Livro: À Noite Andamos em Círculos

por Adriano Mello Costa

Em algum momento da vida a sensação de estar perdido, sem saber muito bem o que fazer e nem para onde ir anda do lado de cada um, ainda mais na juventude quando as ambições não passam de quimeras quase impossíveis. É com essa sensação que encontramos Nelson, o personagem principal do livro “À Noite Andamos em Círculos”, de Daniel Alarcón, com a vida carecendo de sentido para existir já que o horizonte não é dos mais brilhantes diante das circunstâncias em que se encontra.

Lançado nos EUA em 2013 com o título “At Nigth We Walk In Circles”, a obra ganhou lançamento nacional pela Editora Objetiva no ano passado com 320 páginas e tradução de Rafael Mantavani. Esse é o segundo romance de Daniel Alarcón, um peruano de nascença que desde cedo mora em terras norte-americanas, sendo que o primeiro (“Rádio Cidade Perdida”) foi publicado aqui no Brasil pela Editora Rocco. O autor, que já foi citado em algumas listas importantes como uma das promessas da literatura, veio aqui para a FLIP do ano passado no Rio de Janeiro.

“À Noite Andamos em Círculos” é ambientando em um país andino que em nenhum momento tem o nome citado, mas que poderia muito bem ser o próprio Peru, ou a Colômbia, ou a Bolívia, já que a caracterização geral se adequa em qualquer um deles. O livro é narrado por um jornalista que não se sabe muito bem como se envolveu com a história, mas que como testemunha ocular em alguns pontos e participativa em outros vai montando pequenas peças no decorrer das páginas, juntando uma aqui e a outra ali, edificando pouco a pouco o que ambiciona descrever.

O personagem principal é o já citado Nelson, um jovem ator e pretenso dramaturgo que não vê futuro pela frente. Vive com a mãe, o pai morreu, o irmão mora nos EUA e quebrou a promessa de lhe levar para lá e o relacionamento com a namorada anda aos trancos e barrancos. É quando surge uma oportunidade para se juntar ao grupo de teatro Diciembre, famoso nos anos 80, mas que sucumbiu junto a ditadura militar imposta no país, que nesse momento está fora de uma guerra civil tem pouco tempo.

Ao conseguir se juntar ao Diciembre, que nesse momento é formado somente por Henry Nuñez e Patalarga, Nelson acha um sentido para a sua vida, já que a programação da reunião de aniversário se configura em uma turnê pelo interior, passando por vilas, vilarejos, aldeias e pequenas cidades levando teatro a todo o povo com a remontagem da peça “O Presidente Idiota”, de texto controverso, satírico e crítico, que inclusive levou Henry a ser preso no regime militar e sucumbir por um bom tempo em uma prisão detonada em um lugar qualquer do país.

Essa intrépida viagem rumo ao desconhecido, por assim dizer, reacende velhas chagas, antigas dores e proclama sentimentos no peito de cada um, inserindo novos temas que na condução da história avisam a um desfecho desfavorável para todos os envolvidos. É nessa colagem de fatos para chegar ao final anunciado (mas que o leitor não tem ideia bem do que seja) que reside todo o brilho de “À Noite Andamos em Círculos”, com uma força narrativa intensa e grande habilidade na construção dos cenários e na composição detalhada de cada personagem.

Para elaborar a obra, Daniel Alarcón visitou presídios antigos em Lima, no Peru, e se inspirou na peça “El Mandatario Idiota” do dramaturgo Walter Ventosilla, como também na história real da trupe de teatro Setiembre e as histórias mil dos seus integrantes. Utilizando isso junto com uma imaginação fluente fez um livro de rara maestria utilizando recursos complexos em certos aspectos, sem deixar em nenhum momento de atrair o leitor para dentro da história, mesmo com os rumos que a trama toma no início e, gera assim, grande expectativa para seus trabalhos futuros.

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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