por Adriano Mello Costa
“Você é Minha Mãe?”, de Alison Bechdel (Quadrinhos na Cia)
Em “Fun Home – Uma Tragicomédia em Família”, que a editora Conrad publicou por aqui em 2007, Alison Bechdel mergulhava na infância e crescimento olhando mais para as ações do pai, um professor que escondeu a homossexualidade durante anos. Em um álbum que unia arte e texto de maneira triste e, ao mesmo tempo, encantadora, a autora se destacou, chamando a atenção do mundo dos quadrinhos e angariando elogios e prêmios. “Você é Minha Mãe?” (“Are You My Mother?” no original) é a sequência natural de “Fun Home”, lançada lá fora em 2012 com edição nacional em 2013 via selo “Quadrinhos na Cia”, da Companhia das Letras. Com 294 páginas e tradução de Érico Assis, Alison Bechdel aposta novamente no caráter biográfico neste drama que faz leves alusões ao pai, mas que, dessa vez, apresenta a relação com a mãe como foco. Na verdade, assim como em “Fun Home”, “Você é Minha Mãe?” serve como escape para afugentar (ou acalmar, que seja) os demônios de Alison Bechdel. É uma graphic-novel densa, repleta de conceitos psicológicos, onde os sonhos desempenham papel importante na busca da autora por um caminho em meio a dúvidas, questionamentos, inseguranças e um humor involuntário. A escritora Virginia Woolf e o psicanalista Donald Winnicott são dois alicerces em que Bechdel baseia todo esse entendimento da vida pessoal, com vários trechos das suas obras citadas nas páginas. Porém, ainda que mantenha algumas qualidades, como a arte funcional, “Você é Minha Mãe?” é cansativa e, em termos de ritmo e texto, fica bem abaixo de “Fun Home”, infelizmente.
Nota: 5,5
Leia um trecho gratuitamente no site da editora, aqui.
“Seres Urbanos – Antologia do Quadrinho Underground Cearense (1991-1998)”, Vários
Um pouco antes do advento da internet, ou bem no início desta, que seja, os fanzines foram fundamentais na propagação de uma cultura que não aparecia nas grandes mídias, além de servir como plataforma para uma arte que não encontrava espaço em outros locais. Circulando no underground, de mão em mão, os “zines” se faziam presentes em todo os cantos do país e não foi diferente em Fortaleza, capital do Ceará. Lá a produção chegou a ter destaque nacional e o grupo Seres Urbanos foi o expoente da cena zineira local. Formado inicialmente por Weaver Lima e Marcílio Nascimento, o grupo agregou outros nomes (Elvis, Lupin, Galba, Mychel e Kaos, este último falecido no ano passado) e foi responsável por fanzines, exposições e festas que movimentaram a capital cearense nos anos 90. “Seres Urbanos – Antologia do Quadrinho Underground Cearense (1991-1998)” é um álbum que compila parte dessa produção e passou por um processo lento desde que foi contemplado por edital da Secretaria de Cultura do Estado, em 2011, só realmente conhecendo a vida agora em 2015. Em preto e branco, com formato grande (21x30cm) e 100 páginas, os quadrinhos selecionados exibem um humor ácido passando por comportamento, música, sexo, política e religião, sempre de maneira um pouco anárquica, sem muitas formas pré-definidas. Também demonstra tipos distintos de arte e de traços, o que na maioria dos casos funciona de acordo com o objetivo pretendido. Uma entrevista com os membros no final enaltece o espírito da coisa toda e atesta “Seres Urbanos” como um projeto relevante e, acima de tudo, bem interessante de ser lido.
Nota: 8
Facebook: http://www.facebook.com/seresurbanosfanzines
“Pílulas Azuis”, Frederik Peeters (Editora Nemo)
Sem pessimismo barato, mas atualmente é cada vez mais difícil se deparar com um caso de amor límpido, sincero, bonito, como aqueles das canções clássicas ou dos poemas mais célebres. Inúmeros são os motivos para tanto, alguns justificáveis, outros não, contudo é verdade que isso é cada vez mais raro e esporádico. Talvez seja por isso que o impacto de “Pílulas Azuis” (“Pilules Bleus” no original) seja tão forte. Publicado originalmente em 2001, a graphic-novel do suíço Frederik Peeters ganha edição nacional em 2015 através da editora Nemo. Com 208 páginas e tradução de Fernando Scheibe, o autor de “Aâma” (2011/2014) traça em uma autobiografia seu romance com Cati, uma história de amor com dificuldades, superações, temores, mas também com muita entrega, companheirismo e amor. O tom tinha tudo para descambar para o piegas ou o sentimentalismo de feira, mas o resultado final passa muito longe disso. A história começa com o básico garoto conhece garota, mas se estende por alguns anos até que realmente ocorra a união, que tem como parte inerente o vírus da Aids, já que tanto Cati, quanto o pequeno filho dela são soropositivos. A maneira como o autor trata de questões tão delicadas é excepcional inserindo a carga de drama necessária, mas a envolve-a com humor e dedicação. A arte em preto e branco, ora rabiscada, ora detalhada, se destaca nas expressões faciais que refletem muito bem o momento a que se dedicam. Com tudo isso, “Pílulas Azuis” é um história como poucas, que espanta o preconceito para bem longe e narra uma bela e bonita história de amor. Sim, essas histórias ainda existem. Ainda bem.
Nota: 9
Leia um trecho gratuitamente no site da editora, aqui.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop