Sob o CEL: História Por Música

Sob o CEL #31
História por Música

por Carlos Eduardo Lima

Vou contar uma pequena história para vocês, que perdem seu precioso tempo lendo essas coisas que eu escrevo por aqui e que meu amigo Mac, do alto de sua camaradagem, acha por bem publicar. Depois de um bom tempo formado em jornalismo, decidi fazer outra faculdade e resgatar uma dívida com o Carlos Eduardo Lima lá do início dos anos 80, que era CDF numa só matéria: História. Esse moleque espinhudo e tímido sempre foi bom com essa coisa de decorar datas, entender fatos e explicá-los depois, escrevendo. Quando chegou ao antigo segundo grau, essa paixão ficou mais evidente e suas notas sempre se mantiveram altas, em meio ao choque inicial da Química Orgânica, da Físico-Química, das várias Físicas e Matemáticas que o Colégio Santo Agostinho achava por bem colocar em seu currículo. Mas, por influência do meio e dos próprios pais, a faculdade de História não foi a opção naqueles tempos e caminhos tortuosos me levaram a passar para a Faculdade de Comunicação Social da Uerj, onde obtive minha primeira graduação.

Anos depois, incentivado pela minha mulher, Maria, decidi fazer a faculdade de História da UFF, em Niterói. Havia perdido o prazo para a prova de aproveitamento de estudos, que me isentaria de reencontrar as ciências exatas no vestibular e não restou outro jeito a não ser prestar o exame completo. A duras penas consegui passar e retornei ao ambiente universitário em 2009, animadaço. Ao longo do curso, fiz amizade com pessoas adoráveis com metade da minha idade e que logo me chamaram de nomes como “Velho” ou “Pai”, numa cachoeira de demonstrações de carinho que se inserem em momentos dourados que vou levar para o chamado além-túmulo.

Ao longo desse processo, de me reinventar lá dentro, surgiu uma ideia, justamente após me inscrever numa disciplina optativa. Sob o nome “História, Música e Comportamento nos Estados Unidos e Grã-Bretanha (1955-1980)”, eu viria a ter aulas sobre… Rock. Na verdade, a inscrição na disciplina se deu, justamente, a partir da mitologia em torno dela. Segundo relatos dos alunos, o professor Luiz Carlos, um estudioso da Revolução Industrial, com inúmeros títulos e mais linhas que a lista telefônica em seu Curriculum Lattes, se assumia como hippie acadêmico e dava um curso sobre o surgimento do Rock como sintoma do pós-guerra e de como ele – o Rock – refletiu uma nova sociedade que estava em formação.

Conhecido como “Franja”, justamente por sua calvície, Luiz entrava na sala de aula com CDs e um radiogravador, tendo como temas a importância do Blues, a formação do Rock inglês, coisas assim. Eu discordava de algumas coisas, sobretudo quando ele reduziu a importância do The Who, uma das bandas mais comprometidas com a mudança, a adolescência e a incapacidade de se encontrar. Mas, dentre tantos acertos, este foi um pecado, digamos, tolerável.

A ideia, como dizem em Portugal, cá me ficou. Como eu não havia pensado na possibilidade de levar a música popular para a sala de aula? Porque, sim, eu cursei a faculdade de História para dar aulas, para mudar de profissão, já com a ciência de que o magistério, assim como o jornalismo, não assegurava nada em termos de riqueza material ou futuro certo, mas me possibilitava, ainda que bem pouco, dar alguns pitacos na vida das pessoas, apresentar algo, resgatar detalhes, mostrar alguma coisa produtiva, fazer a diferença, algo utópico e casual assim.

Se eu fosse fazer isso mesmo, a alternativa apresentada pelo Franja era tentadora. Isso foi em 2013. Dois anos depois, formado e com um programa que cobre o fim do século 19 até o início dos governos petistas, formatei o curso História Por Música. Constatei que dá pra falar de fatos históricos como a abolição da escravidão, a República Velha, a Semana de Arte de 1922, os governos de Getúlio Vargas, do pós-guerra com Dutra, dos presidentes desenvolvimentistas e da infame ditadura militar, além da redemocratização e da globalização usando composições populares como pano de fundo, mecanismo desencadeador ou mesmo como pequenas polaróides dos períodos, sejam elas compostas em sincronia com os eventos, seja compostas mais tarde, refletindo sobre o acontecido.

Também dá pra falar sobre história geral, sobre o tal nascimento do Rock, que conservo como um módulo especial em homenagem ao que aprendi na sala de aula, mas também sobre seu papel nos anos 60, sobre como ele refletiu as demandas sociais e políticas daquele tempo ou como a globalização e o abraço ao neoliberalismo o feriu de morte de significado nos anos 90. Dá pra falar de muita coisa, literalmente. Como forma de testar o conteúdo, criei no Facebook, há cerca de dois meses, uma página na qual posto frequentemente uma canção e um texto autoral, no qual comento e contextualizo a música escolhida, como se fosse um aperitivo do que o História Por Música pode fazer em sala de aula. Já falei sobre The Clash e Margaret Thatcher, sobre Sting e a ditadura chilena de Pinochet, sobre Raul Seixas e o milagre econômico, sobre Paralamas do Sucesso e globalização, sobre Glen Campbell e a primeira canção que mencionou um trabalhador em seu título, sobre The Police e a questão da Irlanda do Norte, sobre a anuência dos Incríveis em relação à ditadura militar, enfim, sobre incontáveis e interessantes assuntos.

Há pouco menos de um mês surgiu, finalmente, a oportunidade para levar o conteúdo para a sala de aula e muitos destes casos serão estudados, primeiramente por uma galera que não está mais na escola, mas que tem interesse pela música popular além da pauta novidadeira que move a imprensa especializada, cada vez mais coadunada com os mecanismos de sustentação da própria indústria musical, moribunda, anacrônica, burra. Quando não vai por esta via, os colegas falam de criadores e criaturas surgidos a partir da internet, glorificando-os como se fossem, apenas por não pertencer à lógica das gravadoras, a saída para tudo. Minha preocupação sempre foi com as canções, com as mensagens, algo que, a meu ver – e é um juízo de valor pessoal – está se perdendo rapidamente. Talvez por medo de ver que tudo pode ser esquecido e ressignificado em questão de segundos, o História Por Música surge como uma boa alternativa para conhecer as coisas. É uma mistura de jornalismo musical com aula de História e dá certo, pessoal.

Caso você esteja interessado/a/x em saber mais, me acha lá no Facebook, que explico melhor, ou manda um alô para o historiapormusica@gmail.com. Tem duas turmas começando em outubro, serão aulas presenciais no Centro do Rio e em breve devemos avançar para a internet, com conteúdo online a preços camaradas. Deve sair mais barato que gastar seu tutuzinho na academia, por exemplo. E, sim, esse é um texto jabazístico, por que não?

– CEL é Carlos Eduardo Lima (@celeolimite), responsável pela coluna Sob o CEL, versão renovada de sua primeira coluna no site, O CEL é o Limite, que estreou em maio de 2002. Também é locutor e produtor na empresa Rádio Vitrola e responsável pela História Por Música

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2 thoughts on “Sob o CEL: História Por Música

  1. Só um adendo, CEL, quando falas dos Incríveis, poderias também então incluir Jorge Ben? País Tropical nunca é considerada uma música que coaduna com os militares, mas Incríveis e Dom e Ravel (que compuseram músicas falando de reforma agrária) são sempre citados como colaboradores do regime. Mas País Tropical ainda é pra mim, o maior exemplo de música ufanista na hora errada.

  2. Sim, claro! No caso d’Os Incríveis, a postagem foi sobre a versão que eles fizeram para o Hino da Independência, que saiu em compacto, em 1972. O lado B era o Hino Nacional. 🙂

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