por Bruno Leonel
Quanto tempo leva para uma separação deixar de ser algo que incomoda? Quanto tempo para que um acontecimento doloroso tenha o afastamento necessário para deixar de causar sofrimento? Apoiado por tais premissas começa a história do drama “Permanência” (2015), primeiro longa do diretor Leonardo Lacca, vencedor do Cine PE 2015. O filme exibe uma narrativa competente sobre o mal-estar do pós-separação.
“Permanência” se originou do curta-metragem “Décimo-Segundo” (2007), marcando o reencontro do fotógrafo Ivo (Irandhir Santos, de “O Som ao Redor”, 2012) e a desenhista paulista Rita (Rita Carelli). Anos após a separação do casal, o nordestino Ivo é convidado para a sua primeira exposição na capital paulista, e acaba se hospedando na casa de sua antiga paixão, agora casada com outro homem, Mauro (Silvio Restiffe), o que desencadeia toda a trama.
Às vésperas da primeira exposição, no momento em que o fotógrafo mais parece prosperar, fantasmas do passado o assombram. Um clima de desconforto e de tensão, preenchido por frases desajeitadas que expõem algo ainda não resolvido, permeia a convivência do triângulo. As cores pálidas do filme aliadas a diálogos banais e um clima de desejo iminente, que quase chega a explodir entre o ex-casal logo nas primeiras cenas, povoam os 90 minutos do longa.
A trama pouco diz sobre a vida do protagonista. Filho bastardo de um pai cuja família o renega, Ivo parece, desde sempre, colocado como figura alheia a outras uniões e relacionamentos que vê a sua volta, e talvez, por isso, incapaz de se apegar a alguém de forma profunda. Ainda assim, o fotógrafo tem uma noiva no Recife, com quem troca mensagens em determinados momentos da história. No entanto, o vínculo com ela parece frio e ineficaz em fazer o fotógrafo demonstrar algum tipo de afeto.
Há até momentos de infidelidade consumada, quando Ivo se entrega e acaba se envolvendo com Laís (Laila Pas), que trabalha no mesmo local onde a exposição é montada. Certos minimalismos e metáforas também entram em cena nos momentos de maior tensão, em que algum elemento aparece relacionado ao café, que ferve nas sequências de maior agitação e até sugere um elo com o passado em diálogos breves onde o ex-casal relembra antigas peculiaridades enquanto saboreia a bebida.
Cenas de catarse, como gritos e choro são evitadas, o que mantém a linha sutil da narrativa. A câmera se mantém fixa, sempre em enquadramentos próximos aos personagens, quase como se tivesse receio de se aproximar muito, quase como um reflexo da própria personalidade de Ivo.
“Permanência” chama a atenção também por um ritmo peculiar na história, usando a pausa e as lacunas como forma de expressão. Recursos sonoros também aparecem de forma chamativa. Perto do meio do filme há uma cena peculiar, na qual Rita, ao lado do esposo Mauro, é fotografada por Ivo, enquanto conversam… Ao fundo, o rádio toca “Atrocity Exhibition”, do Joy Division, canção que fala sobre a contemplação do sofrimento alheio apenas por entretenimento. No entanto, aqui a ideia não é falar sobre entretenimento, e sim da própria condição perplexa dos personagens, imersos em uma melancolia que os torna incapazes de superar a própria situação.
Momentos mais tarde, a verdadeira ‘Mostra’ de imagens (não a da galeria) é entregue para a Rita. Na melhor cena do filme, diversas fotos do passado, (inclusive dos dois, quando ainda eram um casal) são dadas à ilustradora. Rita as observa com grande tristeza. A ida de Ivo até São Paulo se justificaria apenas pela entrega.
Ao fim, após concluídos os eventos, o protagonista se despede e retorna para Recife (‘Antigo’, e não velho, como ele mesmo trata de corrigir em uma das cenas). Tão subitamente como veio, o fotógrafo se despede e parte deixando um vazio, ainda que as mudanças que tenha provocado na vida do casal sejam notáveis.
Logo fica o clima de desapego com um filme que chega ao fim sem resolver seus conflitos. Dadas às devidas proporções, o mote quase lembra uma atualização do clássico “Teorema” (1968), de Pier Paolo Pasolini, no qual um visitante desconhecido, após alguns dias presente em uma casa, muda para sempre a vida de uma família. A diferença é que aqui o visitante é conhecido, e seu passado parece totalmente conectado aos eventos do presente.
Apoiado no mal-estar do vazio melancólico da inconclusão, “Permanência” mais incomoda do que seduz. Irandhir Santos e Rita Carelli se saem muito bem e conseguem transmitir uma atração muito forte, que não é concluída em nenhum momento. Leva-se muito tempo para resolver certos conflitos, e muitos deles não parecem ter solução, talvez porque a vida não tenha solução.
– Bruno Leonel (https://www.facebook.com/silva.leonel.900) é jornalista.