por Marcelo Costa
A quantidade de música despejada na internet todos os dias é, cada vez mais, incomensurável. Tanto a facilidade nos meios de produção, que tirou das grandes gravadoras o monopólio dos lançamentos, quanto a publicação das canções em ferramentas como Soundcloud, Youtube e Bandcamp demarcam um novo período na produção cultural, muito mais independente, ainda que sem a força de divulgação (muitas vezes turbinada pelo jabaculé) de outros tempos. Ou seja, os discos “caem” na internet, e muita gente nem fica sabendo.
Por isso o trabalho de pessoas como Franck Zeisel, um francês de Rouen, na Baixa Normandia, apaixonado por música pop desconhecida, é tão importante. Franck começou suas pesquisas musicais ainda no auge do My Space, e logo depois, com a facilidade do Bandcamp, criou o blog Life is a Minestrone, e a coletânea mensal que ele libera para download gratuito (com autorização de todas as bandas). A primeira não repercutiu tanto, mas a segunda, com um empurrão da badalada revista francesa Les Incorruptibiles, chegou a mais gente.
No volume 6, o primeiro que atravessou o Atlântico e chegou ao Scream & Yell, chamou a atenção o pop delicioso do Estan (Montreal), o country indie de Team James (Los Angeles) e o lo-fi praieiro do Redspencer (Melbourne). O recém-lançado volume 8 destaca uma banda indie coreana com influências dos anos 90 (Table People), o projeto eletrônico sofisticado de Jacob Ogawa, um norueguês de apenas 18 anos, e o som atmosférico, melancólico e lúgubre do Wishing Girls, marcado pelo vozeirão de Vahco Janus Strickland.
Atualmente, Life is a Minestrone está sendo compartilhada por Franck, responsável por todo o processo de curadoria, com auxilio do Benzine, um webzine francês “d’essence culturelle”, que nasceu com uma pequena diferença de meses do Scream & Yell (eles são de março de 2001 e nós de novembro de 2000). Além da coletânea, Franck começou a colaborar com o selo Microcultures e produzir shows em Paris de artistas que ele divulga na Life is a Minestrone. Na conversa abaixo, ele conta como busca as bandas e fala mais sobre este grande projeto.
Franck, como você teve a ideia de produzir as compilações “Life is a Minestrone” e distribuí-las gratuitamente?
Para encurtar uma longa história, minha ânsia por artistas e bandas não ouvidas começou com o My Space em 2005. Na época, escrevi para uma revista francesa chamada Popnews onde listei, por exemplo, Fleet Foxes, que ouvi antes de estourarem – eram as demos do Robin Pecknld como The Pineapples, algumas das músicas mais lindas que já ouvi, mas infelizmente meio perdidas hoje em dia, ele tinha 19 anos na época. Criei o blog Life is a Minestrone poucos anos depois para compartilhar as minhas descobertas, mas depois que o MySpace perdeu força, o blog quase chegou ao fim. A ideia de revivê-lo através do uso do Bandcapm veio de umas compilações feitas pelo selo francês/ site La Souterraine. Eles também lançam compilações gratuitas, principalmente com artistas franceses obscuros, e acabou virando uma febre entre os críticos franceses (com algumas menções internacionais também). Então pensei que seria interessante fazer a mesma coisa, mas sem nenhum tipo de fronteiras na minha mente. Apenas procurar com bastante cuidado no Bandcamp e encontrar a melhor música pop disponível lá (pop no sentido mais amplo do termo).
Você já lançou oito edições “Life is a Minestrone”! Como você seleciona os artistas para cada edição? É possível algum artista brasileiro entrar na seleção? E como o público está respondendo a isso?
Pesquiso mais de 50 bandas por dia e preciso fazer um julgamento rápido e impiedoso, o que é a única forma de escolher entre tantas bandas e músicas. Isso me leva a 20 ou 30 músicas que realmente chamaram a minha atenção durante o mês, e depois ao processo de seleção final. É uma parte importante, pois não quero que as compilações sejam vistas como simples mixtapes, mas como álbuns de verdade onde a escolha das faixas e a ordem são importantes. Daí contato as bandas para conseguir a autorização (quase sempre elas ficam muito felizes que alguém conseguiu encontrar sua música escondida) e tenho que dizer que foi a parte que mais gostei nisso tudo. Eu almejava ter o mesmo tipo de relacionamento que tinha com as bandas na época do MySpace, então é realmente um prazer poder me conectar com essas bandas através das compilações. Foi assim que a primeira compilação surgiu, e mesmo que tenha tido pouca audiência, as pessoas responderam muito bem a ela. O segundo volume teve um empurrãozinho dado pela Les Incorruptibiles, uma revista de música muito influente na França, e os outros volumes foram lançados mensalmente até chegar ao 8º volume atual. No fim, acho que as compilações refletem muito bem meu gosto musical que vai de Beach Boys a Stevie Wonder, Joni Mitchell a Television, Kate Bush a The Go-Betweens, Flying Nun a Divine Comedy. Você pode ver que não tenho muito a dizer sobre o novo milênio, então acho que o que estou tentando fazer com isso é que minha própria fonte de prazer musical agrade a outras pessoas também. Engraçado você me perguntar sobre artistas brasileiros, porque só encontrei alguém justamente hoje, o Moses. Ainda não tenho certeza se vou incluir uma de suas canções em uma compilação futura, mas gosto de seu EP.
Você começou a organizar shows esse verão com o nome Life is a Minestrone. Pode nos dizer mais sobre isso?
Bom, realmente é algo que não planejei. A maior parte dos músicos que estão na minha compilação estão tão distantes da Europa (principalmente dos EUA, Austrália e Canadá) que não imaginava ter a chance de conhecê-los tão cedo. Aconteceu quando Eric McEnte (que com o codinome de Hand aparece no terceiro volume da “Life is a Minestrone” com a música “I’m Not Bothered By the Rain”) veio a Paris por três meses, e então tive tempo de organizar alguns shows para ele na França. Foi uma experiência maravilhosa conhece-lo, conseguir um pouco de exposição e acho que todos que viram o show concordam que um compositor tão maravilhoso deveria ser mais bem conhecido. Também tive a oportunidade com o Harley Young, um talentoso jovem australiano (“Margate GF”, a faixa que abre o terceiro volume também) que está na França até o fim do ano. Consegui armar alguns shows e haverá outros enquanto ele estiver aqui. E ainda ajudei a relançar seu primeiro álbum, um grande disco chamado “Flinders Parade”, que saiu agora por um selo francês chamado Microcultures, com quem estou colaborando. O evento mais recente foi um show organizado em um apartamento com uma cantora incrível da Nova Zelândia, Mimsy, que rendeu nosso primeiro trabalho em vídeo. Tem alguns outros projetos de shows para os próximos meses e estou realmente feliz que o que era inteiramente virtual no começo (as compilações) está se tornando mais concretas (conhecer os músicos, ajudar com as turnês na França sempre que fosse possível).
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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