por Marcelo Costa
Fábio Cardelli é o tipo de cara que basta sair na noite paulistana para ver um show que a chance de encontra-lo é enorme, seja tocando, seja prestigiando outros músicos que, assim como ele, seguem na guerrilha da música independente. Se a rádio não toca o som que ele faz, problema dela, porque ele segue fazendo seu trabalho, “romântico e noisy”, como entrega o texto no site da Mono.Tune Records, que está lançando “A Palavra dos Olhos”, sua estreia solo.
Apesar do debute, Fábio já tem uma boa estrada percorrida com os grupos Wasted Nation, Visitantes e o coletivo Cabezas Flutuantes. Desde 2012, porém, ele começou a arquitetar o que viria a ser “A Palavra dos Olhos”, compondo duas faixas que vieram parar no disco durante uma passagem por Buenos Aires. A inspiração, segundo ele, foi colocar o noise a serviço da canção, como fazem gente como Radiohead e Elvis Costello.
Lançado em CD e disponível nas principais plataformas de streaming, “A Palavra dos Olhos” ainda ganhará uma versão em fita cassete, com direito a faixas bônus. E também pode ser baixado gratuitamente no site da Mono.Tune Records. “A regra é deixar a música buscável”, ele avisa. “As pessoas podem não comprar música sempre, mas elas sempre buscam. As pessoas precisam de música boa”. Com você, Fábio Cardelli.
Você está envolvido com música há bastante tempo, primeiro com a Wasted Nation, depois com a Visitantes. Quando você se descobriu artista solo e começou a preparar essa estreia?
Foi em dezembro de 2012 que tive o estalo definitivo. A Visitantes tinha uma tour marcada na Argentina e a banda não ia poder ir, (então) resolvi arriscar ir sozinho. O que aconteceu lá foi um divisor de águas pra mim. Eu já vinha fazendo algumas apresentações solo, mas foi nessa viagem que senti uma liberdade nova pra criar e me posicionar como artista: fiz shows voz e violão muito bem acolhidos em Buenos Aires e La Plata, toquei com bandas locais, dei entrevistas, e nas horas livres eu ficava no quarto de hotel compondo. Vieram “Palestina” e “A Rosa e a Serpente”. Senti que tinha nascido pra isso.
Com quem você tocou lá? Deu pra ter uma pequena noção do cenário argentino?
Toquei com as bandas Valbè, Superchería e Mutandina, e participei dos shows das duas últimas. Deu pra sentir o movimento argentino sim, é um cenário assim como o daqui de muita guerrilha e ralação, mas muita satisfação também – o público de lá que tive acesso é bem interessante, é um público um pouco mais cerebral, e tem até um termo “volado” (fala-se “bolado”) para músicas com arranjos mais elaborados, viajados. Dia 17, sábado agora, vai rolar um show na Sensorial que vai ser o reencontro de Fábio Cardelli e Valbè, que foi o primeiro show daquela tour, três anos depois.
Quando você começou a trabalhar em “A Palavra dos Olhos”, havia um caminho a seguir, um som que você buscava? E no final, com o álbum pronto, você acha que encontrou esse som?
Bom, eu sempre fui compositor, tanto no Wasted quanto no Visitantes, mas raramente eu parava pra reescrever letras, retrabalhar canções; sempre foi uma coisa meio psicografada. Desta vez, eu parei pra amarrar melhor as músicas, e no final fiquei super satisfeito, ganhei envergadura. Eu ouvi muito o “The Bends”, do Radiohead, e o “When I Was Cruel”, do Elvis Costello, durante a produção. São discos com vários climas, mas onde os noises e arranjos estão a serviço da canção.
Senti um componente forte de rock paulista em “A Palavra dos Olhos”. É algo real ou estou sendo influenciado pela lembrança do primeiro álbum solo do Edgard Scandurra, “Amigos Invisíveis” (1989), em que ele, assim como você, tocou praticamente tudo no disco?
Tem rock paulista sim! Eu era muito fã de Titãs, Ira! e Skowa e a Máfia quando era bem criança, lá pelos meus 5, 6 anos. Eu aprendi a estalar o dedo com “Atropelamento e Fuga”, e cantava o “Cabeça Dinossauro” imitando o Arnaldo Antunes junto com a minha tia na Vila dos Remédios. Isso acho que acabou moldando meu gosto por canções. Quando cresci e me tornei artista, minha praia foi diferente, mais para o grunge e college rock, mas essa veia paulista sempre está aparecendo, ficou em mim meio que por osmose. Belo disco o “Amigos Invisíveis” por sinal…
Apesar de você tocar guitarra, violão, baixo, bateria, teclado e programações, “A Palavra dos Olhos” conta com participações especiais de músicos de bandas como Terno Rei, Vanguart, Cabezas Flutuantes, Watson e da Orquestra Brasileira de Música Jamaicana. O que eles acrescentaram ao álbum?
Todos os colaboradores definitivamente aprofundaram muito as músicas, em vários níveis. Não só por ir lá e gravar o instrumento, mas pela conversa dos bastidores da gravação, os momentos de papo reto. O Filipe (Watson) e o Bruno (Terno Rei), por exemplo, foram caras que me ajudaram demais, me deram conselhos, orientações de arranjos. Foi minha primeira vez como produtor de um disco cheio, então aproveitei ao máximo esses momentos.
“Seu Nome”, que havia saído como single em janeiro, ficou fora do álbum. Algum motivo especial? Quantas canções você chegou a trabalhar pra chegar nas 10 que compõe o disco?
Ela vai entrar na versão do álbum em K7 que estou preparando, ainda sem data definida de lançamento. Cheguei a trabalhar umas 30 canções mais ou menos para chegar nas 10. Algumas descartei, outras ainda estou em processo, e outras guardei para quando for a hora certa.
O lance de assumir vários instrumentos no disco deixa a questão: como reproduzir isso ao vivo? Quem está te acompanhando nos shows?
Hoje em dia tem muitos artistas que trabalham dessa forma, como o Kevin Barnes, do Of Montreal. Pra minha sorte, posso contar com músicos muito bons que me acompanham. Hoje, minha banda-base é o Bruno Paschoal na guitarra, Ale Sater no baixo e Fábio Ayrosa na bateria, e Filipe Vianna nos teclados e percussão; estou experimentando também outras formações, estar solo me dá essa liberdade. Vou tocar com um power trio na Sensorial dia 17/10, e com uma banda de músicos mineiros em BH dia 23/10, na festa Supernova.
“A Palavra dos Olhos” está em todas as plataformas digitais, foi lançado fisicamente em CD e também está disponível para download gratuito no site da Mono.tune Records. Hoje a regra é essa: a música tem que estar em todo lugar?
É isso! A menos que você seja um cara mega famoso e seja capaz de criar uma isca pra que todos venham até você, a regra é deixar a música buscável. As pessoas podem não comprar música sempre, mas elas sempre buscam. As pessoas precisam de música boa.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne