellebecq

por Adriano Mello Costa

Em 7 de janeiro de 2015, a redação do jornal francês Charlie Hebdo, conhecido pelo tom de sátira e humor, foi invadida por homens armados que assassinaram 12 pessoas e deixaram outras tantas feridas. O atentado foi motivado por charges que faziam graça com Maomé, figura central do Islamismo, publicadas pelo jornal. Uma edição posterior do Charlie Hebdo exibia uma charge com a caricatura do escritor francês Michel Houellebecq, fazendo alusão ao lançamento do romance “Submissão” (“Soumission”, 2015), e aproximando-o (por associação) do atentado, tanto por conta do conteúdo do livro quanto pela própria personalidade do autor, conhecido por seus pensamentos polêmicos.

Autor de obras como “Plataforma” (2001), em que foi acusado de apologia do turismo sexual e de sentimentos anti-muçulmanos (as acusações foram arquivadas posteriormente) e de “O Mapa e o Território” (2010), em que um artista o assassinava (sim, o próprio Houellebecq participa da trama – o livro faturou o prêmio literário francês de maior prestigio em 2010, o Prix Goncourt), Michel Houellebecq trabalha essa vertente polêmica como uma marca pessoal. “Submissão”, seu novo livro, ganhou edição nacional via selo Alfaguara, da Editora Objetiva, com 256 páginas e tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

Ambientando em um futuro bastante próximo, o leitor é apresentado a uma França que, nas eleições de 2022, fica sob o poder do fictício partido da Fraternidade Muçulmana, liderado pelo candidato Mohammed Ben Abbes, que conseguiu unir tanto direita quanto esquerda em um segundo turno, acabando com velhas tradições políticas do país. Os fatos são contados por François, professor universitário da Sorbonne, que há muito tempo leva uma vida sem grandes emoções e ambições, considerando-se um fracasso, por mais que goze de respeito dentro do círculo profissional.

Fascinado pelo escritor francês Joris-Karl Huysmans (1848-1907), o qual considera como um companheiro e um amigo fiel, justificando muito das suas decisões e pensamentos, François de repente se vê no meio de uma mudança drástica de pensamento em seu país e, de início, não sabe bem como se portar, até mesmo pelo simples fato de que no âmbito pessoal as coisas não andam também lá as mil maravilhas. E mesmo que as mudanças já sejam oriundas de um processo em andamento, ele simplesmente não se dá conta disso.

Na primeira parte do romance, o processo eleitoral toma conta da trama com os acordos, negociatas, sujeiras, dissidências e controvérsias inerentes a esse tipo de atividade. Há um interlúdio quando o personagem principal, a fim de sair da confusão que toma conta do país (mas que não chega a ser tão grande como ele imaginava), parte para um retiro no interior fugindo das transformações e, logo após isso, Michel Houellebecq inicia a segunda parte do romance mostrando as alterações introduzidas pelo novo governo.

Em “Submissão” há muito com o que se revoltar, caso você sonhe com um mundo mais justo, unido e com maior aceitação, visto que as ideias expostas quase que em sua totalidade são um arcabouço de conservadorismo, xenofobia, machismo e misoginia. Todavia, há de se considerar que o tom utilizado regularmente é proposital e habilmente colocado pelo autor para essa condição de suscitar questionamentos, discussões e debates que circundam tanto questões comportamentais quanto religiosas.

Ao colocar nas entrelinhas de “Submissão” que a salvação do Ocidente seria aceitar os termos do Islã, indo assim na direção inversa de preceitos e valores, Michel Houellebecq não só expõe várias feridas da atual realidade mundial, como instiga o leitor a pensar com mais afinco sobre aquilo que acabou de ler. É o tipo de livro que causa mais rebuliço não pelas qualidades literárias e sim pelas ideias expostas, sejam elas absurdas ou não, mas que cumprem com o objetivo de provocar e fazem da obra uma das melhores dos últimos anos.

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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One thought on “Livro: Submissão, Michel Houellebecq

  1. Acho que o ponto central do livro não é politica, transformações e, tampouco um afronta aos caminhos do ocidente. O livro é sobre um homem a beira do abismo, uma pessoa cínica, deprimida e da qual não podemos esperar muito realismo em seu relato.

    O maior exemplo disso é quando ele “foge” das eleições, encontra um posto de gasolina no meio da estrada onde aparentemente houve um massacre e simplesmente não dá a minima, pega o que foi comprar e simplesmente vai embora. Porque ele não avisou a policia, o massacre realmente existiu, podemos confiar no relato de um narrador que, ou é entorpecidamente distante da realidade ou simplesmente não se importa nem um pouco com seus semelhantes?

    A morte de seus pais também sucinta esse questionamento, na da mãe, ele simplesmente não sente nada, na do pai, ele vai a cidade apenas por questões financeiras e não demonstra sentimento algum. O mesmo acontece quando ele perde o emprego e simplesmente aceita passar o resto da vida sozinho, sem emoção e sem vontades.

    Houllebecq brinca com isso, apresenta um cenário de quase apocalipse politico envolto nas brumas de um narrador entorpecido, assim nos leva a questionar a todo momento a veracidade dos fatos e seus efeitos, estabelecendo uma ponte entre os absurdos da vida politica e pessoal.

    O final é magistral, sexo e ascensão social curam qualquer dor, pessoal ou politica.

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