por Pedro Salgado, de Lisboa
Com uma ligação seminal ao selo Cafetra Records, o duo Pega Monstro definiu atempadamente a sua sonoridade pop punk através de temas emblemáticos como “Paredes de Coura”, “Dom Docas” ou “Fetra”, assinando shows explosivos em festivais como Barreiro Rocks (perto de Lisboa) e Milhões de Festa (no norte de Portugal). As irmãs Maria (guitarra, voz e teclado) e Júlia Reis (bateria e voz) acabaram de lançar “Alfarroba” (o título do disco provém de um fruto da região do Algarve, sul de Portugal, de onde é a família de sua mãe) e a pegada roqueira inicial acentuou-se, concretizando um álbum mais ambicioso e repleto de novas abordagens.
No trabalho, o grupo revela eficácia pop no single “Braço de Ferro”, aproxima-se da vertente melódica em faixas como “És Tu, Já Sei”, flerta com o shoegazing (“Estrada”), e exibe um cruzamento de psicodelismo e indie rock na brilhante “Amêndoa Amarga”. A maturidade lírica do disco evidencia-se igualmente na deriva romântica de “És Tudo o Que Eu Queria”. “Esse tema fala de histórias que acontecem quando crescemos. Quando individualizamos a narrativa conseguimos mostrá-la para as outras pessoas e elas também a sentem. Porque toda a gente tem questões amorosas e existenciais”, explica Maria Reis num quiosque lisboeta do Jardim do Príncipe Real.
Para além de nomes primordiais como My Bloody Valentine ou Sonic Youth, em “Alfarroba” também é possível detectar outras referências. “Do Lightning Bolt agradou-nos o poder da bateria, nos Rolling Stones interessou-nos o fato do rock deles não se levar muito a sério e nem sempre ser dramático e no Royal Trux apreciamos o som da guitarra”, conta Júlia Reis. Embora reconhecendo o contributo dos diversos conceitos musicais apresentados, Maria Reis prefere sublinhar o produto final: “Quando reconhecemos algo que tem valor, acabamos por interiorizar esses elementos e fazemos o filtro, isso traduz algo que é nosso”, diz.
A edição do disco, pelo selo londrino Upset The Rhythm, resultou de um contato de Afonso Simões (baterista do Gala Drop e responsável da Associação Cultural Filho Único) com Chris Tipton, quando o Pega Monstro se viu impossibilitado de lançar o álbum em vinil por falta de recursos financeiros da Cafetra Records. “O Chris gostou da ideia e foi ótimo, porque o Upset The Rhythm nunca tinha editado nada que não fosse em inglês ou japonês. Mas ele curtiu o nosso andamento, as vozes, a energia e aceitou. A barreira linguística não foi um problema (risos)”, refere Maria Reis. Sobre a música brasileira, o duo destaca Elis Regina, a transversalidade das canções de Jorge Ben Jor, o lado funk de Tim Maia e aponta o garage d’Os Haxixins como próximo do seu trabalho. De Lisboa para o Brasil, o Pega Monstro conversou com o Scream & Yell. Confira:
“Alfarroba” é um disco mais roqueiro e dinâmico do que o álbum homônimo de estreia. Como se deu essa transformação?
Isso está relacionado com a passagem do tempo. Escutamos e tocamos mais música desde 2012 e tudo aconteceu de uma forma espontânea. Se calhar, ocorreu igualmente um processo de identificação com diferentes sonoridades e o resultado tomou este aspecto. O processo de composição foi mais longo, demoramos dois anos a executá-lo, desde o “Pega Monstro” (2012), e há músicas complexas em termos de estrutura que levaram algum tempo para fazer. O “Alfarroba” talvez tenha sido mais pensado, mas a nossa intenção foi que ele fosse apenas o que era. Foi só deixar a loucura acontecer (risos).
Sinto uma evolução sonora e urgência nas palavras cantadas de “Amêndoa Amarga”. O que as motivou a compor esta canção?
É uma música central, porque de certa forma dá o nome ao disco. Embora tenha seguido os mesmos moldes das outras canções, ela é mais comprida, dinâmica e leva-nos para diversos caminhos. O tema dá para respirar e liricamente tem muitas imagens (frutas, praias, sensações). Ele sugere férias e paz interior. No fundo, acaba por traduzir uma ideia de boiar no mar e tranquilidade, tipo chill (risos).
O público que assiste aos shows de vocês é simultaneamente heterogêneo e entusiasmado. Com explicam o fascínio pelo grupo?
Julgo que as pessoas se identificam com o gosto, harmonia e power das nossas canções, isso é prazeroso de sentir e o fato da nossa música ser direta provoca um reconhecimento fácil pelas pessoas. O público revê-se nas situações, gosta de nos escutar, percebe raciocínios e instantes. Acaba por ser uma coisa mais ligada ao momento e menos à mensagem. Nos shows, criamos ligações entre as músicas, porque tudo faz parte da experiência de assistir a um concerto. Embora não seja muito comum ver duas garotas fazendo rock, o importante é que curtimos imenso. E no show do Ateneu da Madredeus (espaço lisboeta onde apresentaram recentemente o disco “Alfarroba”) eramos uma unidade e toda a gente parecia estar tocando.
Entre outros, vocês abriram os shows de Ariel Pink e Jon Spencer Blues Explosion. Recolheram alguns ensinamentos dessas apresentações?
Ariel Pink é o boss, nós já curtíamos muito a sua música e ele faz canções como ninguém. Na passagem de som, ele tocava com um microfone sem fios, saía do palco, continuava a cantar, ia no banheiro, regressava e vislumbrava o som do Lux (sala lisboeta). Jon Spencer foi legal também. Acabamos por não falar com a banda, mas eles fazem um ótimo rock. Consciente ou inconscientemente acabamos sempre por retirar algo destas experiências e não só com os shows. Também nos impressionou o fato do Ariel Pink passar o disco e alterná-lo com o som do concerto, para aperfeiçoar a música dele. Nunca tínhamos visto isso e foi uma boa aprendizagem.
Brevemente, farão uma tour inglesa de apresentação do “Alfarroba”. Quais são as vossas expetativas?
Tocamos em Londres há três anos, porque fomos lá em família e decidimos marcar um concerto. A maioria do público era português e até havia uma pessoa com a t-shirt do EP “O Juno-60 Nunca Teve Fita”, que lhe foi oferecida no seu aniversário (risos). Desta vez, teremos mais público local e achamos que os ingleses vão reagir bem, porque seguimos a linhagem do rock deles, como é o caso do Spacemen 3. Vamos tocar em várias casas que não conhecemos, provavelmente não entenderão muito do que cantamos e depois dessa experiência ficaremos um pouco como se tivéssemos tido um sonho. Mas não projetamos muito mais do que o fato de tocar na Inglaterra. É algo tão abstrato que nem dá para saber o que esperar.
Gostariam de deixar uma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
A música brasileira está no topo e fazer parte disso seria muito legal. Soubemos que temos seguidores lá, porque apareceu um clipe no YouTube com um garoto brasileiro tocando na guitarra acústica o “Paredes de Coura”. E também há mensagens de fãs, no nosso Facebook, pedindo para fazermos shows em São Paulo. Possibilitem-nos tocar no Brasil, porque lá devem ter as melhores vibes do mundo (risos).
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista e conta as novidades da nova cena portuguesa. Outras entrevistas aqui. A foto que ilustra o texto é de Sara Rafael / Divulgação
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